Assine a petição sobre os nomes das novas freguesias de Lisboa aqui: http://www.peticaopublica.com/?pi=lxnomes
Há no Nordeste brasileiro a tradição de, para pedir chuva, trocar os santos das igrejas a que pertencem. O Santo António vai para a igreja de Santa Clara, o São Paulo para São Pedro, bota o São Domingos lá onde estava o São Francisco. Enquanto não chover, não voltam para casa.
Olho para o mapa das novas freguesias de Lisboa e parece-me que a Câmara Municipal decidiu fazer o mesmo, sem justificação. Temo que os santos se vinguem.
À junção de Baixa, Alfama, Mouraria e Castelo querem que se chame “Santa Maria Maior”. A uma enorme freguesia em torno da Avenida da Liberdade pretendem chamar “Santo António”. A Graça, São Vicente de Fora e Santa Engrácia vão passar a ser “São Vicente”, somente (sem o “de Fora” que desde a conquista cristã se usa, por estar fora das muralhas árabes). Bairro Alto, Bica, Sta. Catarina e Chiado vão passar a ser “Misericórdia”. A gente olha para estes nomes e pensa que parecem saídos de um brainstorming com o Diácono Remédios, personagem do Herman José. Não andou muito longe: segundo noticiado, o Patriarcado fez muita questão de ter estes santos novos, em troca de santos que desaparecem do nome de freguesias como São Jorge (de Arroios) ou Sta. Maria (dos Olivais e de Belém).
Isto anda tudo trocado. Onde havia santos históricos, reconhecidos pela população, puff — desaparecem. E onde havia nomes antigos que não eram de santos (Alfama, Madragoa) ou, quando necessário, nomes novos a inventar, temos estas escolhas que, ora são destituídas de sentido histórico, ora de bom senso, ora de simples bom gosto.
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Eu concordo com a fusão de freguesias que António Costa propõe. Mas estes nomes vão ficar ali durante gerações e gerações e, francamente, Lisboa — que não é uma cidade chata nem beata — não merece isto.
Vamos usar de bom senso: que os nomes que já eram de santos continuem a sê-lo. São Jorge, por exemplo, é um santo importante na cidade (e na lusofonia) e não há razão para que Arroios o perca.
Agora — não lembra a ninguém chamar Santo António à freguesia em torno da Avenida da Liberdade, porque esse santo não é dali e porque aquela freguesia não pode ter outro nome senão Liberdade.
Aceita-se que o Chiado, o Bairro Alto e a Bica passem a ser Misericórdia? Talvez sim; mas parece mais óbvio que aquela freguesia se chame Camões. (Se quisermos ir mais longe, uma vez que aqueles bairros foram a aldeia onde Fernando Pessoa nasceu e morreu, que se lhes chame Freguesia do Desassossego. Pelo menos não é ensosso e tem tudo a ver com o atual espírito daqueles bairros.)
E quanto a “Santa Maria Maior”, um nome sem dó que querem dar a Baixa, Alfama, Sé, Castelo e Mouraria? Sim, esse foi o primeiro orago da Sé (de resto esquecido); ali sim faria sentido usar o nome de Santo António, no lugar onde nasceu e viveu.
Mas, já agora, porque não aproveitar para recuperar o nome mais belo que Lisboa já teve, dado pelos romanos quando ocupava precisamente aquelas colinas? Querem saber qual é? Felicitas (Iulia Olisipo). Ou, simplesmente, Felicidade.
(Se concorda com a reabertura de uma discussão pública sobre estes nomes assine por favor a petição emhttp://www.peticaopublica.com/?pi=lxnomes — e pode lá deixar sugestões para os nomes que gostaria de ver nas novas freguesias da cidade).
