Estes loucos no poder aproveitaram um período de relativa acalmia para acender um fósforo no paiol. As consequências são imprevisíveis, em particular para as bancas dos países do sul.
A irresponsabilidade dos líderes europeus não conhece limites. Em Bruxelas, Frankfurt, Berlim, Lisboa… ou Nicósia.
Chipre, governado nos últimos cinco anos por um partido comunista, transformou-se no paraíso de qualquer capitalista lunático, onde é praticamente mais fácil abrir um banco do que uma conta no banco, as empresas quase não pagam imposto e a cidade de Limassol tem registadas incontáveis companhias fictícias. Em resultado, Chipre tornou-se no terceiro maior investidor estrangeiro direto na Rússia. Não, não é porque esta meia-ilha quase sem exportações se tenha tornado numa potência económica — é apenas o dinheiro, muitas vezes criminoso, dos oligarcas russos, que volta branqueado para o país de origem, pronto a comprar apartamentos, abrir lojas de luxo e asfaltar florestas (onde se lê “Chipre” e “Rússia”, poderá ler-se em breve “Portugal” e “Angola”). Também não por acaso, armas russas passaram por Chipre para entregar a Bachir Al-Assad — em plena presidência cipriota da UE que tinha decidido um embargo de armas à Síria!
Quando a crise chegou, este governo fez tudo o que manda a cartilha, sem troika e sem contemplações: desde despedimentos na função pública a cortes nas funções sociais. Tirando o nome, nada distinguiu esse governo do de Pedro Passos Coelho, Paulo Portas e Vítor Gaspar. Nem sequer o falhanço. As medidas só serviram para piorar a situação e Chipre, com uma população de um milhão, mas bancos que valem oito vezes o PIB nacional de 17 mil milhões, teve de pedir um resgate de dez mil milhões de euros.
Entretanto os chefes da zona euro, com a chanceler Merkel à cabeça, aproveitaram a eleição de um novo presidente cipriota, de direita, para imporem as suas condições. Sob o pretexto de que o parlamento alemão nunca aprovaria um resgate para oligarcas russos, insistiram que uma parte da fatura fosse paga não só pelos acionistas como pelos depositantes dos bancos.
Ora, o atual presidente cipriota tem tão pouco desejo de maçar os seus parceiros russos quanto o seu antecessor comunista. Não só quer obrigar os grandes depositantes a pagar um imposto extraordinário de 9,9% como, profanando o território sagrado da garantias bancárias para os pequenos aforradores, que desde Roosevelt têm servido para impedir corridas aos bancos, pretende efetuar um saque de 6,75% aos depositantes abaixo de 100 mil euros. Para levar isto a cabo, os bancos foram encerrados e as transferências bloqueadas. Mais uma daquelas coisas que “não acontece na Europa” acabou de acontecer sob os nossos olhos.
Ou seja: estes loucos no poder aproveitaram um período de relativa acalmia para acender um fósforo no paiol. As consequências são imprevisíveis, em particular para as bancas dos países do sul. Sem garantia bancária e com a possibilidade de um “corralito” à Argentina, estão criadas as condições para uma fuga de capitais como aquela que, entre abril de 2010 e abril de 2011, tirou 78 mil milhões de Portugal e abriu caminho à nossa desgraça.
Há quase cem anos, o grande socialista europeu que foi Jean Jaurès escreveu: “os povos da Europa andaram pelos caminhos com as tochas na mão; e eis agora o incêndio”.
(Crónica publicada no jornal Público em 18 de Março de 2013)