É às elites portuguesas que fica agora bem repudiar os investimentos em transportes. E há toda uma paleta de preconceitos para o justificar.
Regressando a casa, fiz no outro dia escala no aeroporto de Madrid. Não nos terminais modernos e espaçosos de que Barajas, como se chama o aeroporto, dispõe. O voo para Lisboa partia de um dos terminais mais distantes, quase uma espécie de armazéns para passageiros, só acessíveis por autocarro. À espera do avião uma ou duas centenas de portugueses com ar cansado, pasta de trabalho na mão, uns com pinta de quem veio às reuniões do escritório de advogados, outros com ar de quem fazia aquilo todas as semanas. À entrada, alguém disse: “bem, vamos lá apanhar o autocarro”. O “autocarro” era, bem entendido, o avião Madrid-Lisboa.
Chegados a Lisboa lá apanhámos as nossas malas e fomos para os táxis. O aeroporto da nossa capital continua a não ter nenhuma estação de metro, o que só se pode explicar por uma arreliadora falta de pontaria. Ali bem perto passam três linhas de metro diferentes; há aeroportos que têm tapetes rolantes mais longos do que a distância entre o aeroporto e a estação do Oriente, onde além do metro, os passageiros que não moram em Lisboa poderiam apanhar as linhas de comboios, tanto suburbanas como nacionais. Mas não; para quê? Depois do raio-x, do abre-a-mala-e-mostra-o-
Há uns anos, isto poderiam ser preocupações para uma fina camada superior da população. Hoje é simplesmente a vida normal de gente mais heterógenea; a classe média, o estudante e o assalariado comum têm frequentemente necessidade e obrigação de viajar.
É às elites portuguesas que fica agora bem repudiar os investimentos em transportes. E há toda uma paleta de preconceitos para o justificar, que passei em revista mental na semana em que o projeto de comboio de alta velocidade ficou definitivamente enterrado.
Desde Durão Barroso proclamando que enquanto houvesse criancinhas em fila-de-espera nos hospitais não haveria TGV (entretanto, crianças portuguesas recebem transplantes nos hospitais… de Madrid). Até Manuela Ferreira Leite, parece que vinda diretamente de uma novela de Camilo Castelo Branco, profetizando que se se fizesse aquele TGV do demónio Lisboa se esvaziaria toda. Não faltando, é claro, as sempiternas invejas entre Porto e Lisboa, com equivalentes declinações locais (ou porque não se admitia que Lisboa tivesse o TGV sozinha, ou porque se temia que se o Porto o tivesse também se esvaziasse todo para a capital). Um quadro admirável.
Como foi assinalado, ao longo destas fases se passou de não haver dinheiro e projetarem-se cinco linhas, para agora se matar o projeto e ter de haver dinheiro para indemnizações.
Mas ao menos não se deixam dívidas às gerações futuras? Claro que deixam — não se deixa é mais nada. Enquanto ainda tenho um pouco de geração futura, preferia que não me tivessem deixado, além das dívidas, um país sempre com medo do progresso. E como já vou tendo bastante de geração passada, gostaria de não deixar como legado este país onde se decide e contra-decide mas não se delibera nem considera. A ver se, após a venda da TAP, os nossos jovens não têm de ir ao longínquo terminal-armazém de Madrid-Barajas para apanhar o avião com que emigrarão para Luanda e o Rio de Janeiro.
13 thoughts to “Elegia pelo TGV”
Quero deixar aqui claro todo o meu desprezo pela sua visão lisboa-centrica. Se já é difícil justificar alta velocidade acima dos 300km de distância, mais difícil é justificar este investimento se apenas serve lisboa. O Norte do país representa 40% das exportações e é a única região do país que faz fronteira com uma região rica e industrial espanhola: a Galiza. Faltam construir uns 70km de Alfa pendular até à fronteira. Vigo ficaria a menos de 1h do Porto. Está a ser concluído o TGV que liga cidades galegas a Madrid e a Irun. Como é que justifica uma linha que atravessa Portugal de este a oeste quando temos a fronteira mais importante a 70km?
Caro Miguel,
Não me ouviu aqui dizer que o Porto não deveria ter TGV. Pelo contrário, acho que idealmente Lisboa-Porto e Porto-Vigo deveriam complementar uma linha Lisboa-Madrid. Enfim, agora tudo isto é uma discussão sem objeto…
Obrigado, Rui Tavares, pela coragem de ir contra um dos consensos mais idiotas que já se estabeleceram na sociedade portuguesa.
Caro Rui, quando perceber que o TGV é tecnologia ultrapassada, com 40 anos, vai perceber que o Alfa Pendular, que pode dar até 250km/h, é a resposta ao problema. O TGV precisa de linhas absolutamente niveladas e com curvar larguíssimas, daí o custo. O Alfa inclina-se nas linhas. Sabe porque não temos Lisboa-Porto em menos de 2h? Porque José Sócrates cancelou a modernização da linha do norte em 2005. A previsão era Lisboa-Porto em 1h45 em 2009, usando o Alfa. Ora se isso acontecesse o Sócrates não conseguia justificar um TGV.
