Este governo, decididamente, está a deixar obra para lá do seu mandato. Não quer só destruir o país agora. Quer deixá-lo sem possibilidades de se reconstruir depois.
Este governo, decididamente, está a deixar obra para lá do seu mandato. Não quer só destruir o país agora. Quer deixá-lo sem possibilidades de se reconstruir depois.
Em três anos, deve haver poucas coisas que escapem à sanha empobrecedora deste governo. Àquelas a que o memorando da troika não obriga lá chegarão eles certamente. É essa a diferença entre um governo de incompetentes e um governo de fanáticos. E que jeito nos dava agora um governo que fosse só de incompetentes.
É pois perfeitamente adequado que a última vítima do governo tenha sido o investimento em ciência. Porque não? Uma das poucas coisas que se poderia atravessar no caminho da estratégia do governo seria a possibilidade de uma economia portuguesa mais especializada, produzindo mais valor, fixando mais conhecimento e exportando melhor. Não é isso que o governo quer. Vou até mais longe. O governo quer o contrário disso: o governo quer uma economia de baixos salários, comprimidos pelo desemprego alto, e produzindo barato para exportar mais (mas não melhor), um país a meio-gás para recursos a meio-gás, e tudo isto complementado por serviços públicos a quem se apertou o torniquete.
É verdade que o investimento em ciência não faz parte da narrativa habitual. Ninguém pode seriamente dizer que Portugal tenha chegado onde chegou por ter vivido acima das suas possibilidades em novos doutorados e cientistas. Mas o problema é precisamente esse: os doutorados e cientistas atrapalham a narrativa. Já se lhes tinha dito para emigrarem. E agora corta-se-lhes a bolsa que ainda os mantinha por cá. Não se vê na política do governo uma réstia de estratégia ou um vestígio de vontade de buscar consenso. Não há um plano. Há uma embirração.
Uma das poucas coisas que ainda mantinha a esperança viva era, para quem se interessa por observar estas coisas, o país onde se começava a ver, aqui e ali, jovens cientistas regressados, gente habituada a trabalhar em ambientes de mérito e exigência internacional, capazes de inovar, libertos dos velhos vícios do meio académico português. Agora que esse Portugal futuro foi atacado diretamente, porém, não é momento para a desesperança.
É momento para o contra-ataque.
O Portugal que representa este governo e o Portugal que representam esses jovens é antitético. Se é verdade que a abertura de hostilidades veio do lado do governo, mais verdade ainda é que entre esses dois portugais não pode agora haver trégua.
A missão dos jovens cientistas e académicos continua a ser a mesma: combater a ignorância através do cooperação, do cosmopolitismo, do conhecimento. Essa missão deve agora ser cumprida sem o governo, apesar do governo e, pelos vistos, até contra o governo. Podem ainda não ser claros os meios de adaptar à transformação do país essa ética da colaboração em rede, da troca de informação, da verificação exigente das teorias. Pouco importa. As mesmas virtudes que se empregam no trabalho científico e académico podem ser usadas para resgatar o Portugal futuro.
Ainda não sabemos como, caros amigos, mas chegou o momento de porem mãos à obra. Ninguém o fará por vós.
(Crónica publicada no jornal Público em 22 de Janeiro de 2014)