Sim, o problema está na incapacidade europeia em resolver uma crise europeia. Mas essa incapacidade não se dá pela falta de boas soluções técnicas.
Será que se pode levar um murro no estômago e ver a luz? Pelos Atos dos Apóstolos sabemos que São Paulo, quando ainda se chamava Saulo e perseguia cristãos, foi cegado por uma luz fortíssima que o fez cair do cavalo quando viajava na estrada para Damasco. Depois deste momento, mudou de nome e tornou-se no mais importante apóstolo da fé cristã que antes perseguia.
Tudo pode acontecer. Sobretudo em Portugal. O que testemunhámos na última semana com o nosso Presidente da República foi um episódio de conversão digno de São Paulo na estrada de Damasco. Cavaco Silva dizia há poucos meses ainda que Portugal tinha de dar a outra face — “não vale a pena recriminar as agências de rating” foram as palavras usadas — agora, quando o governo é do seu partido e a Moody’s nos classifica como lixo, diz que elas “são uma ameaça”. Antes explicou-nos que “não podemos insultar os mercados, que são quem nos empresta o dinheiro”; agora anseia por expulsar os vendilhões do templo.
Mas há aqui diferenças fundamentais. São Paulo viu primeiro a luz e só depois caiu do cavalo. Aqui a causa física — o murro no estômago — deu-se antes da iluminação espiritual. Mais milagroso ainda, quem levou o murro no estômago foi uma pessoa — o primeiro-ministro — e quem teve a revelação foi o Presidente da República. Creio que estas duas personagens vivem em união mística como nunca antes se vira entre Belém e São Bento. São Pai e Filho, a que devemos acrescentar Paulo Portas como Espírito Santo. Este não é só o governo da troika; é também o governo da santíssima trindade.
E o próprio país, que ainda não viu a luz ao fundo do túnel, viu também a luz ao fundo do estômago. Finalmente uma maioria de comentadores apercebeu-se de que o problema está na incapacidade europeia em resolver uma crise europeia e as televisões encheram-se de gente a suspirar pelos eurobonds que permitiriam mutualizar a dívida da zona euro.
Finalmente. Com a autoridade de quem escreve sobre mutualização de dívida desde que a crise começou e alertou, repetidamente e sem êxito, contra a futilidade do nosso debate excessivamente doméstico, deixem-me apreciar este momento. E, logo a seguir, explicar que a coisa não é assim tão simples.
Sim, o problema está na incapacidade europeia em resolver uma crise europeia. Mas essa incapacidade não se dá pela falta de boas soluções técnicas. A criação de uma agência de notação europeia, em si uma boa ideia por trazer um pouco mais de pluralidade aos ratings, só contrapõe um conflito de interesses positivo ao conflito de interesses negativo que existe agora.
Quanto à criação de eurobonds, ela leva-nos para o cerne da questão. Quando houver um mercado de dívida de 4 ou 5 biliões de euros, quem administrará esse dinheiro? A Comissão Europeia? Mas nós não elegemos a Comissão. Teremos pois de passar a eleger um governo europeu, e complementar a federalização económica com uma federalização política. A coisa não vai lá com um “Euroministro das Finanças” com poder de veto, mas apenas com a construção de uma democracia europeia que suplante este clube de democracias.
Esta crise não é uma crise das dívidas soberanas. Onde há dívida já não há soberania monetária. Onde está a soberania monetária (em Frankfurt) não há dívida — nem democracia. Ou trazemos a soberania de volta para onde estava, e temos uma refragmentação europeia; ou levamos a nossa democracia para onde está o poder, e temos federalização. A estrada de Damasco não acabou aqui. À frente temos uma bifurcação. A próxima crónica será ainda sobre isto.
2 thoughts to “O milagre do lixo”
Os “eurocépticos” impediram a construção europeia como ela deveria ter sido feita, com tempo, reflexão, e com soluções federalistas. Agora, todos vamos ser obrigados a aceitar soluções pensadas à pressa para responder a esta crise, sem consulta das populações, e sob pressão da chantagem dos mercados. O FEEF não é mais do que uma solução de recurso que é um fraco substituto do que já deveria ter sido implementado há anos, quando havia tempo e recursos. É preciso que todos os eurocépticos que ainda assim permitiram a união monetária assumam a sua quota parte de responsabilidade nesta situação.
além de apanhar uma insolação e de se meter nas metanfetaminas
o problema de Paulo que por vezes se chamava Saulo
era a dupla personalidade
Cavacus Silvanus nosso césar apenas na estrada para Tomar se lembrou que já não era professor de economia (e dizem que dos mais ó menos)
e sim um político (desde a estrada da Figueira da Foz)
e como político embora com 6 anos de atraso
fez o seu trabalho apelar à união e mostrar confiança
que o que resta do capital luso migra para o Brasil e Angola
logo quem é que vem às privatizações
Cavacus nosso césar ao contrário de Só Ares filho e pai de Só Ares
não está xéxé nem se esquece das coisas
sempre foi um animal político muito lúcido e raramente s’engana donde sopra o vento