Há milhares de ideias difíceis e caras para o país; descomplexá-lo deveria ser fácil e barato. Infelizmente é a mais improvável para as nossas elites institucionais e políticas, que herdaram o país muito cedo e ainda não se reformaram.

Toda a gente pode listar muitas razões pelas quais Portugal é um país acolhedor. Ser descomplexado não é uma delas. O nosso debate ortográfico não é descomplexado em relação ao Brasil, o nosso debate político não é descomplexado em relação à União Europeia — e por aí fora.

É raro encontrar um Portugal descomplexado. Por acaso entrevi esse país na semana passada. Fui chamado em cima da hora para substituir alguém num debate que tinha apenas duas regras: eu tinha meia hora para falar do meu tema e poderia ser interrompido a qualquer momento, por qualquer pessoa. Assim evitavam-se os três tipos de debate típico no nosso país: a) aquele em que toda a gente diz aquilo que toda a gente já sabe; b) aquele em que toda a gente fala do que não sabe mas “acha”; c) o debate interminável (note-se que, por causa da alínea ‘c’, todos os debates em Portugal têm tempo para cumprir sempre com a alínea ‘a’ e a alínea ‘b’).

A plateia era maioritariamente jovem, mas não só. O debate tinha sido organizado por mais do que uma organização:

uma das organizações tinha gente que viveu em São Paulo e a outra tinha gente que vive nos Açores. Não parecia que São Paulo tivesse sido demasiado grande para uns nem que os Açores fossem demasiado pequenos para os outros. Não pareciam discutir política com os preconceitos da cultura, mas também não seria fácil analisá-los com os preconceitos da política: eram cooperativos e competitivos, gregários e individualistas. Ou seja, eram descomplexados.

Há milhares de ideias difíceis e caras para o país; descomplexá-lo deveria ser fácil e barato. Infelizmente é a mais improvável para as nossas elites institucionais e políticas, que herdaram o país muito cedo e ainda não se reformaram.

Ouçamos, por exemplo, o Presidente Cavaco Silva falando sobre a necessidade de “fazer esforços” para que os jovens portugueses regressem ao país. O discurso poderá vir com boa vontade, mas transporta consigo toda a sua ineficácia. As pessoas regressam aos países em que acreditam e as pessoas acreditam — acima de tudo — naquilo que elas próprias fazem. Ao ouvir Cavaco Silva falar, parece que se pretende que o jovem português da diáspora volte para casa dos pais. Nada menos apetecível quando se tem vontade de fazer coisas e o mundo como opção.

Mesmo a ideia do “regresso”, bem intencionada por certo, soa equivocada. Portugal só será apetecível para o “regresso da diáspora” quando for apetecível para qualquer jovem, de qualquer parte do mundo, mudar-se para cá, pois esse é o termo de comparação a que os “nossos” jovens também estão sujeitos. E isso só será possível quando os jovens que ainda estão cá, e metade dos quais estão desempregados, puderem escolher permanecer no país.

O grande esforço que a nossa elite deve fazer é, então, o esforço de deixar o lugar. O esforço de abandonar a ideia de que “a política” deve fazer coisas pelas pessoas mas nunca serve para deixar que as pessoas façam coisas pela política, e por si mesmas. Os jovens não querem “regressar”. Querem fazer o país deles. Essa é uma distinção subtil e crucial, mas não parece que esteja ao acesso de uma elite complexada.

(Crónica publicada no jornal Público em 18 de maio de 2015)

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