Um par de anos antes da independência da Eslovénia não havia praticamente eslovenos que a defendessem ou julgassem possível. Entre dezembro de 1990 e junho de 1991, porém, a independência aconteceu, após um referendo realizado contra a opinião do Tribunal Constitucional jugoslavo. Lá foi a Eslovénia, e depois toda a Jugoslávia, da maneira que sabemos, como um fósforo.
A Eslovénia era a Catalunha da Jugoslávia — mais rica, fronteiriça, mais próxima do centro europeu. E até há uns meses poucos julgavam que a independência da Catalunha fosse para levar a sério.
Uma das promessas fundamentais da União Europeia era, aliás, a de que um “cenário jugoslavo” fosse impossível. Coisas dessas, dizia-se, eram como golpes de estado ou corrupção generalizada: só podiam acontecer aos hirsutos fora da União Europeia. Cá dentro os países eram estáveis e os corredores alcatifados.
Essa promessa foi-se, junto com outras como ela: a de que a União seria um lugar de prosperidade baseada na solidariedade, com uma moeda única que beneficiaria todos, onde as regiões dialogariam no seu comité e receberiam em silêncio os seus fundos, e onde os governos nacionais respeitariam os valores do artigo 2: democracia, estado de direito, liberdades cívicas, pluralismo e respeito pelas minorias. Hoje, aqui ou acolá, todas estas promessas estão em dúvida.
Pior: a União, e em particular o euro, tornaram-se o motor da quebra das suas próprias promessas, o fator irritante capaz de despertar velhos monstros. Sem a crise do euro e a austeridade, dificilmente a Espanha estaria agora a discutir a independência da Catalunha. E a Espanha é agora a grande carta-surpresa desta crise do euro. Madrid não aceitará um resgate se as condições levarem a exacerbar (mais ainda) o independentismo catalão. E mais. Se o atual Governo de Madrid pensar que é necessário sair do euro para segurar a Catalunha, pois bem: Madrid considerará a saída do euro.
Não há razão para que uma Catalunha independente deixe tanta gente à beira de um ataque de nervos a não ser, simplesmente, terem sempre recusado essa hipótese. A culpa é de quem respondia sempre “inconcebível!”; de quem achou que só havia uma maneira de ser espanhol e agora vê que há gente para quem já não há nenhuma; de quem impediu um referendo legal e vai ter um, legal ou ilegal; ou seja, de quem não aceitando fazer a pergunta, vai na mesma ouvir a resposta.
Os nacionalismos — tanto o espanhol como o catalão, e qualquer outro — têm uma vertente egoísta que deve ser desmascarada. A melhor maneira de responder aos catalães que não querem pagar as contas aos vizinhos do Sul seria dizer-lhes que, mesmo independentes, teriam de o fazer se quisessem ser estados-membros da União. Dentro de Espanha ou fora de Espanha, a Catalunha teria de pagar, numa União Europeia baseada num sistema de transferências fiscais. Assim se separaria o trigo do joio entre o egoísmo injusto e a justa auto-determinação.
Caso contrário, a União será apenas mais uma tentativa falhada de fazer sentido de um continente Europeu culturalmente diverso, baseado na soberania pessoal, na democracia e na igualdade, capaz de autodeterminação sem fragmentação. Se não me engano, foi nisso que falhámos também há cem anos, nas vésperas da Grande Guerra.