|Do arquivo Público 31.07.2017| “O poder corrompe; o poder absoluto corrompe absolutamente”. Já todos repetimos estas palavras, commumente atribuídas ao escritor e político católico inglês Lord Acton. Pergunto-me às vezes se elas não fazem mais mal do que bem.

Em primeiro lugar, esta frase dá uma escapatória fácil ao corrupto: “não foi ele, foi o poder que lhe deram”. Em segundo lugar, a ideia de que é o poder que corrompe acaba por afastar muita gente boa e cívica do exercício da governação: se o poder corrompe, para que quereria alguém exercê-lo?

Em terceiro lugar, quando aplicada a análise de regimes políticos, aquela frase e o raciocínio que lhe serve de base afasta-nos da obrigação moral de enfrentar e denunciar os erros, os abusos e as perversões políticas e ideológicas desses regimes, e de identificar de onde elas vêm. A explicação está encontrada — foi o poder que os corrompeu — para quê procurar mais?

É este debate que já se antevê em torno da Venezuela e do seu futuro. Ao decidir avançar com um processo constituinte contra um parlamento eleito há pouco mais de um ano e em que pontifica uma maioria da oposição, o presidente Nicolás Maduro faz na Venezuela algo semelhante ao que o primeiro-ministro Viktor Orbán faz na Hungria. Quando a Constituição já não dá jeito, muda-se de constituição; quando o povo deixa de estar connosco, muda-se a maneira de eleger os representantes do povo. A Venezuela já não estava bem. A partir de agora, passa a estar partida em duas metades que se revêem em duas constituições diferentes, dois poderes diferentes, duas legitimidades diferentes.

E é aí que entra a questão genealógica: o que foi que causou esta degradação? Para muitos defensores do predecessor de Maduro, Hugo Chávez, a explicação não tardará: foi o poder que corrompeu a elite política venezuelana. Já leio por aí as críticas costumeiras à “burocratização do partido”, as lamentações sobre uma revolução que se perdeu ou foi desviada. Outras duas explicações são também avançadas: foi a morte de Chávez, ou foi o preço do petróleo. Que Maduro é menos carismático do que Chávez, diz-se, e é verdade. Mas não terá sido Chávez a escolher Maduro? E não estava já Chávez esgotado no seu arsenal de frases feitas sobre o imperialismo yankee desde pelo menos o dia em que George W. Bush saiu da Casa Branca? E, a propósito do petróleo, não foi Chávez que baseou o seu programa macro-económico na crença de que o preço do petróleo chegaria aos 200 dólares?

Haverá ainda, durante algum tempo, quem vá defender Maduro com base na lógica de que ele é inimigo-do-meu-inimigo, ou seja, um tipo que chateia os capitalistas (o Goldman Sachs com quem ele negoceia não parece, contudo, queixar-se). Esses são os mesmos que não demoraram mais de cinco meses a vaiar Alexis Tsipras porque ele se recusou a tirar a Grécia do euro — mas que levaram bem mais de quinze anos sem encontrar razão para criticar a prisão e ostracização de políticos e intelectuais por Maduro.

O que faltará então é fazer a pergunta: e se o poder revelar a corrupção que já existia antes? Se supusermos que o poder revela pelo menos tanto quanto corrompe, talvez então facilmente identifiquemos a arrogância, o autoritarismo e o espírito de intolerância que já estavam bem presentes no poder chavista antes e que agora se revelam de forma tão clara com Nicolás Maduro. E assim talvez se evitem cometer os mesmos erros de cumplicidades silenciosas e solidariedades enganosas da próxima vez e com o próximo país, agora que a Venezuela caminha já para um perigoso desconhecido.

(Crónica publicada no jornal Público em 31 de Julho de 2017)

One thought to “Venezuela: o poder corrompe ou o poder revela? [texto integral]”

  • separatista-50-50

    SÓ O SEPARATISMO É QUE VAIS PERMITIR SALVAR, QUER A PROPRIEDADE PÚBLICA, QUER A PROPRIEDADE PRIVADA TRADICIONAL
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    Existem dois tipos de bandos de mercenários camuflados:
    – 1- os bandos de mercenários camuflados de LONGO PRAZO: estes mercenários camuflados [bom, no início até que existiriam dirigentes, naïfs, bem intencionados] já há muitos anos que sabem qual é o ‘trabalhinho’ que andam a fazer:
    i) não gostam de, em nome da igualdade, premiar o mérito – acham que quem não gosta de trabalhar deve ter acesso ao passatempo de andar a ridicularizar aqueles que se esforçam/trabalham;
    ii) mais, não gostam de austeridade, querem mais deficit (leia-se, quem vier a seguir que pague);
    iii) Resultado: a longo prazo é implementado o caos… e depois, as riquezas do país são vendidas ao desbarato à alta finança (exemplos: ex-URSS, ex- RDA, etc).
    – 2 – os bandos de mercenários camuflados de CURTO PRAZO (exemplo: os mais variados países da União Europeia):
    i) vão vendendo tudo aquilo que puderem a multinacionais;
    ii) vão desviando dinheiro dos contribuintes para a alta finança para… tapar buracos cavados pela alta finança (exemplo: veja-se o dinheiro enterrado pelos contribuintes nos buracos da banca);
    iii) criam uma variada panóplia de leis que visam complicar a vida às micro, pequenas e médias empresas;
    iv) ameaçam os pequenos e médios proprietários com uma variada panóplia de multas (e ameaças de expropriações) impelindo-os a venderem os seus bens, ao desbarato, às multinacionais;
    v) Resultado (na União Europeia, e não só): analisando a evolução estatística, vê-se o óbvio -» a propriedade pública e a propriedade privada tradicional estão a desaparecer, em oposição, a propriedade das multinacionais (capital sem rosto) está a crescer avassaladoramente.
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    Só o separatismo é que vai permitir salvar, quer a propriedade pública, quer a propriedade privada tradicional!
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    Leia-se:
    – Democracia sim, todavia, há que mobilizar aquela minoria de autóctones que se interessa pela sobrevivência da sua Identidade… para dizer NÃO ao nazismo-democrático, leia-se: é preciso dizer não àqueles que pretendem democraticamente determinar o Direito (ou não) à Sobrevivência de outros.
    -» ver BLOG http://separatismo–50–50.blogspot.com/.
    { nota: nazi não é ser alto e louro, blá, blá, blá… mas sim, a busca de pretextos com o objectivo de negar o Direito à Sobrevivência de outros }
    .
    Leia-se:
    – TODOS DIFERENTES, TODOS IGUAIS… ou seja, todas as Identidades Autóctones devem possuir o Direito de ter o SEU espaço no planeta.
    [nota: Inclusive as de rendimento demográfico mais baixo… Inclusive as economicamente menos rentáveis… Inclusive as que procuram sobreviver pacatamente e prosperar ao seu ritmo]
    Dito de outra maneira: os ‘globalization-lovers’, UE-lovers e afins, que fiquem na sua… desde que respeitem os Direitos dos outros… e vice-versa.

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