O resultado é que a Islândia, onde os bancos tinham estourado dez vezes a economia do país, o desemprego decuplicado e a moeda caído sessenta por cento, conseguiu dar a volta à crise com um mínimo de injustiça — e sair por cima.

Quase ninguém deu por isso, mas a Islândia abandonou com sucesso o seu programa com o FMI — depois de ter feito quase tudo ao contrário do que deseja o nosso governo em Portugal. Mas atenção: também a política islandesa é o contrário de tudo o que é a política portuguesa.

Em maio passado ouvi o ministro das finanças islandês, Steingrímur Sigfùsson, explicar como tinham sido as negociações com o FMI. “Disse-lhes: nós éramos um país da família escandinava, de bem-estar social, e nos últimos anos entrámos numa deriva louca para um capitalismo desregulado, de tipo anglo-saxónico, que acabou por levar o país à bancarrota em menos de uma semana. O que nós queremos agora é ver-nos livres do FMI o mais depressa possível, para voltar à nossa família original”.

Praticamente inconcebível era aquele ministro das finanças ser também o líder da Esquerda Verde — o equivalente, na Islândia, a uma mistura entre o Bloco de Esquerda e o PCP de Portugal.

Por aquela altura em Portugal, recorde-se, ambos estes partidos se tinham recusado a ir a uma mera reunião com a troica — e no entanto estava ali um presidente da Esquerda Verde, aliada no governo à Aliança Social-Democrata (que seria um equivalente ao PS português), contando-me como tinham sido as suas negociações com o FMI. E que respondeu o FMI? “Que fizéssemos como quiséssemos, desde que puséssemos os indicadores orçamentais em ordem e pagássemos o empréstimo”.

Esquerda Verde e Sociais-Democratas arregaçaram as mangas e aplicaram praticamente uma contra-receita do que nos está a acontecer. Começaram por uma reforma fiscal a sério, fazendo os ricos pagar muito mais impostos. Criaram taxas sobre a poluição. Depois sim, tiveram de fazer alguns cortes, mas assim foram mais limitados e legitimados.

O resultado é que a Islândia, onde os bancos tinham estourado dez vezes a economia do país, o desemprego decuplicado e a moeda caído sessenta por cento, conseguiu dar a volta à crise com um mínimo de injustiça — e sair por cima.

Aqui há tempos, nos círculos de esquerda e não só, a Islândia era muito falada por se ter recusado, em referendo, a pagar uma parte da dívida dos bancos nos termos que lhes eram exigidos internacionalmente. Falou-se em Revolução Islandesa e apresentou-se o seu caso como uma lição.

Houve sim uma Revolução Islandesa, mas as lições são três: económica, política e cívica.

A primeira é que a heterodoxia económica saiu vencedora. As contas foram postas em ordem, com mais justiça, e com mais eficácia.

A segunda é que não pode haver heterodoxia económica sem heterodoxia política. Se queres romper com o pensamento único da austeridade, vais ter de romper com a tirania do purismo esquerdista. Numa situação destas, qual é a prioridade: manter os velhos hábitos ou correr riscos para salvar o país? A esquerda islandesa, menos sabichona, tem uma resposta. A portuguesa, certamente muito mais pura, tem outra. Eles estão no governo e mandaram o FMI para casa. Nós vamos gemer sob a aliança Passos Coelho-Portas. Enquanto a esquerda se canibaliza, a austeridade canibaliza o povo.

A terceira lição é ainda mais importante. Os cidadãos islandeses não deixam mais nenhum governo, nem sequer este, safar-se com qualquer medida — daí os referendos. A Islândia passou por um enorme despertar cívico. Em quase todas as livrarias islandesas vi à venda um livro sobre política, com uma frase de Platão escrita na capa. Era esta: “o castigo por não quereres participar na política é acabares governado por pessoas piores do que tu”.

13 thoughts to “Lições islandesas

  • Exilado no Mundo

    Excelente texto. A grande lição islandesa é, acima de tudo, a lição de um povo esclarecido e sem medo. Algo que nós por cá tardamos em conseguir ser!

  • McCheese Vaicagger

    Brilhante!

  • Sérgio

    Uma grande lição de democracia, responsabilidade e justiça social.

  • Tomas

    Caro Rui,

    Gosto Muito da sua escrita, mas tenho a dizer que este artigo desapontou-me um pouco. Apenas porque é muito desequilibrado. Fala das lições, mas esquece de referir a impossibilidade para portugal as por em prática por não serem adequadas à nossa realidade. Em especial por duas razões:
    1 – A crise na Islândia deveu-se quase exclusivamente ao endividamento dos bancos para com o estrangeiro. O estado Islandês encontrava-se numa situação completamente diferente da nossa, pelo que não tinha um problema de défice excessivo (como os nossos quase 10%) nem de dívida pública (de quase 100%)
    2 – Grande parte da solução Islandesa passou por uma depreciação da moeda, e foi uma redução de quase 50%, ou seja redução de salários para metade. E isto de um país que importa comida e roupa. Além de isto não ser mencionado, nem menciona que isso não poderá acontecer em portugal sem primeiro sair do euro, e os elevados custos associados.

