Menos mal. Antes perdíamos por falta de comparência. Agora jogamos na retranca. Mas quem joga na retranca está destinado a perder. O que é preciso é jogar ao ataque.
Os portugueses, italianos, espanhóis e gregos fazem finalmente qualquer coisa juntos — e não são os governos. Desde o início desta crise, os governos comportaram-se como se estivéssemos na Idade Média durante uma epidemia de lepra: mais do que dispostos a isolarem o vizinho e a mandarem-no para o lazareto. O nosso governo, em particular, nunca desejou fazer nada com ninguém. Nunca quis aparecer com o governo grego para não ser confundido. E Passos Coelho nem sequer aproveitou a estratégia mais concertada de Monti e Rajoy porque, evidentemente, não tem coragem para se afastar do seguidismo a Merkel.
Entre as populações, no entanto, sempre houve uma leitura mais solidária da situação. Já há mais de um ano que apareceram faixas em grego nas manifestações portuguesas, ou bandeiras portuguesas, espanholas e outras nas manifestações gregas. É o lado bom da consciência de um debate europeu (o lado mau são as comparações entre o governo alemão e o regime nazi).
Esta consciência, ainda pouco orgânica há uns meses, materializa-se agora numa primeira greve geral simultânea nesses quatro países do Sul da Europa. Só por isso, trata-se de um acontecimento de muita importância, uma experiência corajosa por parte dos sindicatos, ainda que seja apenas um primeiro passo. Ainda um dia veremos manifestações em toda a Europa contra o embuste destas políticas de austeridade como em 2003 vimos contra o embuste da armas de destruição em massa no Iraque.
Entre os governos, na verdade, também começa a sentir-se um esboço de ação comum. A razão imediata é a negociação do quadro orçamental da União Europeia para os anos 2014-2020.
A história conta-se assim. Há muitos anos que há quem nele queira diminuir o peso da Política Agrícola Comum, que leva a parte de leão dos fundos comunitários. Mas há um problema: a PAC tem um campeão, que é a França. Logo é impossível cortar na PAC sem diminuir antes outros itens.
Sendo assim, os defensores dos cortes escolhem logo um alvo mais fácil: o Fundo de Coesão, ou seja, precisamente o instrumento financeiro que nos permitia tentar convergir com o resto da Europa. De razões mais ou menos preconceitosas, traçou-se do Fundo de Coesão um retrato caricatural que é mais ou menos assim: dinheiro dado a governos incompetentes e perdido na corrupção por comissários europeus que andam por estes países a distribuir presentes.
Este retrato teve ao menos o condão de acordar alguns governos, incluindo o nosso, e de os pôr a falar a uma só voz no grupo dos “amigos da coesão”. A Comissão e o Parlamento Europeu estão com eles.
Menos mal. Antes perdíamos por falta de comparência. Agora jogamos na retranca. Mas quem joga na retranca está destinado a perder.
O que é preciso é jogar ao ataque: explicar aos nossos parceiros europeus que a coesão aparece quase 30 vezes nos tratados da União (e a solidariedade mais de vinte) e que diminuir o fundo de coesão é uma violação dos tratados a não ser que… as regras da coesão valham para todos os fundos da União. Assim, em todos os fundos agora na moda, da Investigação & Desenvolvimento aos itens “verdes” do orçamento, países como os nossos deveriam ter direito a regras de cofinanciamento que os favorecessem.
Se tivermos de esperar por uma mudança de estratégia, será tarde de mais: o Conselho quer fechar o Orçamento até ao fim do ano, e nós estamos a perder.
(Crónica publicada no jornal Público em 14 de Novembro de 2012)