Caravaggio deu dramatismo à sua Itália dramática; Hopper subtraiu triunfalismo aos seus EUA triunfalistas.
Roma. — Uma multidão espera às portas das Escuderias do Quirinal, duas horas de fila, para poder ver reunidas duas dezenas de quadros de Caravaggio, uma ocasião rara.
Caravaggio não pintou muito. A vida intervinha sempre e não era uma vida fácil num tempo fácil. Quando se tornou famoso, por volta de 1600, era tempo de fogueiras. Queimaram Giordano Bruno numa praça ali abaixo, o Campo dei Fiori. Caravaggio, enquanto durou 38 anos, jogou muito, fornicou muito, matou um homem, fugiu para cada vez mais longe — Nápoles, a Sicília, Malta.
Acho que ele era do género que se pergunta “e se?” — aquele que nunca aceita à primeira a história que lhe contaram. Isso vê-se nos seus quadros. Na sua primeira “Ceia em Emaús” pintou um Cristo que é um tipo anafado e sem carisma, como se quisesse experimentar a pergunta “e se Cristo não fosse nada como dizem que era?”.
O quadro é dos seus poucos fracassos, e por isso pintou uma segunda “Ceia em Emaús”: nem ele acreditou na história que contou a si à primeira.
Em “Judite e Holofernes”, a sua obra-prima (com “A Forja de Vulcano” que infelizmente não está aqui), a pergunta é outra: “e se a cara de uma mulher que corta a cabeça a um homem fosse assim como de atenção concentrada, decidida e tranquila, capaz de lançar a espada de um só golpe e ao mesmo tempo olhar, curiosa e bela, para o que está a fazer?”. O quadro é intrigante pela inverosimilhança.
Os seus anjos nunca parecem anjos mas rapazes velhacos com asas postiças. São as caras das pessoas que Caravaggio amava: párias, prostitutas, delinquentes.
***
Umas ruas mais abaixo, outra multidão, esta menor. Esperam para ver uma exposição de Edward Hopper, talvez o maior oposto de Caravaggio em que se pode pensar — um Contravaggio, direi.
Onde Caravaggio nutria a penumbra para nela incrustar o seu olhar agudo, Hopper é apenas luz lisa sem sombras. Caravaggio gosta de profanar o sagrado para o fazer mais insondável e (quem sabe) mais sagrado; Hopper anseia por chegar a um quotidiano hierático. Caravaggio um predador; Hopper uma mera presença.
Entre os anos em que Hopper viveu (1882-1967) o seu país ganhou duas guerras mundiais, tornou-se uma super-potência e dividiu o mundo com a URSS. Veríamos toda a sua obra sem dar por isso. Ele estava “apenas à procura de pintar a maneira como o sol bate num parede”, confessava; na verdade, queria pintar o estado de espírito da pessoa que olha para a parede, parada, pensando.
Caravaggio deu dramatismo à sua Itália dramática; Hopper subtraiu triunfalismo aos seus EUA triunfalistas.
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Como narrar a terceira multidão, muito maior, de duzentas mil pessoas, que agora abandona a Piazza del Popolo? Ali se manifestaram contra os truques de Berlusconi, o qual agora inventou um decreto para concorrer às eleições regionais nas províncias de Roma e Milão, com as suas listas já invalidadas por tê-las entregado fora de prazo e sem assinaturas suficientes.
Esta multidão vem esperançosa em subtrair farsa desta Itália de farsa. Sabem que por detrás da farsa, há negrume: uma cidade com cartazes fascistas nas ruas, milícias agressivas legalizadas, um país que derrapou há muito. E esta gente sorridente que sai sob o sol de sábado quer acreditar que, por detrás do negrume, haverá claridade.
Vindos da manifestação, Via della Colonna Antonina, Roma [março 2010]
25 thoughts to “Claro-escuro”
Lutemos,então,com as nossas mãos,inte-ligência,determinação e compreensão para o desanuviamento,equidade e paz viva (suaves como a pomba e vigilantes como a serpente), para um mundo melhor,dentro do nosso coração,’casa’,freguesia e país, para começar. Fraternos e intervenientes,sempre e do modo possível,com todos. Um belo texto,o seu.
