A maior parte dos medicamentos não custa milhares de euros a produzir. O que custa é pagar os preços que as grandes farmacêuticas se permitem exigir, por deterem monopólios que os estados lhes concederam (as patentes).

Em Portugal já toda a gente ouviu falar da doença dos pezinhos: uma doença rara, endémica em localidades costeiras do Norte (Póvoa do Varzim, Vila do Conde, Caxinas), que se manifesta em geral por volta dos vinte anos, e cujos primeiros sintomas são as dores nas pernas. A doença dos pezinhos, ou paramiloidose, vai degradando as suas vítimas até atingir o coração e os rins. A doença, a menos de um transplante de fígado, é fatal.

Estas são as más notícias. A boa notícia é que há um medicamento que tem bons resultados na travagem da progressão da doença. A má notícia é que esse medicamento custa 135 mil euros por ano. A boa notícia é que os doentes se mobilizaram para convencer os partidos no parlamento a aprovar, com caráter de urgência, a disponibilização imediata do medicamento no Serviço Nacional de Saúde. Problema resolvido? O governo diz que isto significaria um gasto de 13 milhões de euros por ano, por uma duração indefinida. Dinheiro bem gasto, certamente.

Pouca gente, em Portugal, ouviu falar da beta-Talassémia. É uma doença genética que provoca uma redução na sobrevivência dos glóbulos vermelhos. Se não for tratada, esta doença é fatal. O tratamento envolve frequentes transfusões de sangue, e desde a infância. Os doentes sobrevivem, mas com excesso de ferro no organismo, o que lhes pode causar lesões no coração, nos fígados e nos pulmões. Para compensar o excesso de ferro, os pacientes precisam de uma administração frequente de um medicamento por via sub-cutânea e em perfusão, o que os obriga a ir ao hospital várias vezes por semana, e submeter-se a tratamento várias horas de cada vez. Muitos destes pacientes são crianças.

A boa notícia é que existe um novo medicamento de administração oral, muito menos duro para os pacientes. A má notícia é que ambos os tratamentos — o antigo e o novo — são caros: cerca de dez mil euros por ano. Não parece muito. Se calculados ao longo de trinta anos de vida do paciente, dá 300 mil euros. Há cerca de trezentos doentes com beta-Talassémia em Portugal.

Hoje é o dia internacional das doença raras. Deve haver poucas áreas em que a necessidade de subsidiação do estado é mais clara. Ninguém pediu para ter paramiloidose, ou escolheu ser doente de beta-Talassémia. Quando os tratamentos são dispendiosos, a necessidade de intervenção do estado é, se possível, ainda mais clara. O estado não pode admitir que quem tiver uma doença rara e for pobre esteja condenado.

E, no entanto, em todo o mundo, os ministros da saúde queixam-se de ter de fazer escolhas difíceis. Que fazer quando um medicamento com cinquenta por cento de hipóteses de sucesso custa ao estado milhões de euros por ano?

No entanto, esse dilema não tem de ser um dilema. A maior parte dos medicamentos não custa milhares de euros a produzir. O que custa é pagar os preços que as grandes farmacêuticas se permitem exigir, por deterem monopólios que os estados lhes concederam (as patentes). O preço real de um medicamento de 200 mil euros pode ser, na verdade, 200 euros. E aí o caso muda de figura.
As farmacêuticas dizem que precisam desses preços para fazer investigação. É duvidoso. Segundo a Comissão Europeia, as farmacêuticas gastam 23% do seu volume de negócios em comercialização e promoção de produtos. E em investigação de base? Não é erro: 1,5% (um e meio por cento).Quem menos culpa tem desta situação são os nossos concidadãos com doença raras. Se se preocupam com eles, subsidiem-lhes os tratamentos. Se se preocupam com os orçamentos, exijam à UE que quebre os monopólios das grandes farmacêuticas.

