Foi fácil, durante meses, encontrar críticas à intervenção na Líbia. Seria fácil, agora que os rebeldes chegaram a Tripoli, embandeirar em arco.
Uma primeira conclusão acerca das revoluções árabes é que elas são corajosas — e tenazes. Só na Tunísia as coisas se passaram de forma relativamente rápida e indolor. No Egito, as multidões na Praça Tahrir tiveram de enfrentar cargas policiais, fogo real, intimidação e violência durante semanas. No Bahrein a revolução foi implacavelmente esmagada. Na Síria, a ousadia de sair à rua paga-se com a vida; no entanto, eles continuam a sair à rua, mês após mês.
É quase inimaginável para nós, mas “lutar pela liberdade” não é uma proposta confortável; o medo não é uma coisa teórica para esta gente; a luta não é uma coisa que possam fazer num dia para abandonar no outro.
O respeito que devemos a gente assim, depois de décadas em que se perorava sobre os “árabes” ou os “muçulmanos” como se eles fossem apenas cartadas trocadas nos jogos de salão entre teóricos ocidentais, implicar reconhecer que estes movimentos democráticos são deles, e a eles lhes pertencem. O Iraque e o Afeganistão ficaram desde a década passada como exemplos do que não se deve fazer.
Isso não pode fornecer qualquer desculpa para uma omissão ou passividade criminosas. Entre cidadãos que lutam pela liberdade, e um ditador que promete exterminá-los, nós deveremos saber quem ajudar. Não ajudar nenhuma das partes é coisa que, muitas vezes, não existe: isso é estar do lado do mais forte, e deixar-lhe as mãos livres, no preciso momento em que ele se prepara para matar os mais fracos.
A segunda conclusão é que, desculpem, mas ainda não há conclusões.
Nenhuma destas histórias acabou. Nem na Tunísia, nem no Egito, nem no Bahrein, nem na Síria. E, certamente, está longe de acabar na Líbia.
Votei a favor da zona de exclusão aérea na Líbia, desde que com a missão de proteger civis e enquadrada pelo direito internacional e com mandato dado pelas Nações Unidas (para resumir: desde que fosse tudo aquilo que o Iraque não foi). Não foi um voto fácil. Escrevi logo a seguir sobre ele dizendo que havia bons argumentos para votar contra.
(O único voto injustificável para mim — e acho que isso se percebe — era a abstenção. Numa questão destas, se somos chamados a pronunciar-nos, não nos podemos esconder.)
Estou convencido de que a zona de exclusão aérea impediu um massacre de enormes proporções em Benghazi. De qualquer forma, não havia como arriscar: Kadhaffi tinha prometido esse massacre, e dado publicamente ordens de extermínio, na televisão, para toda a gente ver.
Foi fácil, durante meses, encontrar críticas à intervenção na Líbia. Seria fácil, agora que os rebeldes chegaram a Tripoli, embandeirar em arco.
Mas não seria sensato. Os riscos de uma intervenção — a escalada, a tribalização, o prolongamento do conflito — eram e são reais. Podemos aceitar corrê-los; não os podemos negar. Tal como havia que proteger civis entre os rebeldes, há que exigir garantias de que a tomada de Tripoli seja libertação e não vingança. Que a autodeterminação do povo líbio seja respeitada. Que os suspeitos de crimes de guerra tenham um julgamento justo. O Conselho Nacional de Transição anunciou que a NATO não terá bases na Líbia. É uma sábia decisão, que espero se mantenha.
Há muito para andar neste caminho estreito.
4 thoughts to “Líbia: a história continua”
Falta agora a determinação para os mesmos que foram a correr excluir massacres na Libía (e com os quais concordava e concordo) o façam para a Síria…
Nem a Ana Gomes diria melhor. Melhor, muito melhor, só talvez, Obama, Cameron e Sarkozy. Ah. Berlusconi e Paulo Portas também.
Pois é, o homem que dirigiu os rebeldes na conquista de Tripoli é um membro proeminente da Al-Queda.
Cai o ditador e regressam os fanáticos religiosos, que bela troca.
Para quando uma campanha para destronar o ditador que governa a Arabia Saudita
Porquê que não querem que a Nato venha a ter bases na Libia, quando ela teve um papel tao relevante na vitoria do cnt