Ninguém assumia a paternidade ideológica da crise. “Aliás”, escrevia, “ninguém foi neoliberal. O neoliberalismo nunca existiu. Eram os deuses astronautas e a crise veio do espaço exterior.”
Numa pesquisa pelo arquivo, vejo que uma das primeiras referências que fiz aos Credit Default Swaps foi numa crónica de setembro de 2009, assinalando o primeiro aniversário da falência do Lehman Brothers, que desencadeou um colapso do sistema financeiro e marcou o início da crise.
O título era “Um ano e não tem pai”; o cerne do argumento era que ninguém assumia a paternidade ideológica da crise. Ninguém admitia ter acreditado nas propriedades auto-regulatórias do mercado, ninguém reconhecia ter defendido que o sistema financeiro anglo-saxónico era a oitava maravilha do mundo, ninguém confessava ter cedido ao canto da sereia neoliberal. “Aliás”, escrevia, “ninguém foi neoliberal. O neoliberalismo nunca existiu. Eram os deuses astronautas e a crise veio do espaço exterior.”
E, no entanto, lembrava eu que no momento do colapso do Lehman Brothers um dos economistas mais conservadores do nosso país afirmava que os Credit Default Swaps eram um dos produtos mais regulados dos mercados, e que esses produtos financeiros derivados eram na verdade muito saudáveis, ao segurarem o seu detentor contra perdas imprevistas motivadas por falências, subidas ou descidas de juro.
De cada vez que se fazia uma referência aos Credit Default Swaps era preciso explicar a coisa, na medida do possível. Uma espécie de seguro, era a definição mais simples, mas que poderia ser detido contra imprevistos sofridos por outrem. Sob este nome que se poderia talvez traduzir como “permutas de crédito por incumprimento”, os investidores cobriam as suas apostas, mas junto de instituições financeiras que, agindo como uma casa de apostas, sairiam sempre a ganhar em caso de problema. A primeira empresa a descobri-lo foi a maior seguradora do mundo, a americana AIG, que foi à falência de um dia para o outro por deter destas permutas contra a falência do Lehman Brothers.
A explicação tornava-se necessária por se pensar que cá em Portugal não havia quem tivesse intimidade com tais sofisticações dos mercados nova-iorquinos. Mas descobre-se agora que os gestores portuguesinhos não andavam assim tão desconhecedores das novidades. Afinal, só numa empresa pública como a Metro do Porto foram celebrados contratos de permutas contra a possibilidade de uma subida de juros que, porque a aposta falhou e os juros desceram, podem significar uma perda de quase mil milhões de euros para as contas públicas. Outros mil milhões são responsabilidade da Metro de Lisboa. Mais CP, Carris, e o resto, trata-se de três mil milhões de euros que o país pode perder se os bancos estrangeiros que venderam as permutas decidirem executar os contratos.
Lembrem-se disto quando se disser que as empresas de transportes públicos não são viáveis, que a decisão do Tribunal Constitucional custou mil e tal milhões de euros, que temos de cortar quatro mil milhões em gastos sociais, ou quando o governo fizer uma festa porque tenciona injetar três mil milhões na economia. Só isso arriscamos perder sem que as administrações, os ministros ou até o tribunal de contas tenham dado pelo caso. A crise continua sem pai, mas tem filhos da permuta.
E quanto ao economista que afirmava que os swaps eram seguros? Tem, naturalmente, um best-seller nas livrarias sobre como sair da crise.