Dp de mt tempo e esforço,tentando comentar no sítio respectivo (n é este o meu talento…),n consegui e tudo perdi. Dp perdi outra vez aqui,pq esta porcaria se foi abaixo.
Inte-legi. O q pode ter parecido um tom ‘doutoral ou ‘forma imposta’,não o era (honny soit… e quem tem ‘olhos’ q veja). O começar,cuidar e crescer do amor não é na praça públca. Nada tem a ver com ‘escondidinho’,falta de dádiva ou coragem. Para mim. [É sempre chato serem dois…]. E além de n ser bitola para o q quer q seja,é uma ‘autoridade’ tão risível e escrutinável como qq outra.
Pode encetar um modus operandi inadequado e invasivo,mt pouco democrático,para cujo peditório já dei demais,numa crucificação afectiva e ética q nem 380 anos seriam suficientes só para imaginar… e onde se perderam alma e espírito,q não o acompanharão nessa cruzada. A in-diferença qt ao passado,sensibilidade e sofrimento do outro,é o quê?… Recuso a máxima de q no amor como na guerra tudo vale. Claro q isto,como tudo,’não obriga e é só para voluntários’. Sabe,se quiser,como comunicar e chegar a mim,não?!…
Qt ao ‘trócaste’,o q tem acontecido é q tenho contrariado o meu ‘impulso natural’,mas não consegui aguentar o seu sofrimento (tenho recebido ‘a msg’ sem a denegrir),como o seu possível ‘rebaixamento público’,q nunca quis ou ache q mereça. Qt a ‘quem matou quem’ (ou quis),é questão nada pacífica,não?!… Estava a falar consigo,mas quem obrigou ao ‘meio único’?!… Um pouco mais de pudor (lá vai ser mal interpretado outra vez…) e auto-crítica,não?!…
E,sabe?…,se quer verdadeiramente uma relação ‘de iguais’,além da liberdade (q n não é fazer ‘o, q, qd e como se quer’, n’importe…),da responsabilidade(mais uma q lhe passou ao lado…) e equidade (acha q estão reunidas as condições…?),não pode prescindir da ‘fidelidade a si próprio’. Não?!…
Além de q ‘mata’ todo o imponderável,risco,tímido,físico,livre e recatado percurso q a dois se faz,d’abord. Não?!…
Na 8ª linha,onde se lê ‘escrutinável’,deve ler-se ‘escrutável’.
Na 9ª linha,deve ler-se ‘mt pouco democrático (para n dizer e acrescentar mais coisas),…’.
Na 12ª linha,deve ler-se ‘A in-diferença qt a valores vividos(e n teóricos) e justos,qt ao passado,…’.
Na 5ª linha a contar do fim,deve ler-se «’o q,qd e como…».
P.S.Um antigo texto de 14 de Fevereiro,não tinha qq ‘conotação’ (nem me lembrou e foi qd abri o computador,mts dias dp do anterior).
Abri agora o computador. Ainda não li nada. Mas apetece-me imenso dar-lhe este poema, Rui Tavares:
‘Honny soit qui mal e pense
(ao colégio Sagrado Coração de Maria(não consigo ‘endireitar’ estas linhas. Portanto,vai torto), onde convivi durante quatro anos com almas boas e curiosíssimas)
Os primeiros tomates que vi eram estremadurences, //
assim tinha de ser, pois que aqui //
sempre vivi, as interrupções não quando //
ainda bebé e criança comecei a comer e a ver tomates.
pois como eu ia dizendo, os primeiros tomates//
que eu toquei eram estremadurences, exigida //
a mão no escuro surpresa e receosa, //
e depois o não com que a tirei da calça.
pois os primeiros tomates a sério que eu vi //
eram ingleses, foi no filme da laranja mecânica, //
p’la minha saúde que foi a primeira vez que //
vi, ali, pêlo, se havia, no sítio a mostrar o desconhecido, //
e eu de tão ingénua até fui presa nessa viagem //
de plúmbeas e eléctricas antigas alunas, universitátias, //
nesse ano da graça de sua magestade … //
e do senhor, claro.’