    No fundo usar a Islândia como lição para portugal, é como ensinar a um cavalo que pode atravessar um oceano usando como lição as albatrozes. (mas não invalida a 3a lição)

  • Eu cá sou mais que Santo

    The financial balance of the general government was 23.6 billion ISK in deficit in the 2nd quarter of 2011 or 5.9% of quarterly GDP and 14.4% of general government total revenue. The outcome improved a little compared to the 2nd quarter 2010 but is worse than in the 1st quarter 2011 when it was 17 billion ISK in deficit

    According to preliminary figures for August 2011 the value of exported goods amounted to ISK 55,500 million fob and the value of imported goods amounted to ISK 47,300 million fob. Thus, there was a trade surplus of ISK 8,200 million in August 2011

    The revised annual national accounts for 2010 show a 4% decrease in Gross Domestic Product (GDP) in real terms. In 2009, GDP decreased by 6.7%

    e só tem 300 e tal mil habitantes
    mas o nível de bida desceu muito

    já não contratam portugas pra lhes arranjar os telhados

    nem bão a compras à 5ª da abenida

    A Islândia é uma Madeira com muitos mais recursos

    Não é um Portugal da auto-suficiência

  • Eu cá sou mais que Santo

    Desceu tanto que o Einar e o Pall Einarson nem perdem tempo a falar com os ex-colegues (perderam 30% do salário…os filhos dum granda bulcão e 50% das ayudas de custo

    felizmente inda tão em 3 institutos (1 internacional) sanão deixavam de comprar caviar….sinceramente nunca percebi o gosto…

    ovas de bacallao ou de sardinha sã muy mejores

    penso yo de qu’e?
    qué qué?

  • Eu cá sou mais que Santo

    Em quase todas as livrarias islandesas (têm muitas? ê nunca sai du aeroportu numa viage pá umas ilhotas geladas inda com menos gente) vi à venda (não esgotou é mau sinal)um livro sobre política, com uma frase de Platão escrita na capa. Era esta: “o castigo por não quereres participar na política é acabares governado por pessoas piores do que tu…..cê lê ice?
    vinnandi manna störf?

    é que sueco inda s’apanham umas coisas är förädlandet av fisken
    agora dinamarquês e ice….o Platão debia tar em grego…

    grego tamém não gosto não…gregas só conheço das feias (subjectivo)

  • Eu cá sou mais que Santo

    Einarson filho de Einar por acaso tibe duas satôras islandesas

    aquilo é tão piquinino qu’elas foram as duas colegas de liceu (uma mai nova e outra mai velha mas por repetença) da única cantora islandesa
    que conheceu o mundo….pur falar nisso uma delas tem um puto semi-putuguês a outra um semi-guineense isto da diás porra

    num dá só cá….aparrentemente a gajada de lá queria pular pra forra

    agora têm pouca cheta pra viages

    e ayudas a paesi sub desenvolutto

  • Eu cá sou mais que Santo

    Purr acaso gosto dos ice’s sum simpaticus boas personas nunca machatearam dão (ou davam) prrendas

    resumindo Gente Baril ô Bariloche (tamém nunca fui y podia ter ido)

    arranjo telhados mas só dos baixinhos

  • José Santos

    E que respondeu o FMI? “Que fizéssemos como quiséssemos, desde que puséssemos os indicadores orçamentais em ordem e pagássemos o empréstimo”.

    Com o preconceito que há em relação a Portugal, não estou a ver isto acontecer. Gostava de saber a que preço lhes emprestaram o dinheiro …

    Um ponto positivo é realmente o que também defendo para Portugal: menos poder para os politicos (no caso deles, com referendos).

  • Eu cá sou mais que Santo

    Ó Mõe quele surde bê…

    ó filhe quele surdo ê cegue

    ó mõe quele surde achunchou-me nomi

    ó filhe quele surde ê mude

    menos phoder para os politicos (no caso deles, com referendos).

    mas s’eles são de geração espontânea

  • Ricardo

    Caro José Santos,

    Uma leitura cuidada do chamado “memorando com a troika” diz-nos que, havendo vontado política, o MRPP conseguia ser governo e cumpri-lo. Por outro lado, também nos diz que PNR conseguia ser governo e cumpri-lo.

    Ou seja, aquilo que foi acordado com a “troika” é no fundo o destino da viagem. A forma como a fazemos foi deixada ao nosso critério. (Um pouco na onda de como ir de Lisboa ao Porto? Avião? A1? Passando por Faro para comprar D.Rodrigos?)

    O nosso critério foi oferecer ao “Dr.” Passos Coelho os nossos destinos. A um homem que disse, no dia seguinte a chumbar o PEC IV (depois de lhe faltar a coragem política de chumbar I, II, III e o OE), que o fez porque não ia longe o suficiente. Convém dizer que, comparado com o PEC IV (que o Dr. Passos Coelho agora aplica) o memorando parece o manifesto comunista e o FMI a Primeira Internacional!

  • Zuruspa

    Caro Rui, embora tenha gostado muito do seu artigo, tenho uma ressalva a fazer. Parece-me que na Isländia quem foi à reuniäo com o FMI foram os partidos do Governo. Corrija-me se estiver enganado.
    Em Portugal chamaram-se todos (porquê?) para lhes dar o programa. Se houve discussöes foram apenas estéticas.

    BE e PCP irem ou näo irem à liçäo (e näo reuniäo) com a troika é ser preso por ter cäo ou por näo o ter. Se fossem eram acusados de tentar torpedear as negociaçöes. Óbvio.

    Mas vejam que no memorando também diz que o Estado deve acabar com os subsídios aos privados na Educaçäo. O que se vem vendo é cortes para o público e mais subsídios (+5.000 euros/turma) para os privados, mesmo estando ao lado de escolas públicas desaproveitadas. E é só um pequeno exemplo. E o Zé Tuga apoia!

    A tugalhada agora que sofra, por via dessa frase platónica. Näo merecem mais.

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