Um “evento de falência” da Grécia poderia lançar uma reação em cadeia de efeitos planetários. Depois dos últimos anos de crise, ninguém está interessado em descobrir quais são.
O puxempurra é uma criatura bicéfala; cada metade tenta avançar na direção oposta da outra e o conjunto não sai do lugar. Pode viver assim anos a fio se estiver pastando num prado verdejante. Mas imaginem que os tempos mudaram e que o puxempurra dá por si numa poça de areia movediça: metade puxa, metade empurra, e o conjunto afunda-se.
O puxempurra é uma invenção de histórias para crianças (dos livros ingleses de Dr. Dolittle onde o nome original do bicho é pushmi-pullyu; “puxempurra” é da minha responsabilidade) mas encontrei-o num livro sério sobre a União Europeia que deveria ser traduzido para português (The end of the West — The once and future Europe, por David Marquand). Nesse livro o puxempurra é usado para descrever o processo negocial em Bruxelas — a França puxa, a Alemanha empurra; a Espanha empurra dinheiro para os agricultores, o Reino Unido puxa pelo “cheque britânico”; a Comissão puxa pelo método comunitário, o Conselho empurram para o método intergovernamental. Em tempos o puxempurra foi muito gabado pelo resultado dos seus compromissos.
Mas agora atolou na areia movediça e arrisca-se a levar-nos todos para o fundo. O puxempurra já não produz compromissos; cria aberrações. A mais recente é a coisa com que os líderes europeus se propõem salvar a Grécia do salvamento que lhe infligiram há um ano. A França quer tirar os seus bancos da zona de risco; a Alemanha quer mostrar-se dura aos eleitores. Para obterem ambos os seus desejos contraditórios cozinharam uma amálgama de empréstimos e “veículos especiais” que se destinam unicamente a convencer os mercados que a dívida grega pode ser reestruturada sem criar um “evento de falência”. Os mercados não acreditam na invenção do puxempurra e, por uma vez, eu não os culpo.
Um “evento de falência” da Grécia poderia lançar uma reação em cadeia de efeitos planetários. Depois dos últimos anos de crise, ninguém está interessado em descobrir quais são. Mas só há uma forma de evitar um “evento de falência” da Grécia: é não deixar a Grécia falir. E para a Grécia não falir, os seus juros têm de baixar substancialmente em direção aos três por cento. Como ninguém lhe emprestará dinheiro a esse juro, a dívida grega tem de ser transformada em dívida europeia, garantida por eurobonds. O processo tem de ser repetido para Portugal e Irlanda.
Simples? Não. Difícil. Mas necessário. Um mercado de dívida europeia teria uma dimensão de quatro a cinco biliões de euros (biliões, com b) capaz de resolver os problemas presentes e relançar a economia europeia (com a reconversão, que nunca será fácil, de economias como a nossa). Têm razão os ex-presidentes Soares e Sampaio, que esta semana assinaram uma carta com outros ex-chefes de estado e governo propondo um New Deal europeu. Tem razão Giscard d’Estaing quando diz que os tempos pedem uma refundação democrática da União, sugerindo a convocação de um Congresso com todos os parlamentos nacionais e o europeu.
Têm razão todos os que disserem: o tempo do puxempurra acabou.
Para que a mensagem fique ainda mais clara, vou contar-vos uma história. A personagem do puxempurra foi criada há quase cem anos, nas trincheiras da Iª Guerra Mundial, por um escritor-soldado chamado Hugh Lofting que não sabia o que pôr nas cartas que enviava aos filhos. “Todas as notícias eram demasiado chatas ou demasiado horríveis”, disse ele sobre essa grande tragédia europeia. Cem anos depois, já tivemos as notícias chatas. Seria bom que evitássemos as horríveis.
10 thoughts to “O puxempurra”
“Um “evento de falência” da Grécia poderia lançar uma reação em cadeia de efeitos planetários.”: o pior é que eu estou convencido de que essa reacção em cadeia já começou. Desde o primeiro momento, as atitudes de todos os actores europeus me convenceram da justeza da minha primeira análise, no primeiríssimo dia desta crise, quando tudo o que bastava para evitar a hecatombe, da Grécia e de todos os que se seguiram, teria sido uma palavra, dura,convicta e convincente, por parte dos líderes europeus (particularmente Merkel), de que “a Grécia é Europa como nós, a Grécia conta com toda a nossa solidariedade, a UE garantirá tudo o que houver a garantir”. Nesse momento, sem gastar um cêntimo sequer, o futuro da UE teria sido assegurado. Nesse momento fatídico, a resposta europeia foi diametralmente oposta ao que deveria ser, e eu vaticinei nesse momento primevo que tinha caído o primeiro dominó de uma longa série que, inevitavelmente, culminaria com o fim do euro e da UE tal como a conhecemos. Ainda falta caírem muitos dominós, muitos mais do que os que já caíram, mas nenhum deles me convenceu de que estou errado. E como eu desejo ardentemente estar errado…
é algo com significado sexual
logo tem muito mais do que relevância económica
é uma pulsão amor morte
são comuns em todos os impérios feitos de retalhos
Quando durante décadas as instituições económicas europeias e não só
direccionaram a economia que se dizia quasi-global para a especulação como forma de criar valor poucos se queixaram e muitos beneficiaram
Um mercado de dívida europeia teria uma dimensão de quatro a cinco biliões de euros (biliões, com b…não quer dizer nada
há dois sistemas notacionais de base para bilião
um define-o como 1.000.000.000 10 elevado a 9 l’échelle courte
bilião como 1000 milhões
o seguinte 10 elevado a 6 elevado a n
n=1 milhão 10 elevado a 6
n=2 bilião 10 elevado a 12 milhão de milhões
n=3 trilião 10 a 18 milhão de milhões de milhões
logo o seu bilião é da escala longa
não que interesse muito mas a luta dos biliões dura há 2 séculos
a europa de qualquer modo dificilmente conseguirá ter uma unanimidade em assuntos de potência mais elevada
já que não os consegue ter nas de potência ou escala menori
e viva Salgado Zenha que enquanto vivo foi um desprezado
e depois de morto é um esquecido com carradas de razão
Resumindo: Cavaco o pai do betão e das reformas a eito é a encarnação do mal, e Soares do corte nas ditas cujas por via da inflação e do escudo fraco tipo franco CFA, juntamente com o marido das conservas de Vila Real de Santo António são os presidentes do New Deal.
Compreendido.
A esquerda tal como a direita e suas extremas, têm uma coisa em comum
são rápidas no lápis azul, vermelho e de outras cores.
tal como em Julho de 91 (ou em 1860 tanto faz)
A união aguenta-se
O rublo o dólar aguentam-se
Aqueles madraços do sul são os culpados
E puxam-se uns apparatchiks partidários de passados mortos
para falarem de soluções vazias
Libertem-se os escravos e o estado que pague por eles
Pague-se com quê…com inflação para todos…e mais estado e obras de estado, solução que nos últimos 37 anos serviu
e os estados desunidos
só com esses intervenientes é mais um puxa
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