Com a instabilidade no Médio Oriente e os preços do petróleo imprevisíveis, não sabemos se daqui a dez ou vinte anos ainda haverá aviação civil a preços comportáveis. Um belo dia podemos descobrir tarde3 demais que devíamos ter-nos dotado dez anos antes duma rede ferroviária de alta velocidade. Isto não é só um problema português, é também um problema europeu e norte-americano.
Desconfio que não é problema para a China nem para a Rússia, onde não há, como nos EUA, um preconceito ideológico contra o transporte colectivo nem, como na Europa, um preconceito contra o investimento público.
O discurso da dívida deixada às novas gerações é duma desonestidade de tirar o fôlego. O problema não é, nunca foi, o passivo que cada geração deixa à seguinte: é sempre o saldo entre o passivo e o activo. Uma ferrovia extensa e moderna seria um activo no mínimo útil, no máximo vital.
Esta batalha está perdida, mas outras virão.
O problema do Porto, foi que aqui no Porto não houve – nem há – capacidade para fazer defender o Porto.
E. se tirarmos Serralves, Casa da Musica, Aeroporto, Porto de Leixoes e tudo o que de histórico existe e nao foi possivel deitar abaixo, nada mais existe, e é mau.
Logo, a culpa é nossa do Porto de nao estar como devia estar, como merecia estar. Muito melhor, mais limpo, com uma Rotunda da Boavista a sério. etc………….Com melhores ligaçoes à Galiza, sem tgv, sem tgv!!!!
Quanto a um metro ir até ao aeroporto de Lisboa – o existente – claro que sim……mas hoje…….o dinheiro foi por todos nestes quase ultimos 40 anos disperdiçado……. em rotundas e mais tralha!!!!!!!!!!!!!!
Caro Augusto, também em Lisboa o problema é não haver quem faça defender Lisboa. Prova disto é o exemplo que você mesmo dá: o Metro não vai ao aeroporto. Quem se faz defender, e bem, são certas élites – mas essas tanto são daqui como de Lisboa. Em detrimento de ambas as cidades, é claro, e da generalidade dos seus habitantes.
A mim, faz-me pena, por exemplo, que não haja no Porto um teatro de ópera com companhia residente. Deve ser caso raro entre cidades europeias de dimensão e tradição cultural idênticas.
Se se prolongasse até ao aeroporto uma das linhas do Metro de Lisboa – fazendo uma ligação à Gare do Oriente, por exemplo – é verdade que todos nós, contribuintes portugueses, teríamos que pagar. Mas também é verdade que esse prolongamento já me fez falta, a mim portuense, mais do que uma vez.
Caro Miguel Lopes, o problema é que não podemos confiar na qualidade da decisão política em Portugal. Nunca sabemos se um governante optou por determinada solução por ser tecnicamente a melhor para o país, ou por ser financeiramente a melhor para interesses particulares que desconhecemos. Não me custa nada a acreditar que um governante português sabote propositadamente um sistema funcional para o poder substituir por outro mais lucrativo para os amigos.
Mas o governo actual não é melhor que o do Sócrates. Se o fosse, do mesmo passo que anunciou o fim do TGV teria anunciado a necessária reformulação do pendular e o seu prolongamento até à fronteira com a Galiza. Melhor ainda: teria anunciado um plano director integrado para a mobilidade de pessoas e mercadorias, plano esse a que obedeceriam todas as futuras decisões sobre o pendular e sobre a ferrovia em geral, incluindo – porque não? – o TGV e/ou outras tecnologias que entretanto viessem a estar disponíveis.
“O voo para Lisboa partia de um dos terminais mais distantes, quase uma espécie de armazéns para passageiros, só acessíveis por autocarro. À espera do avião uma ou duas centenas de portugueses com ar cansado, pasta de trabalho na mão, uns com pinta de quem veio às reuniões do escritório de advogados, outros com ar de quem fazia aquilo todas as semanas. À entrada, alguém disse: “bem, vamos lá apanhar o autocarro”.
Não sei o que pretende com este parágrafo…deviam todos os portugueses em trânsito por Madrid ter um lounge VIP com bebidas à disposição e sofás confortáveis, à entrada do aeroporto???? seria assim no TGV, longe VIP para todos???
Quanto ao aeroporto da Portela, daqui a 4 meses terá ligação por Metro, a linha está actualmente em testes.
A duplicação de transportes sem qualquer tipo de valor acrescentado (nem os bilhetes de comboio seriam mais baratos, nem seria mais rápido chegar a Madrid) serviria quem, para além dos exploradores da linha, dos construtores do trajecto e dos comboios e dos responsáveis pela manutenção dos equipamentos?
