Na minha crónica eu sugeria que só faria sentido escolher uma ou outra como saída para a crise se fosse refutada uma primeira possibilidade, a que chamei de “A Grande Valorização”: valorização do capital humano, do perfil produtivo, do território e dos ativos nacionais, com a condição sine qua non da revalorização democrática, pois só uma sociedade mobilizada se consegue valorizar.
Desde a Primavera de 2007 que sigo quotidianamente o “Ladrões de Bicicletas”, blogue formado por alguns dos nossos melhores economistas. No Outono de 2008, frustrado com o comentário sobre a crise que então rebentou, publiquei uma lista de gente a ler para quem quisesse informar-se bem e entender o que vinha a seguir. O primeiro nome dessa lista era o do economista João Rodrigues.
Cinco anos depois e o “Ladrões de Bicicletas”, bem como o João Rodrigues, continuam a ser os melhores guias em matéria de economia política. Com um bónus: agora o João Rodrigues é um amigo e discorda de mim, como se pode entender por um texto que publicou ontem em resposta a uma crónica minha chamada “A Grande Valorização”.
O meu ponto de partida era o seguinte. Há dois tipos de desvalorização em cima da mesa: a “desvalorização interna”, que é a que o governo defende, através de cortes no salário; a “desvalorização externa”, que é sugerida pelos defensores da saída do euro, e que será atingida pela emissão e depreciação de uma nova moeda nacional. Na minha crónica eu sugeria que só faria sentido escolher uma ou outra como saída para a crise se fosse refutada uma primeira possibilidade, a que chamei de “A Grande Valorização”: valorização do capital humano, do perfil produtivo, do território e dos ativos nacionais, com a condição sine qua non da revalorização democrática, pois só uma sociedade mobilizada se consegue valorizar.
Na sua resposta, o João Rodrigues considera que as políticas europeias impedem esta via, e que a recusa do memorando (que eu defendo) só é possível a quem não “recusar categoricamente a saída do euro”. Bem, a saída do euro é materia que encheria muitas crónicas. Mas vamos aproveitar para conhecer um pouco essa fatura.
O euro é a moeda única da União Europeia, assim determinada para todos os países que dela fazem parte. Todos? Não. O Reino Unido e a Dinamarca têm uma coisa chamada “derrogação especial” que lhes permite estar na União sem estar no euro. Mas essa derrogação especial, que depende de uma alteração nos tratados, necessita para tal de ser ratificada por todos os parlamentos dos estados-membros — 28 em breve — bastando uma só rejeição para falhar.
O corolário é que a única saída do euro que depende de nós é a saída da União Europeia. Acarretaria também a saída do mercado único, do espaço Schengen, da cooperação judicial, e de mais outras centenas de instrumentos que fazem o nosso quotidiano mais do que imaginamos, em cada tribunal, empresa ou departamento universitário. Para recuperar uma parte, estando fora da União, precisaríamos de um novo tratado para cada tema e demoraríamos mais de uma década — sem veto nem voto no Conselho ou no Parlamento Europeu. Esse é o modelo norueguês, pouco menos improvável que o dinamarquês. Enquanto isso, a nossa fronteira passa a acabar em Badajoz, deixamos de ter liberdade de circulação no espaço europeu e os nossos emigrantes passam a cidadãos extra-comunitários. Todas essas consequências têm, depois, mais consequências.
No Ladrões de Bicicletas aprendi que há um ramo da economia a que se chama “institucionalista”, por se concentrar no papel que as instituições têm no comportamento económico. Ora a União Europeia é uma instituição enorme, a mais determinante de todas para nós. O debate sobre a saída do euro, que é também um debate sobre a saída da União, é de facto muito importante. Tão importante, aliás, que não deve ser feito só por economistas.
(Crónica publicada no jornal Público em 29 de Maio de 2013)