Aquilo de que a UE precisa é de um Mecanismo Europeu de Estabilidade inteiramente comunitarizado, com escrutínio do Parlamento Europeu, e sujeito às obrigações dos tratados de coesão, solidariedade e pleno emprego.
Barroso reagiu mal ao Manifesto dos 74 pela simples razão de que lhe estraga a narrativa. Não sabem? Para Barroso, como para o seu partido europeu, o PPE, a crise já acabou. Eles, com Merkel e a troika, salvaram o Euro e a Europa. É inoportuno que logo em Portugal, nas vésperas da saída da troika, apareça gente da esquerda à direita dizendo que o país não pode continuar neste rumo.
É que dizer que Portugal não pode continuar neste rumo significa também que a União não pode continuar neste rumo. Que os problemas estruturais não podem ser varridos para debaixo do tapete até às eleições europeias. Que é necessário dar a todos os países da União uma oportunidade de crescimento e encontrar a necessária complementaridade entre as várias componentes da economia europeia. Que sob os problemas da dívida soberana se esconde uma necessidade absoluta de requalificar as economias de países como Portugal. E que nada disto foi feito.
Se o PPE — partido europeu a que pertencem o PSD e o CDS — não quisesse estragar o seu embrulho para consumo eleitoral, reconheceria que os problemas que não resolveu permanecerão conosco por muitos anos, prejudicando o nosso futuro e semeando inimizades entre os europeus.
Nesse caso, não recusaria o diálogo com o Manifesto dos 74. Pelo contrário, aproveitaria a possibilidade deste marcar a agenda nacional e até europeia, como foi demonstrado pelo manifesto de apoio de economistas estrangeiros, para pôr emcima da mesa as componentes essenciais para uma Europa de futuro que saia desta crise.
E quais são essas componentes? Para facilitar, usemos três analogias históricas, alertando desde já para o facto de nenhuma delas ser perfeita. Aqui vai: a União Europeu precisa do seu Bretton Woods, do seu FMI, e do seu Plano Marshall.
Um Bretton Woods, ou seja: a União Europeia precisa de uma conferência inter-governamental para solucionar de forma estável e prolongada a “crise das dívidas soberanas”. Essa solução poderá tomar a forma de um grande compromisso que prolongue os prazos, que diminua os juros ou que corte nos montantes a pagar. Na verdade, importa menos o método do que o resultado. Os países da crise precisam de um alívio agora, com rápidos efeitos visíveis sobre os seus défices e dívidas, e que liberte recursos para políticas de crescimento e emprego nos próximos anos.
Um FMI próprio? Deixem-me explicar melhor. Aquilo de que a UE precisa é de um Mecanismo Europeu de Estabilidade inteiramente comunitarizado, com escrutínio do Parlamento Europeu, e sujeito às obrigações dos tratados de coesão, solidariedade e pleno emprego. O objetivo é dotar o euro de um travão caso os juros das dívidas nacionais voltem a entrar emdescontrole. Basicamente, é preciso demonstrar que não voltará a ocorrer uma crise como a anterior.
E, finalmente, um plano Marshall, ou, para usar a minha analogia predileta, uma Tennessee Valley Authority: pois foi com essa agência federal, dedicada à recuperação regional, que Roosevelt conseguiu invertir o ciclo vicioso de emigração, desemprego e fome que grassava no Sul dos EUA durante a Grande Depressão. Um plano equivalente para a Europa periférica — aquilo a que chamo um “Projeto Ulisses” — poderia ser financiado no curto prazo pelo Banco Europeu de Investimentos.
Se Barroso não estivesse em negação, era isto que tentaria deixar em legado ao seu sucessor.
(Crónica publicada no jornal Público em 02 de Abril de 2014)