|Do arquivo Público 24.07.2017| As coisas agora são assim. Os escândalos políticos e as indignações da internet confundem-se e sucedem-se de tal forma que há quem tenha a ilusão de que a seriedade dos casos se meça pela sua duração. Os casos podem durar um dia, dois, três. Se não duram mais do que uma semana, serão esquecidos. Com isso contam, precisamente, os perpetradores de um suposto populismo — e os seus auxiliares.
Quanto aos primeiros. Toda a gente sabe que há um candidato do PSD em Loures que todos os dias prevarica numa nova tirada supostamente “polémica” para chamar a atenção. Começou pelo racismo anti-cigano, que tem terreno fértil no preconceito generalizado e nunca verdadeiramente combatido contra esta comunidade. E agora passou para o vigilantismo, prometendo que se «se o Governo insistir em não dar à PSP meios» não terá «outra hipótese que não criar um exército». Há que ser claro: isto é mais do que demagogia ou populismo. Isto é o discurso da extrema-direita na boca de um vulgar oportunista. Não há ninguém que se deixe enganar pela encenação com que este senhor embrulha as suas declarações — e se alguém diz que ainda não percebeu é porque nos está a tentar enganar a todos.
Quanto ao auxiliares do oportunista: Pedro Passos Coelho, e o PSD, estão a ver se a borrasca passa para não terem de tomar uma decisão. Ao fim da primeira semana, Passos fez de conta que não viu racismo nas declarações do seu candidato em Loures, para o que precisou certamente de uma dose reforçada de ingenuidade fingida.
E agora? Sem cair no erro de hierarquizar declarações que são, todas elas, inaceitáveis, a conversa sobre “criar um exército em Loures” com a Polícia Municipal é de uma gravidade sem precedentes para qualquer candidato de um partido que defenda o estado de direito. Uma polícia municipal não é nem pode ser um exército, como é óbvio, nem sequer uma força policial de imposição da ordem, porque a lei não lhe dá atribuições para mais do que funções de cooperação com a PSP (por exemplo, através da partilha de informação) em matérias de segurança e tranquilidade pública — mas o autor do dislate, que até parece que dá umas aulas de direito, sabe certamente disso, e estará já a preparar-se para dizer que as suas declarações devem ser só entendidas no sentido figurado ou qualquer outra escapatória do género.
A questão aqui é como pode Pedro Passos Coelho continuar a aceitar a repetição desta retórica de extrema-direita num candidato do seu partido. Está à espera de quê para substituir o candidato em Loures antes que se esgote o prazo para o fazer? Apelos à justiça pelas próprias mãos? À formação de milícias? À reintrodução da pena de morte? Já não falta muito: pelo menos à defesa da “prisão perpétua para delinquentes” já chegou também o seu candidato de Loures.
A outra questão é, por último, como podem estar calados os dirigentes do PSD que tenham um mínimo de sentido de responsabilidade em relação ao futuro da política em Portugal — já para não falar de um mínimo de respeito pelos estatutos do seu próprio partido, que mencionam a defesa dos valores do estado de direito logo no seu primeiro artigo (não há um militante do PSD que faça uma queixa para o Conselho de Jurisdição do partido?). Uma vez que não são ignorantes, nem lhes falta a experiência política necessária para entenderem que tipo de espécime estão a promover, ficarão para sempre com a mancha de terem permitido a irrupção da retórica de extrema-direita na política portuguesa apenas e só por um punhado de votos em Loures.
(Crónica publicada no jornal Público em 24 de Julho de 2017)