[Domingo de Aleluia,Portugal,
30 de Março MD 1986]
Queria dizer: vou fechar o computador.
Deve ler-se ‘Honny soit qui mal y pense’
Ah…! Esqueci-me de dizer –A minha abstinência é quase tão obscena quanto a promiscuidade.
‘Corpus amoris
De pensar a rocha semicerrar o mar //
cheirar o rosmaninho dedos colheita daquelas costas curvas //
manusear o espelho livro de loucuras e
pegar a palavra que construo a pedaços de mim //
descobri-me sujeito de limites e singulares sem Ffim //
rosas bravas de muitos jardins //
jardineiros de foice raiva vida canteiros de possiilidade //
onde arquitecto não é nada senão quando projecto //
casa coisa
interior e exterior
a si.
… ‘
De ‘Corpus amoris (cont.)
Obscuros os sexos //
cascatas de maresia //
a dansa folia quase histeria //
de nos saber união //
contenção e desmesura //
ao centro da nossa alma aflita //
e livre e morta //
por alegria
… ‘
De ‘Corpus amoris (cont.)
As nossas mãos de feno e ferro te descobriram inventaram e a lua nasceu porque a olhámos… (…) ‘
a funda que desponta em incrédulos dedos, fome que sacia penetra e dá ao tempo oa imagem de espaço sempre renovado, és ponte … ‘
‘Deve ler-se, antes do último texto,
‘…seiva funda que desponta em incrédulos dedos, … ‘
De ‘Corpus amoris (‘conclusão da conclusão’)
‘…,fome que sacia penetra e dá ao tempo a imagem de espaço sempre renovado, és ponte, incrível abraço de musgo e lua que só vive pporque do outro lado tem outra nuca outro nervo que vibra grita e engravida a terra de outros recaantos prantos de prazer e música. ‘
nÃO QJUEIRAS IR POR AÍ….
Desculpe,o último ‘texto’ está a mais.
A questão da abstinência,é uma boutade (e verdade) minha. Não pretendeu ‘criticar’ nada nem ninguém. Aliás, um adulto e entre eles (desde q n se enganem propositadamente) pode ser e fazer o q lhe aprouver.
Na penúltima e última linhas do 4º texto para trás, deve ler-se ‘…outros recantos prantos de alegria de música.’
No 9º rexto a contar para trás, deve ler-se:
« a dança folia quase histeria
de nos saber
contenção e desmesura
ao centro…
….. »
Nos 4º,8º e 9º textos, os sinais ‘//’ estão errados e são para tirar.
«
….
eu faço(-zia) poemas curtos e poemas longos
compridos na sua desmesurada indiferença e paixão
e não têm estilo, não me obedecem,
atrás só os monumentais milénios
de mim, erguida e curva
e este poderia ser
um poema a herberto helder
uma poética, um não me lichem os cornos
que eu os quero ponta e agudos
… »
Nada tinha de ‘violento’, só de solidário [e devia estar na ‘Aberração].
E não podemos em absoluto deixar de en-atender aos sins e nãos, nossos e dos outros e da vida,não é?
Pela 1ª vez usado com portátil,na cozinha a desfazer a sopa e pelo rabo do olho os ‘quadros’ de V. e não só.
Lamento não ter o mesmo “nivel” de escrita, tão bela tão pungente como: Dp/dp/qq etc. Não saber escrever tão bem,e do mesmo modo, como nos tempos modernaços em que vivemos. Pois parece, que, para poupar os dedinhos, se prefere subestituir as palavras…
Olá Que nivel de detalhamento temos aqui. Acima da média post. Pintar a casa não é dos problemas mais fáceis. Entretanto graças a deus que achei seu blog Parabéns!