É o colapso ou a reformulação. A nossa primeira linha de defesa deve ser, portanto, a existência de um pensamento sobre o que a Europa deveria ser.
E como se está a sair o FMI na Irlanda? Mal. Depois de uns quantos meses a mandar no país por interposto governo, o FMI acabou por admitir que o deficit irlandês será maior do que esperado (10,8% e não 10%), que o crescimento continuaria negativo, e até mais negativo do que previsto, e que tudo somado a Irlanda não chegaria aos 3% de deficit em 2015, e nem sequer em 2016.
Não há razões para pensar que em Portugal vá ser diferente. Os cortes vão ser dolorosos; quando a economia portuguesa estiver pior do que o previsto, os senhores do FMI vão culpar o paciente e apresentar novas contas. A imprensa internacional, para a qual nós portugueses seremos notícias velhas, empurrará os novos números para as secções mais esquecidas dos jornais. As primeiras páginas trarão notícias sobre as agências de notação que, por essa altura, estarão entretidas a baixar a classificação da Espanha.
E o pânico verdadeiro chegará finalmente a Bruxelas, Frankfurt, Berlim e Paris. Itália, a braços com as tropelias de Berlusconi, e a Bélgica, sem governo há um ano, estão já na fila de espera da crise.
Só que nesse momento já não haverá tempo para pensar. Sarkozy e Merkel olham nervosamente por cima do ombro. Sarkozy vê Marine Le Pen aproximar-se dele, e até ultrapassá-lo nas sondagens, com um discurso que defende a saída da França da União Europeia. Merkel vê algo que há poucos anos se julgava impossível: os Verdes posicionarem-se como primeiro partido da Alemanha.
Nós assistiremos a isto com o credo na boca. Qual destas dinâmicas terá mais força? Disso depende o futuro do nosso país e do nosso continente.
Desde o início da crise do euro que se tornou evidente isto: ou a União Europeia tem um sistema de transferências “federal” que permita suavizar os efeitos dos choques assimétricos sobre economias centrais e periféricas, assente num orçamento da União muitíssimo reforçado, que por sua vez só poderá ser gerido por um governo democrático — ou o euro não aguenta, e com ele a União. Fazer a experiência, nas condições atuais, só significa sacrificar os países sem poder aos interesses dos grandes (o aumento dos juros do BCE foi disso um exemplo, em favor despudorado da Alemanha) e arriscando o despertar dos velhos fantasmas europeus.
É o colapso ou a reformulação. A nossa primeira linha de defesa deve ser, portanto, a existência de um pensamento sobre o que a Europa deveria ser. Desde o início desta crise tem sido assim, e não vai deixar de ser.
Isto implica a existência de uma oposição muito ágil, ousada e inovadora, com uma visão global e sofisticada da crise. A notícia de que José Reis e José Manuel Pureza, entre outros, apresentaram uma queixa contra as agências de notação por conflito de interesses (elas são, afinal de contas, pagas pelos nossos credores) foi um raio de luz no debate nacional sobre a crise.
A nossa outra linha de defesa é a da democracia na nossa própria casa. Os islandeses chegaram ao ponto de levar (duas vezes) o pagamento da dívida a referendo, dando sinal de que não se deixam intimidar. No caso português, o sistema político dá sinais de exaustão.
Mas a desconfiança e o desânimo podem ser transformados em mobilização cívica. Logo após as eleições urgiria reunir uns Estados Gerais que juntassem sindicatos, associações, académicos e cidadãos em geral — todos aqueles que se opõem a esta pseudo-solução para a crise. BE e PCP (o PS, neste momento, e infelizmente, ninguém sabe o que é) poderiam fazer parte dessa convocação. Há que organizar a resistência democrática à crise.
2 thoughts to “Organizar a resistência democrática à crise”
(o PS, neste momento, e infelizmente, ninguém sabe o que é)
Devias ter acrescentado:
PSocrates, neste momento, e infelizmente (ou felizmente) ,todos sabem o que é.
Palavras muito estimulantes… mas sem pistas para a tal resistência democrática que dá título à crónica. Vamos a isso?