O problema de Miguel Relvas é ter menosprezado a voz dos cidadãos enquanto era tempo de ouvi-la.
Em 2011, no mundo árabe, acabou por se chegar à conclusão: quem não sabe sair com dignidade enquanto é tempo, sairá indignamente quando for tarde demais.
Miguel Relvas não perde a dignidade por ser interrompido com a “Grândola”. Miguel Relvas perde a dignidade quando resolve grasnar a “Grândola” como pato-bravo que ele é.
O problema de Miguel Relvas não é ser mandado calar por cidadãos. Muitos políticos já foram submetidos a essa prova de fogo, e alguns passaram-na com distinção — o que é dizer com dignidade. O problema de Miguel Relvas é ter menosprezado a voz dos cidadãos enquanto ainda era tempo de ouvi-la.
Miguel Relvas é o homem que tirou uma licenciatura com uma cadeira feita, quatro frequentadas, e equivalências a duas ou três dezenas de cadeiras, incluindo algumas que não existiam.
Miguel Relvas é o homem que disse que os jovens qualificados deveriam sair da sua “zona de conforto” e que poderiam emigrar.
Miguel Relvas é o homem que, mais recentemente, anunciou que o governo “vai facilitar o regresso dos jovens à agricultura”.
Os jovens que Miguel Relvas encontra quando vai a uma universidade pública são os jovens que estudam para acabar o curso, e que fazem todas as cadeiras que têm a fazer. Para além disso, pagam das propinas mais caras da Europa, num país com um dos salários médios mais baixos, e uma das maiores taxas de desemprego. Como a licenciatura não basta, vão tirar o mestrado ou o doutoramento com propinas mais caras ainda — e agora sem bolsa. Não querem emigrar, pois sentem profundamente que é agora que o país precisa deles. E não querem ser ajudados a ir cavar batatas.
Quando encontram Miguel Relvas, estes jovens sentem que o respeito que lhe devem é menos do que o respeito que ele não lhes deu.
Miguel Relvas já deveria ter saído há muito tempo. Como não saiu, Pedro Passos Coelho já deveria tê-lo mandado embora há mais tempo ainda. Como isso não aconteceu, Miguel Relvas é como um bloco de cimento atado aos pés do primeiro-ministro, arrastando-o para o fundo. Pedro Passos Coelho poderia a qualquer momento libertar-se desse bloco de cimento, mas a corda que os ata não pode ser cortada. Seja porque Pedro Passos Coelho atou a essa corda uma narrativa, e se agarrou a ela, seja porque Miguel Relvas detém sobre Pedro Passos Coelho um poder que nós não conhecemos, seja simplesmente porque demitir Miguel Relvas seria para Pedro Passos Coelho uma humilhação.
E é verdade. Só que demiti-lo mais tarde será uma humilhação maior.
Como em qualquer primavera, tudo o que se faz tarde já não satisfaz ninguém. No início, o povo quer só uma coisa simples — o fim de uma lei iníqua, a demissão de um ministro impopular — que lhe é negada por tempo demais. Quando finalmente for concedida, o povo já terá passado à frente, porque aquilo que pedia era apenas um símbolo do governo como um todo.
Pedro Passos Coelho não soube demitir Relvas com dignidade enquanto era tempo; detimi-lo-á indignamente quando já for tarde demais. Não para Relvas, mas para o próprio Passos Coelho. A primavera não será amena com ele.
(Crónica publicada no jornal Público em 20 de fevereiro de 2013)
2 thoughts to “Vem aí a primavera”
A “vantagem” da democracia em relação à ditadura é que antes de as coisas chegarem ao extremo que levou os árabes a agir, Passos Coelho já terá sido substituído por outro. E esse outro por outro ainda. Quem realmente manda são os senhores que estão por trás deles, que deram emprego ao PC e lhe darão outros ainda melhores depois de ele cumprir a comissão de serviço.
É por isso que eu não tenho assim tantas esperanças nesta primavera, nem na próxima.
Sr. deputado Rui Tavares:
O sr. diz que os portugueses não viveram acima das suas possibilidades? Quais foram esses? Devem ter sido muito poucos…