Um futuro que não se faz negando os erros do passado e os problemas do presente, mas através do levantamento cívico de todos os cidadãos, com ou sem partido, que se recusem a deixar o seu país morrer na praia.

Fomos para a Aula Magna, e lotámos a sala, como aqui há uns anos enchemos as praias durante a noite, armados de cobertores, para ver um fenómeno astronómico raro: os três partidos de esquerda juntos no mesmo palco, se não unidos pelos menos reunidos. Se bem se lembram, como nessa ocasião astronómica, o fenómeno foi uma desilusão: o que lá sentimos é que foi importante.

Mário Soares — e até Pacheco Pereira, num texto notável — identificaram as coordenadas para estar à altura do momento: responsabilidade, valorizar as convergências mais do que as divergências, pôr o sentido cívico à frente de qualquer taticismo.

E depois falaram os partidos, cada um dos representantes lendo um discurso claramente preparado pelas suas direções. JoãoFerreira, do PCP, fez com nota técnica máxima um estrito exercício de disciplina partidária: não evitou nenhuma das divisões que opõem o seu partido aos outros. O Bloco de Esquerda não faz as coisas assim; não pode, pois uma parte do seu eleitorado deseja um discurso de convergência. Quando a sua deputada Cecília Honório disse ser necessário um governo de esquerda, até eu aplaudi, pobre otário. Na frase seguinte, como nas letras miudinhas dos contratos, lá estavam as determinações de como esse governo é impossível (o pretexto é a recusa do memorando no primeiro dia; poderia ser outro qualquer). O PS, em certo sentido, foi ainda pior. Na sala estavam os seus novos valores, como João Galamba e Pedro Nuno Santos. Seguro escolheu um representante cujo nome foi esquecido, e que leu o que agora se chama um “position paper” do partido.

Todos falaram de um governo de esquerda para dizer o que ele não pode ser. Este pobre país, além de ter um governo que fez da terra queimada a sua política, tem a desdita de uma oposição dividida entre as bananalidades (não é gralha) de uns e o ilusio-nacionalismo de outros. Sim, compareceram à chamada! Verifica-se só que continuam os mesmos cábulas.

“Mas isso é o passado, não é o futuro”. Foram estas as palavras de António Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa, que primeiro levantaram a sala num aplauso. A cena repetiu-se muitas vezes.

E foram essas palavras que marcaram todo o discurso. Um futuro que não pode ser feito de uma economia contra as pessoas, mas antes por uma força de trabalho respeitada e motivada. Um futuro que não é feito contra os políticos, mas por uma profunda requalificação da política. Um futuro que não é feito contra a Europa, mas corajosamente reformando esta Europa. Um futuro que nãoé feito de isolamento, mas de abertura ao mundo, de conhecimento, de ciência e de cosmopolitismo.

Um futuro que não se faz negando os erros do passado e os problemas do presente, mas através do levantamento cívico de todos os cidadãos, com ou sem partido, que se recusem a deixar o seu país morrer na praia.

Creio que o discurso de António Nóvoa foi histórico. Mário Soares conseguiu de novo. Tal como naquela ocasião astronómica, fomos para uma chuva de estrelas que se revelou uma desilusão. Mas os persistentes tiveram um milagre simples que ocorre todos os dias: uma madrugada que lhes permitiu ver melhor o caminho.

Que cada um assuma agora as suas responsabilidades.

(Crónica publicada no jornal Público em 3 de Junho de 2013)

2 thoughts to “Finalmente, o futuro

  • filipe telmo

    para o rui um governo de esquerda pode ser qualquer coisa?
    é o que?
    o seu movimento livre?

  • alexandre

    NOTÁVEL é o TEXTO QUE TRANSCREVO, com a devida vénia:

    “Filhos do 25 de Abril”
    26/04/2013 | 00:02 | Dinheiro Vivo

    A geração que fez o 25 de Abril era filha do outro regime. Era filha da ditadura, da falta de liberdade, da pobre e permanente austeridade e da 4.ª classe antiga.
    Tinha crescido na contenção, na disciplina, na poupança e a saber (os que à escola tinham acesso) Português e Matemática.
    A minha geração era adolescente no 25 de Abril, o que sendo bom para a adolescência foi mau para a geração.
    Enquanto os mais velhos conheceram dois mundos – os que hoje são avós e saem à rua para comemorar ou ficam em casa a maldizer o dia em que lhes aconteceu uma revolução – nós nascemos logo num mundo de farra e de festa, num mundo de sexo, drogas e rock & roll, num mundo de aulas sem faltas e de hooliganismo juvenil em tudo semelhante ao das claques futebolísticas mas sob cores ideológicas e partidárias. O hedonismo foi-nos decretado como filosofia ainda não tínhamos nem barba nem mamas.
    A grande descoberta da minha geração foi a opinião: a opinião como princípio e fim de tudo. Não a informação, o saber, os factos, os números. Não o fazer, o construir, o trabalhar, o ajudar. A opinião foi o deus da minha geração. Veio com a liberdade, e ainda bem, mas foi entregue por decreto a adolescentes e logo misturada com laxismo, falta de disciplina, irresponsabilidade e passagens administrativas.
    Eu acho que minha geração é a geração do “eu acho”. É a que tem controlado o poder desde Durão Barroso. É a geração deste primeiro-ministro, deste ministro das Finanças e do anterior primeiro-ministro. E dos principais directores dos media. E do Bloco de Esquerda e do CDS. E dos empresários do parecer – que não do fazer.
    É uma geração que apenas teve sonhos de desfrute ao contrário da outra que sonhou com a liberdade, o desenvolvimento e a cidadania. É uma geração sem biblioteca, nem sala de aula mas com muita RGA e café. É uma geração de amigos e conhecidos e compinchas e companheiros de copos e de praia. É a geração da adolescência sem fim. Eu sei do que falo porque faço parte desta geração.
    Uma geração feita para as artes, para a escrita, para a conversa, para a música e para a viagem. É uma geração de diletantes, de amadores e amantes. Foi feita para ser nova para sempre e por isso esgotou-se quando a juventude acabou. Deu bons músicos, bons actores, bons desportistas, bons artistas. E drogaditos. Mas não deu nenhum bom político, nem nenhum grande empresário. Talvez porque o hedonismo e a diletância, coisas boas para a escrita e para as artes, não sejam os melhores valores para actividades que necessitam disciplina, trabalho, cultura e honestidade; valores, de algum modo, pouco pertinentes durante aqueles anos de festa.
    Eu não confio na minha geração nem para se governar a ela própria quanto mais para governar o país. O pior é que temo pela que se segue. Uma geração que tem mais gente formada, mais gente educada mas que tem como exemplos paternos Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates, Passos Coelho, António J. Seguro, João Semedo e companhia. A geração que aí vem teve-nos como professores. Vai ser preciso um milagre. Ou então teremos que ressuscitar os velhos. Um milagre, lá está.”
    Pedro Bidarra

    Publicitário, psicossociólogo e autor

    Escreve à sexta-feira
    Escreve de acordo com a antiga ortografia

    alexandre

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