(enviado de telemóvel)
5 thoughts to “Os santos devem estar loucos”
Essa referência à tradição nordestina de permuta dos santos fez-me lembrar esta magnífica composição do Chico Buarque e Edu Lobo, aqui interpretada pela Mônica Salmaso:
http://www.youtube.com/watch?v=CNBNFnJYoGM
A freguesia filha dos filhos da igreja é demodé…
e Santos nem os da casa fazem milagres
quanto mais os importados da Judeia….
os Londrinos deviam ter um Santo Bombeiro
Santo António foi bom soldado durante a restauração
valeu o que lhe pagámos como comandante de terço d’infantaria
agora andar cá com Santos de que nem os romanos gostavam
é muita falta de calidade
valha-nos São Nuno Abecassis São João Só Ares como o vôvô
e Santa Ana Lopes
se os mexicali tiveram um Santa Ana como general
puqué que não podemos ter nós um como Santo….
é de resto um Santo Ambivalente
pode ser o padroeiro dos Gays e lésbicas
e pôr-se a junta naquele quiosque qu’o senhor Doutor Engenheiro João Suarez inaugurou algures ali prá baixa
nos idos de 2000 e quê?
o Santo Euro….tamém era um bom Santo para nome de junta
A SANTA DE Pressão também é ambivalente
dá para cerveza e para a actual situação económica local e quem sabe
Boa Tarde,
Acabei de ler a sua crónica de hoje no PÚBLICO e gostaria de, também, participar, enviando um dicionário e uma gramática para Timor-Leste, pelo que lhe solicito, se possível, que me informe o endereço para o qual devo remeter os dois livros.
Antecipadamente grato pela atenção que possa prestar a este assunto, aproveito para o felicitar por esta excelente iniciativa.
Cumprimentos de
José Couto
Porto
Caro Rui Tavares,
Se a memória não me falha (e sem ponta de ironia), no tempo anterior ao facebook e ao twitter as suas crónicas no “Público” incluíam um endereço de e-mail através do qual era possível contactá-lo. Refiro isto porque queria pedir-lhe um conselho – ou, simplesmente, uma opinião – que nada tem a ver com esta entrada de texto no seu blog. Assim, vejo-me obrigada a recorrer a este meio para lhe perguntar, pois tenho confiança e respeito pela sua personalidade política e social, qual acha ser a melhor maneira de contribuir com uma muitíssimo modesta doação para ajudar a calamidade humana da Somália. No dédalo em que se transforma a existência de tantas entidades envolvidas, julguei avisado recorrer à sua experiência e perguntar-lhe se tem conhecimento de quais as associações mais bem preparadas, mais próximas do terreno e, sim, mais idóneas (perdão se pareço mesquinha e/ou ignorante, no meio das pessoas que se mexem, de facto, para fazer alguma coisa válida; trata-se, apenas, de uma quantia insignificante de dinheiro, nada mais, mas gostava que atingisse o alvo). Já agora, não acha que é escandaloso falar-se tanto de qualquer crash nas bolsas, dos tumultos em Inglaterra, mesmo das previsões calamitosas para a Europa, e tão pouco se dizer sobre quem, literalmente, morre de tudo em condições supramente desumanas? Somos Homens, bem sei, mas para isso o somos: para ver quem está pior que nós. Desculpe o discurso pseudo-doutrinário. Agradeço, desde já, a sua ajuda. Um abraço, IMA.
Cara Inês,
Sem apontar soluçoes para o seu drama, mas procurando antes lançar uns coelhos para discussao:
O problema da ajuda à Somália (e a outros estados) releva-me sempre para outras duas questoes.
Nao sei se viu o filme ‘Black Hawk Down’, ou se está familiarizada com um jogo (gratuito) do World Food Program (objectivo: fazer chegar ajuda humanitaria a campos onde possa ser distribuída). Nao me recordo do nome do ultimo, mas cheguei a te-lo.
Em ambos os casos se ilustra um dos grande dramas da ajuda humanitária: o facto de quem manda no terreno serem os senhores da guerra e o grosso das doaçoes acabarem nas maos destes. Neste capítulo nao sei se os caças de coligaçoes da NATO e afins nao fariam melhor em se virarem para aqui…
Noutro capítulo, choca-me que haja gente a morrer de subnutriçao no mundo e que no mundo (dito) civilizado se destruam colheitas para manter preços… Como foi dito num ciclo sobre OGM’s: estes nao sao a soluçao para os problemas da fome no mundo, porque a soluçao para esse problema pede outro paradigma de sociedade.