O nosso doutor Dulcamara é, evidentemente, o Professor Cavaco Silva. Antes de fugir para as Ilhas Selvagens, Cavaco deixou uma garrafinha de elixir d’amor a António José Seguro, para tomar nas eleições antecipadas de daqui a um ano. Depois de voltar, tirou-lhe a garrafinha da mão e disse que as eleições só teriam lugar daqui a dois anos. Na prática foi como se passasse o elixir para Pedro Passos Coelho (na ópera, o Sargento Belcore).
Esta é uma crónica guardada já há bastante tempo. Estava escrito nas estrelas que ela haveria de estar escrita nestas páginas, e com o protagonista que se verá.
Vamos ver se consigo contar a história: segundo uma ópera de Donizetti, morava numa aldeia do País Basco um desinteressante camponês chamado Nemorino. Nemorino estava apaixonado pela rica proprietária Adina, que por sua vez estava enamorada do aventuroso sargento Belcore. Nemorino sofria com a indiferença que as mulheres em geral lhe demonstravam, mas um dia passa lá pela aldeia um curandeiro que se intitula médico e chama a si mesmo doutor Dulcamara, e que vai propagandeando as suas mezinhas aos camponeses (“Escutai!, escutai!, ó rústicos!”, canta ele) e impinge a Nemorino um “elixir d’amor” que o tornará irresistível ao sexo oposto. O ingénuo Nemorino vai arranjar dinheiro, faz a transação e toma o misterioso elixir.
Entretanto a aldeia toma conhecimento de que um tio de Nemorino morreu, e lhe deixará toda a herança. As mulheres da aldeia mudam rapidamente de atitude e passam a tentar seduzir Nemorino. Ignorando que é herdeiro de um avultado testamento, Nemorino pensa: “este elixir é mesmo bom!”
Em política com “p” minúsculo, o elixir de amor é a proximidade ao poder. Ou melhor, a proximidade ao poder, seja ela física (quem tem o ouvido do rei?) ou temporal (quem vai chegar a primeiro-ministro, em breve?), é como a herança do tio rico morto: desperta o interesse de todos quanto antes desdenhavam do possível herdeiro. O “elixir d’amor”, como na ópera de Donizetti, existe apenas na cabeça deste.
O resto é simples. O Nemorino da nossa história é António José Seguro. As camponesas interessadas, e talvez também interesseiras, são neste caso todos os rivais de António José Seguro dentro do seu partido. O elixir d’amor foi a noção de que era inevitável que Nemorino herdasse o cargo de primeiro-ministro.
Mas há um porém. Na ópera, o doutor Dulcamara era um tipo manhoso que disse a Nemorino para só tomar o elixirvinte e quatro horas depois de o ter comprado, para ter tempo de se pôr ao fresco.
O nosso doutor Dulcamara é, evidentemente, o Professor Cavaco Silva. Antes de fugir para as Ilhas Selvagens, Cavaco deixou uma garrafinha de elixir d’amor a António José Seguro, para tomar nas eleições antecipadas de daqui a um ano. Depois de voltar, tirou-lhe a garrafinha da mão e disse que as eleições só teriam lugar daqui a dois anos. Na prática foi como se passasse o elixir para Pedro Passos Coelho (na ópera, o Sargento Belcore).
O que é curioso é que ambos os políticos sentem agora os mesmo efeitos. António José Seguro continua a acreditar que tem o partido consigo, pois chegará inevitavelmente a primeiro-ministro, mesmo que demore um pouco mais. E Pedro Passos Coelho voltou a acreditar que tem o governo consigo, pois será primeiro-ministro por mais dois anos e, quem sabe?, com possibilidade de voltar a tentar sê-lo de novo.
Quem tem razão, quem a não tem? Nemorino dá entrevistas, Belcore apresenta moções de confiança, e ambos sentem os olhares admirativos em seu redor. Ambos acreditam que desposarão Adina, ou a República Portuguesa.
Só não devem cair na ingenuidade de pensar: “este elixir é mesmo bom”.
(Crónica publicada no jornal Público em 24 de Julho de 2013)
One thought to “Elixir d’amor”
Só espero que a analogia se acabe antes ainda de a República estar enamorada por Passos Coelho…