A União não terá pernas para andar no dia em que faltar vontade política para que ela exista, seja das suas instituições, dos governos ou dos cidadãos. No momento em que essa razão de existir se desvanecer, a União Europeia não demorará mais tempo do que levou para desaparecer o Bloco Soviético, a Sociedade das Nações, o “sistema” do Congresso de Viena, o Sacro Império Romano-Germânico, e tantas outras tentativas.” 

Vamos encarar as coisas: a União Europeia é só apenas mais uma das tantas tentativas de encontrar neste continente espaço para a paz, a liberdade e a emancipação pessoal. Essas tentativas, em geral, falham. A União não terá pernas para andar no dia em que faltar vontade política para que ela exista, seja das suas instituições, dos governos ou dos cidadãos. No momento em que essa razão de existir se desvanecer, a União Europeia não demorará mais tempo do que levou para desaparecer o Bloco Soviético, a Sociedade das Nações, o “sistema” do Congresso de Viena, o Sacro Império Romano-Germânico, e tantas outras tentativas.

Há exatos cem anos, o poder com maior extensão territorial exclusiva no continente europeu (descontada pois a Rússia e o Império Otomano) era o Império Austro-Húngaro. Das fronteiras da Roménia às da Baviera, de Praga até Sarajevo, das praias do adriático até às florestas ucranianas, o Império Austro-Húngaro era governado pela dinastia dos Habsburgos (também conhecidos por “Áustrias”) há séculos. Em extensão, era consideravelmente maior do que a França. Em tempo de vida, envergonhava o recém-nascido Império Germânico.

Claro que para durar tanto o império teve de se adaptar aos tempos. Nos meados do século anterior uma revolta dos húngaros levou os austríacos a propor-lhes um acordo de poder. O mesmo homem que era considerado imperador na Áustria seria considerado rei na Hungria. O império e o reino teriam uma certa autonomia entre si, mas para além de partilharem a cabeça coroada, estariam ambos sob a mesma política de estrangeiros, militar e financeira. Os ministérios e instituições conjuntas seriam precedidas da designação “Imperial-Real”, ou Kaiserlich-Königlich em alemão, de iniciais “K-K” que o escritor Robert Musil viria a ridicularizar como sendo de um país chamado “Kakanien”.

***

Os intelectuais podiam rir, mas o Império-Reino seguia impante. Na sua capital, Viena, encontravam-se checos, eslovenos, eslovacos, polacos, croatas, italianos, católicos, protestantes e judeus de todos estes países. É hoje bizarro, mas um político como Alcide de Gasperi, um dos pais fundadores da República Italiana (e da União Europeia), foi deputado em Viena bastante antes de o ter sido em Roma. Com recursos vindos de todas as partes do vasto território, foi tomada a decisão de investir numa poderosa Marinha Imperial-Real que pudesse ser dominante no Mediterrâneo e no Mar Negro. Ao comando dos navios e dos submarinos estavam oficiais austríacos e húngaros.

Meros cinco anos, um par de tiros em Sarajevo e quinze milhões de mortos depois, o Império já não existia. Por ironia para quem tanto investiu numa marinha, nenhum dos países sucessores tinha litoral. A Áustria ficou de repente um país pequeno, de cujo exército saiu um cabo, pequeno, que viria a tornar-se “Chefe” da Alemanha. A Hungria tornou-se, dizia-se, no único reino sem rei a ser governado por um almirante, chamado Horthy, de uma marinha que não tinha nem barcos nem um metro de costa.

Depois de acontecer, disse-se que era inevitável. Mas antes de acontecer, dizia-se que o Império (e Reino) encontraria sempre uma solução ou uma adaptação, como sempre tinha acontecido. O que era verdade, até ter deixado de ser.

A Croácia, que saiu do Império Austro-Húngaro em 1918, junta-se hoje mesmo à União Europeia. Será a União Europeia uma NovaCacânia? Façamos a pergunta de outra maneira: alguma coisa o impede?

(Crónica publicada no jornal Público em 1 de Julho de 2013)

One thought to “A Nova Cacânia?”

  • alexandre

    Só agora é que perceberam ?…….

    Era mais importante dar gás ao multiculturalismo,aos outros, aos de fora das diferentes europas, pois nas “massas”, os que as têem estão–se nas tintas para quem vive á conta deles!….

    Alexandre

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