A verdadeira tragédia anda soterrada debaixo de tanto falatório. Está nas pessoas desempregadas, na dificuldade em pagar as contas, nas dívidas que se acumulam, nos negócios que vêem aproximar-se a guilhotina das falências. Pior, a verdadeira tragédia vive exacerbada por este ambiente político e mediático: esperando por um ponto de viragem, mas só encontrando no discurso público inconsequência e mais-do-mesmo.

O português que desejar informar-se dispõe neste momento de três possibilidades: pode escutar o que dizem os políticos, o que dizem os jornalistas e o que dizem os comentadores. Embora estas três categorias estejam agora em boa medida sobrepostas, não podemos queixar-nos de escassez.  Há uma verdadeira abundância de jornalistas-comentadores, comentadores-políticos, políticos-comentadores (e eu sei, eu sei, que também deve haver neste inferno uma categoria para mim). Esses comentalistas, jornalíticos e polentadores gritam uns com os outros, quando discordam e sobretudo quando concordam (é preciso consenso! mas quem é que quebrou o consenso? é preciso entendimento! mas quem é que não quer entender-se?). O sistema funciona como uma série de cavernas rochosas, em que já não sabemos se estamos a ouvir o grito ou o eco. A notícia é já somente a reverberação daquilo que disse fulano sobre o que comentou sicrano acerca do desafio lançado por beltrano.

Se é preciso arriscar, contudo, eu diria que não há nada debaixo de tanto ruído. Ou melhor, há o costume: eleições autárquicas daqui a uns meses, e necessidade de encher horas de programação. Na radicalização do discurso, temida por alguns, na consensualização das políticas, desejada por outros, na leitura dos sinais políticos, dos pedidos de reunião, das cartas enviadas e recebidas, o volume da conversa parece ser inversamente proporcional à real capacidade de decidir.

A verdadeira tragédia anda soterrada debaixo de tanto falatório. Está nas pessoas desempregadas, na dificuldade em pagar as contas, nas dívidas que se acumulam, nos negócios que vêem aproximar-se a guilhotina das falências. Pior, a verdadeira tragédia vive exacerbada por este ambiente político e mediático: esperando por um ponto de viragem, mas só encontrando no discurso público inconsequência e mais-do-mesmo, as pessoas acabam por descrer.

Essa descrença neste momento é só desânimo e desconfiança. O sentimento democrático é forte; a questão é se aguentará, e até quando, a revelação generalizada de que a nossa política é muita parra e pouca uva, que por tanta grelha televisiva ocupada os grande temas continuam por discutir.

A austeridade é também isto: austeridade do debate. Discute-se apenas quanto se vai cortar e onde, ou na melhor das hipóteses se se deveria parar de cortar. Não se discute o modelo de desenvolvimento para Portugal nos próximos dez anos. Discute-se, no máximo, a saída do euro, mas como se fosse questão de uma conta num guardanapo. Não se discute o papel do país na Europa nem o que vai acontecer à União a partir de 2014 (eleições, pela primeira vez com escolha indireta do Presidente da Comissão) e depois (convenção para revisão dos tratados em 2015). Não se discute o esgotamento do nosso sistema político-partidário nem o que seria necessário fazer para ele nos dar mais escolha, mais inclusão e mais participação. Nada disto se discute.

Deve ser por falta de horário na grelha televisiva.

(Crónica publicada no jornal Público em 22 de Abril de 2013)

One thought to “Muita parra e pouca uva”

  • Américo Gonçalves

    A comunicação política, nos círculos do Poder, assemelha-se a uma psy-op, com o seu “paralisar-confundir-dividir”. Dizem-nos trinta coisas diferentes sobre uma medida, e por entre os pingos da chuva, lá vai mais uma adjudicação, um negócio…hoje em dia, a Censura já não actua pelo silêncio, mas sim pela cacofonia.

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