Há exatos oitenta anos, o New Deal de Roosevelt foi uma das grandes vitórias da política — do governo do povo, pelo povo e para o povo. Aprendam que não é tarde.
Há oitenta anos, por estes dias, a primeira semana de março de 1933 acabou numa sexta-feira, dia 3, e com ela um velho mundo estava a ruir nos Estados Unidos da América. Os bancos do estado do Michigan estavam fechados, e muitos falidos, há três semanas. Os de Maryland fecharam pouco depois. Na primeira manhã do mês foram os do Kentucky e do Tennessee; à noite já tinham fechado os da Califórnia, Luisiana, Alabama e Oklahoma. Três dias depois estavam encerrados os bancos de 38 dos 48 estados dos EUA; os depositantes não tinham acesso às contas, os patrões não tinham como pagar os salários, os clientes não tinham como pagar as compras, as lojas estavam vazias.
No dia seguinte, sábado dia 4, cujo 80º aniversário foi há uma semana, foi empossado o novo presidente dos EUA, Franklin Delano Roosevelt. O seu discurso inaugural é muitas vezes citado por dizer que “só temos a temer o próprio medo”. Mas há um momento melhor: “não fomos atingidos por uma praga de gafanhotos”, diz Roosevelt, desprezando que se pudesse explicar o cataclismo financeiro como uma inevitabilidade, uma fatalidade, uma calamidade à qual só havia que vergar a cabeça e aceitar as consequências.
O que aconteceu, explicou ele, foi que “os mandantes das transações de bens humanos fracassaram pela sua teimosia e a sua incompetência”. A crise era um falhanço humano; onde falham uns humanos outros podem acertar.
Roosevelt recolheu aos aposentos, e nessa mesma noite deu ao seu Secretário do Tesouro cinco dias para preparar uma “lei bancária de emergência”. Na tarde seguinte, domingo dia 5, emitiu dois decretos: o primeiro convocando o Congresso para uma sessão especial dali a quatro dias; o segundo declarando um “feriado bancário nacional” durante o qual se fiscalizariam as instituições financeiras para separar as ilíquidas das insolventes. No dia 9, quinta-feira, ainda os congressistas novos não tinham encontrado os lugares no hemiciclo nem o Secretário do Tesouro tido tempo de fazer as cópias da sua proposta de lei, o documento foi lido em voz alta e aprovado. Foi o início de uma reforma bancária que sobreviveu quase setenta anos, com a separação entre banca a retalho e de investimentos, e que se não tivesse sido desfeita no fim do século XX talvez nos tivesse poupado à magnitude da presente crise.
A 12 de março, fará amanhã anos, Roosevelt falou pela rádio e explicou aos americanos que passos tinham sido dados para fiscalizar e reformar os bancos, mas foi claro ao dizer que só se saberia o resultado quando houvesse mais gente a depositar dinheiro do que a correr aos saques. Os dados estavam lançados, e Roosevelt foi deitar-se.
No dia seguinte havia que acabar com a Lei Seca.
E no dia depois desse havia que começar a dar trabalho a milhões de desempregados, de pedreiros a artistas. Em poucos meses foram plantadas mil milhões de árvores, reparados milhares de quilómetros de estradas, pintados murais em centenas de estações de correios (por serem edifícios federais), etc. O que fosse necessário fazer era feito.
Há exatos oitenta anos, o New Deal de Roosevelt foi uma das grandes vitórias da política — do governo do povo, pelo povo e para o povo — sobre as supostas fatalidades da economia, e de caminho evitando os horrores do fascismo. Aprendam que não é tarde.
(Crónica publicada no jornal Público em 11 de Março de 2013)