O que quer dizer federal e confederal, no contexto da União Europeia? Vamos começar pelo que não quer dizer: democrático.
Esta é a nossa primeira crise federal: o euro é uma realidade federal. Não se pode vencer uma crise federal com armas confederais.
Em duas frases, este é o problema, e esta é a raiz de todos os fracassos em resolver o problema. A partir daqui, há duas soluções possíveis: ou se acaba com o euro, ou se avança com a federação. Enquanto portugueses e europeus devemos ter muito claro o que isto implica, e debater a fundo em que condições aceitamos um caminho ou outro. Em tese, este seria um debate a adiar para um futuro abstrato. Mas a crise tornou-o urgente.
O que quer dizer federal (ou “comunitário”) e confederal (ou “intergovernamental”), no contexto da União Europeia? Vamos começar pelo que não quer dizer: democrático. No contexto da UE, nenhuma das possibilidades é necessariamente democrática, pelo que como portugueses e europeus devemos ser muito cuidadosos. O futuro da UE ser federal+democrático é muito diferente de ser apenas federal. Na primeira hipótese, as nossas democracias serão reforçadas por uma democracia europeia; na segunda hipótese serão enfraquecidas pela inexistência de democracia no topo federal.
Quanto a “confederal”, trata-se de um sistema que não só não é democrático, como nem sequer é prático. A crise do euro deixou patentes os problemas da abordagem confederal: 1) deixa toda a gente à mercê da incerteza; 2) deixa os pequenos à mercê dos grandes. O resultado é que 3) não funciona, e a única coisa boa é que 4) podemos abandonar o sistema.
É pouco lembrado, mas os Estados Unidos da América começaram por ser uma confederação. Durou meros dez anos, por razões que George Washington explicou em meras duas palavras: “no money”. O Congresso só podia receber dinheiro dos estados. Se não o recebesse, tinha de o imprimir. Se o imprimisse, desvalorizava-o. Se pedisse emprestado, não tinha como pagar dívidas. Os estados não eram solidários entre si nem pelas dívidas comuns. Formalmente ratificados em 1781, os “Artigos da Confederação” acabaram substituídos pela Constituição (Federal) dos EUA em 1789.
Isto é relevante para a Europa? A partir do momento em que passámos a partilhar a mesma moeda, claro que sim.
Sem crise financeira, de origem externa, e que atingiu os países europeus de forma muito diferenciada, talvez não se descobrisse tão cedo que o euro tinha defeitos estruturais (embora diversos economistas tenham alertado a tempo). A crise demonstrou que é absurdo pedir aos estados que obedeçam a limites orçamentais do euro quando não há harmonização fiscal entre eles (exemplo: enquanto nós andamos a cortar em pensões e salários, as empresas portuguesas fogem aos impostos indo para a Holanda). A tentação de disciplinar estados-membro “prevaricadores” só tem tornado as coisas piores.
Todas as tentativas para resolver o problema passam por uma solução federal: ou a emissão de eurobonds, ou a impressão de mais moeda pelo BCE.
Mas para resolver um problema económico criaremos um problema político, pois não temos governo europeu legitimado pelo voto para gerir, por exemplo, os três biliões de euros ou mais que seriam recolhidos pelos eurobonds e assim relançar a economia europeia. A única solução prática e aceitável então seria federação+democracia, com eleição do governo da União. Enquanto ela for possível, teremos interesse em defendê-la, enquanto portugueses e europeus. Caso contrário, restar-nos-ia a hipótese de recorrer ao ponto 4) acima.
4 thoughts to “Federal e confederal”
Porque é que você é muito mais inteligente que Passos?
Custava tanto emitir moeda para resolver o problema da Europa!
Uma boa analise.
Mas não vamos lá……..
Concordo a 100% com a sua análise, agora não sei é como avançar para um “Governo da União”… Perante esta crise é fácil para os anti-federalistas usar argumentos populistas. Ao forçar o “desenvolvimento” da União pode-se bem estar a condena-la.
Eu não sou um especialista em política, muito menos na confusão da política europeia, cheia de tratados feitos de concessões políticas, às vezes forçadas por gente mais preocupada com o impacto mediático do que com o conteúdo (leia-se Sócrates). Por isso pedia-lhe a sua opinião de como veria um eventual “Governo da União” em termos de poderes e domínios de ação. Seria circunscrito à Eurozone? Como se poderia desenhar esse governo de forma a que os nacionalistas não o consigam denegrir perante a opinião pública?