Pretende-se que a CPLP seja uma comunidade de democracias e que essa comunidade seja assente na língua. Não tanto uma comunidade para onde entram ditaduras assentes no petróleo.
Parece que depois de amanhã a Comunidade de Países de Língua Portuguesa se prepara para acolher como membro a Guiné Equatorial.
Num país e numa comunidade linguística em que o acordo ortográfico gerou e gera debate infindo, oposição estrénua e arrancar de vestes, a entrada da Guiné Equatorial na CPLP é uma coisa mais ou menos indiferente. O que é estranho, porque a língua portuguesa com mais ou menos trema ou consoante muda não continua sempre sendo a língua portuguesa. E mais estranho ainda, porque essa língua portuguesa pode ser muita coisa, mas não é a língua que se fala na Guiné Equatorial. À língua que se fala na Guiné Equatorial pode chamar-se castelhano, ou espanhol, mas dificilmente se chamará português.
Poderão dizer-me que houve uma decisão do governo da Guiné Equatorial em consagrar o português como língua oficial (sem que se note que essa decisão tenha mais influência do que estar escrita em lei — nada na Guiné Equatorial se fala ou escreve em português, se exceptuarmos uns quantos milhares de falantes de crioulo na ilha de Ano Bom). Mas acontece que essa decisão foi tomada por um ditador dos mais insanos e caprichosos, Teodoro Obiango, recorrentemente eleito por 95% dos votos no país de que é dono e senhor. E agora dizem-nos que a entrada da Guiné Equatorial é favorecida pelo Brasil, por Angola e por São Tomé por aquele país ter muito petróleo.
E aqui chegamos a outro ponto. Pretende-se que a CPLP seja uma comunidade de democracias (Angola esquece-se de fazer eleições como certas pessoas se esquecem de arrumar os papéis: para o ano é que é!). Pretende-se que essa comunidade seja assente na língua. Não tanto uma comunidade para onde entram ditaduras assentes no petróleo.
Se a CPLP está numa atitude expansionista, tem bem para onde se virar. Existe no extremo da Ásia um país que decidiu democraticamente reintroduzir a língua portuguesa: Timor-Leste.
Timor-Leste vem muito a propósito neste caso.
Em primeiro lugar por uma razão moral: quando a Indonésia introduziu ditatorialmente a sua língua naquele país nós protestámos, pelo que não podemos agora aplaudir a decisão de Obiango de introduzir ditatorialmente o português na Guiné Equatorial.
Em segundo lugar por uma razão tática. A geração pró-lusófona de Timor-Leste não dura para sempre, e a reintrodução da língua portuguesa não terá futuro a não ser que os países lusófonos façam o seu trabalho e dêem a ajuda que os timorenses pediram.
Em terceiro lugar por uma razão estratégica. Timor-Leste está numa região do mundo onde ainda há muitas comunidades influenciadas pela língua ou pela cultura portuguesa: na Indonésia, na Malásia, no Sri Lanka, para não falar da Índia. Essas comunidades não estão organizadas em estados, mas dispersas em rede. Muitos dos seus membros são governantes, ou pertencem às elites locais — o candidato da oposição à presidência do Sri Lanka dava pelo apelido de Fonseka. Não deve ser impossível estudar essas comunidades, saber onde estão, manter contactos regulares com elas. Talvez até compensasse fazê-lo numa das regiões mais dinâmicas do mundo.
Mas dá trabalho, lá isso dá. Trabalho que a diplomacia portuguesa deveria gostar de ter. Daria certamente mais gozo do que acolher caprichos de ditadores.
4 thoughts to “A petrofonia”
Pode ser uma forma de “expandir” a lingua portuguesa. E em pleno século XXI é uma atitude de coragem. Nos tempos que correm é complicado expandir a cultura através da lingua.
Muito dificil que o portugues seja a lingua oficial num lugar perdido nesse mundo.
Quanto á petrofonia, não se deviam fazer juízos sem que se conheçam os dossiers.
É que há muito que esta entrada estava programada.
Penso que a Guine nao precisa da CPLP nem o contrário para se desenvolverem.
Há anos que me pergunto quando é que os nossos cientistas sociais, cientistas políticos, linguistas e historiadores de arte descobrirão esta mina.
Até lá vão continuar a ir direitinhos para o desemprego…
Antes de escrever este longo texto podia ter pesquisado. Em Espanha não se fala só castelhano, ou espanhol como também refere, mas também outras linguas. Na Guiné Equatorial é igual. E a CPLP tem o papel de defender a língua Portuguesa e todos os crioulos de origem lusófona!
Mas, Rui, Timor-Leste já faz parte da CPLP há vários anos.
Quanto à Guiné Equatorial, compreendo tanto os argumentos de quem se opõe, como parte dos argumentos de quem é a favor. Porque há uma porção de anos, quando andava pelas Rússias, tive uma muito instrutiva conversa com um guineense equatorial, que me explicou uma série de coisas sobre o país e o modo como se vê na região em que se encontra.
Não é só questão de petróleo e de legitimidade internacional.
É também questão de laços históricos (o país foi colónia portuguesa e acabou trocado pelo Uruguai num negócio luso-espanhol) que, por mais que isso nos espante, não estão esquecidos.
E é também questão linguística, porque independentemente da política a Guiné Equatorial sente-se muito isolada linguisticamente no contexto africano, e mais próxima (até culturalmente) dos países lusófonos, em especial, claro, dos PALOP, do que do resto dos vizinhos. Daí uma vontade antiga de estreitar laços com o bloco lusófono. Perfeitamente compreensível, e em grande medida independente do caudillo que estiver no poder.
Por outro lado, claro, há a ditadura e o Obiang, que não são sócios nada recomendáveis, e a introdução do português feita “à paposseco”, enfim, essas coisas desagradáveis…
De modo que tenho dificuldade em ter uma opinião firme sobre este assunto. Até porque é um facto que em alguns dos estados-membros a CPLP tem funcionado como agente estabilizador e democratizador bastante importante. Se houvesse a garantia de que isso aconteceria também na Guiné Equatorial, seria a favor. Mas, como se vê em Angola, não há garantias e eu fico indeciso.