A política portuguesa tornou-se um desporto de espectadores.

O Portugal político passou a viver, de há uns tempos a esta parte, numa espécie de versão atualizada do reviralhismo — não o reviralho que lutou como possível contra a ditadura no seu início, mas o reviralhismo de décadas posteriores, impotente, conspiratório, ineficaz.

Chamemos-lhe o re-reviralho.

Também agora a política do estado é imposta contra a vontade e opinião da maior parte dos cidadãos. Também agora a oposição vive de esperanças e frustrações, momentos simbólicos de resistência, muitas rivalidades e vigilância mútua, mascarando mal a incapacidade de mudar definitivamente o rumo das coisas.

Também agora se espera (ou esperou) que uma demissão de um ministro, uma intervenção do presidente, uma desinteligência entre os partidos da coligação, abram uma frincha pela qual pudesse passar a queda do governo. E depois da queda do governo, ninguém sabe exatamente o que aconteceria.

Perdem-se as oportunidades reais em troca das oportunidades imaginárias. A última oportunidade foi a das eleições autárquicas. Mas muito rapidamente as lições das autárquicas se perderam e a política portuguesa voltou à sua condições normal: a de um desporto de espectadores.

A política portuguesa tornou-se um desporto de espectadores não por causa de nenhum defeito na sociedade civil, mas porque tentámos tudo e nada deu certo. Assinámos petições, escrevemos manifestos, participámos em encontros, fomos a manifestações, exprimimos indignações — e, no fundo, nada mudou. Sendo assim, a passividade e a espera acabam por tornar-se na escolha racional.

Mas, ao mesmo tempo, esta passividade e esta espera são perigosas.

Décadas após a Grande Depressão dos anos 30 falou-se muito do espírito de uma época à beira da revolução. Mas essa não foi a descrição feita pelas pessoas do tempo. Estas falavam antes do desânimo e da apatia, da sensação de que a sociedade estava a vaguear sem saber muito bem para onde. Um historiador citando diários, cartas e artigos da época fala de um “pessimismo sem fundo”, uma “estranha paralisia tomando as energias” dos países, uma “bancarrota política” de todos os partidos, uma sociedade “esperando sem qualquer esperança que o vento mude de direção”. Mais do que qualquer desejo de mudança, foi a desilusão com a política parlamentar que levou à ascensão dos totalitarismos na Europa.

Portugal já vivia em ditadura nessa época. Era o tempo em que a oposição, alcunhada de “o reviralho”, tentava todo o tipo de golpes e levantamentos, greves e ações revolucionárias para acabar com aquilo a que, passado algum tempo, se chamaria apenas “a situação”. Quando se percebeu que “a situação” iria continuar a ser “a situação”, o reviralho foi substituído pelo reviralhismo, uma mera atitude conspirativa sem resultados práticos, uma desconfiança permanente entre os setores da oposição que acabava transformando os aliados em adversários, uma incapacidade de mudar essas regras mentais do jogo, uma impossibilidade de ser ousado e cruzar as linhas das respetivas trincheiras, uma expectativa permanente pela próxima jogada, o próximo golpe, a próxima individualidade.

E é nessa situação que estamos hoje: esperando que as coisas mudem sozinhas.

(Crónica publicada no jornal Público em 07 de Outubro de 2013)

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