6 thoughts to “No dia das doenças raras

  • Sonia Alves

    Excelente artigo Rui! Bem haja. Desde anos que partilho da sua opiniao e a minha luta contra as farmaceuticas vem de longe, bem haja trazer esta questao a lume. Bom trabalho! Felicito o

  • João André

    É verdade que os medicamentos são excessivamente caros e poderiam custar fracções daquilo que custam, mas não se pense que as empresas cobram aquilo que cobram apenas e só por causa do lucro. O processo de licenciamento de um novo medicamento custa muitos anos e muitos milhões de dólares (sem falar em salários ou investigações ou pagamentos a voluntários) e o período de vida de uma patente muito curto, pelo que querem ganhar o máximo possível com estes medicamentos. E não esqueçamos que a comercialização e promoção de produtos também é feita durante a fase de licenciamento, para convencer os reguladores a aceitar (ou acelerar) a aprovação das fases seguintes.

    O grande problema, no entanto, é que as empresas farmacêuticas querem sempre desenvolver o próximo blockbuster – medicamentos que tratam uma doença e/ou problema crónicos e comuns sem o curar. Exemplos são os Xanax, Viagra, Prozac ou outros do género. Medicamentos para doenças raras estão no fundo das prioridades, tal como antibióticos (uma caixinha de 10 comprimidos por ano?, estão a brincar?).

    O essencial é criar um sistema de aprovação dos medicamentos que seja mais rápido (mantendo o controlo) e, neste caso, nem sequer seria desajustado alargar o período de funcionamento das patentes ou, no mínimo, fasear a sua expiração, para que outras empresas pudessem começar a comercializar o produto após pagarem à empresa que o desenvolveu inicialmente.

    Este não vai ser problema de resolução fácil, porque se estas empresas deixarem de ver possibilidades de alargar as margens de lucro nos medicamentos de doenças raras ou apenas ocasionais, passarão a concentrar-se nos antidepressivos.

  • Diogo

    Dá que pensar…

    Rui, “Não é erro: 1,5% (um e meio por cento)” tens as fontes deste número?

    Gostava de consultá-las.

    Obrigado.

  • No dia das raras doenças

    Se são tão raras pra qué que precisam de dia

    podiam dar-lhes uma horas…

    A investigação dos ditos princípios activos custa muito

    quando meteram a filha do Cavaco Silva naquele grupo de ponta de investigação do virus da sida…a investigação já custava tanto

    que mesmo sem se investigar nada
    custava um balúrdio

    só pra se começar a investigar têm que se desinfectar muitas mãos

    a maior parte dos medicamentos colhe-se de graça nas selvas

    o medicamento mais barato é o estramónio…destila-se em casa
    e 15 gotas tratam qualquer doença…

  • Merck el Sharp (nã é esse) Dôh-me ô-o

    Pués o distinte saltador de strasse burg
    No tempo em que a Merck nã tinha tanta coisa agarrada ao nome
    e a con petição para impingir anti-depressivos e outras mezinhas

    gastava-se uns milhares de marcos ou de francos em telefonemas (inda nã tinhAmos esta merde do emole) para con vencer revistas da especialidade ou cientifiques a pôr um artigo muyto bom daquele gaijo que fazia uma dúzia por ano…ou mais acerca das virtudes terapêuticas da mistela num depressivo daqueles da serotonina ou toninha…

    resumindo:lembro-me duma manhã de 92…em que se impingiram ao Kuvait uns quantos artigos e 30 mil caixotes de artigos que davam para curar desde vítimas de violação …a orfãos necessitados
    a pessoal que tinha enterrado os bens e não os achava

    p.s.scriptum res umidón: tal como nos brindes dos manuais escolares

    a propaganda e os salgadinhos em hotéis para vender o produto valem muito

    que o diga São Pequito Rebelo
    (o descendente do outro pequito rebello que se chibou assis a modos que alto sobre os delegados de prop médica…e nunca arranjou mais um poleirinho..

    além do desenvolvimento da substância activa…

    e dos testes pra ver quantos ratos morrem com os efeitos secundários

    há que distribuir muito granel…e dá muita mão-de-obra

    logo não sufoque um negócio que pode ser a salvação de putogalp

    e quem é vocemecê pra negar a um doente terminal
    mais 60 mil ou 100 mil eurros de agonia extra…

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