Clara, serviria quem tem medo de andar de avião, quem não tem medo mas não pode por razões médicas, quem quer trabalhar pelo caminho, quem não tem tempo ou paciência para estar no aeroporto duas horas antes do voo, e PRINCIPALMENTE quem não quer fazer o trajecto completo: o TGV tem paragens intermédias, o avião não tem.
Mas mais importante do que isto é a viabilidade futura da aviação civil, com o petróleo cada vez mais caro e as rotas cada vez mais congestionadas. Podeser que de início a viagem em TGV entre Lisboa e Madrid fique mais cara do que a viagem de avião (e não sei porque terá de ser assim; entre Paris e Bruxelas o comboio fica mais barato); mas no futuro o transporte aéreo encarecerá provavelmente muito.
Como cliente de transportes públicos que já viveu em Coimbra; Porto e agora em Lisboa, a sensação que tenho é que as obras públicas, em particular as de transportes públicos servem um grande objectivo: dar dinheiro público aos amigalhaços. Como: pela empreitada em si, pelo sem número de “estudos” a que obrigam e porque o estado foi obrigando as empresas públicas a financiarem-se junto da banca que assim ganhou uns belos contratos.
O efeito colateral desta actividade é as pessoas, como eu, poderem andar de transporte público. Sublinho o “colateral” pois só assim se percebe a completa falta de lógica nos investimentos. Exemplos não faltam mas para não o maçar lembro uns quantos, não necessariamente os mais representativos.
O Metro de Lisboa tem uma linha a menos de 2 km do aeroporto desde final dos anos 80. Esta linha serve o parque oficinal a norte da estação Campo Grande; precisamente no sentido do aeroporto. Prolongar a linha dali ao aeroporto teria sido fácil, rápido e barato. Podia ser em viaduto; havia espaço disponível, passaria paralela à 2ª circular. Não foi feito; chega agora ao aeroporto, 25 anos depois, passando pela Gare do Oriente e sempre em túnel…
Linhas da CP que foram convertidas em Metro (caso do Metro do Porto e do não-executado Metro do Mondego). O dinheiro que se gastou na conversão daria para modernização do material circulante e infra-estrutura de modo a aumentar a capacidade da linha (sinalização; duplicação de via para cruzamentos; eventual electrificação) sendo que, como se pouparia na conversão sobraria mais dinheiro para fazer mais linhas de Metro convergentes com as existentes.
Linha da CP do Sul – Lisboa-Faro: Consta que quando se planeou a electrificação da linha houve uma sugestão, da parte da CP para a REFER, de fazer um desvio da linha à entrada de Faro para servir o aeroporto e a universidade. Se espreitarem no Google Maps verão, mais uma vez, que era uma obra fácil: há espaço livre;é um trajecto lógico. Não foi feito pois consta que o autarca da altura queria tirar a linha de caminho de ferro da baixa de Faro e fazer passá-la vários kms a norte para “libertar a cidade para uma marina”…
Podia citar muitos mais exemplos mas não interessa para explicar o seguinte. As dívidas para fazerem disparates foram contraídas pelas empresas públicas e estão a ser pagas por todos nós. E continuarão a ser pagas por todos nós, mesmo que se aumentem até ao infinito o preço dos bilhetes e passes, se diminua a oferta ao mínimo e se “concessione” a operação. A CP por exemplo paga mais em juros (juros, não capital) do que em salários. Reduzir a oferta e aumentar os preços nunca irá pagar a dívida históricas destas empresas. Mas é exactamente isso que se passa: usa-se a dívida para justificar acabarem serviços. Um comboio parado ou uma estação fechada não vão deixar de ser pagos ao banco por não estarem a ser usados. O amargo que fica na boca é sempre este: O grande objectivo está cumprido, o tal de dar dinheiro aos amigos; o que mais faltava era que tivesse de funcionar e servir os passageiros, pagantes e contribuintes.
Caro José Luiz, a diferença entre Porto e Lisboa, é esta, estar onde está o “poder”!
E vai-se do Porto a Lisboa pedir umas esmolas, enquanto dentro de Lisboa, está tudo à mão!!!E os do Porto quando são colocados em Lisboa esquecem-se de onde “eram”!!!….
Claro que mesmo com tudo à mão…. podem haver escolhas duvidosas…….
Aqui no Porto, houve (há) um bairrismo estupido em vez de se fazer melhor, mesmo com menos dinheiro que Lisboa!!
E se não fosse como referi Casa da Musica, Serralves. Teatro S.João, Aeroporto, Leixões que nada tem a ver com o poder!!local!! cá do Portro, isto já nem no mapa estaria…
E perdeu-se fazer um verdadeiro Centro na Rotunda que harmonizasse a Casa da Musica toda a envovente com ligações ao Centro e tambem a Serralves, ao Aeroporto, à Foz…agora, para o proximo seculo………..
Um abraço
Augusto