Quando o presidente do Eurogrupo não percebe o que a União anda a fazer, ou percebe bem demais e sabe que isso leva ao desastre, é porque rebentou a bolha.

Paul Volcker, antigo presidente do Banco Central americano, disse uma vez que a única coisa útil que os bancos inventaram nos últimos vinte foi a caixa automática. O humilde multibanco, acrescentou Volcker, “dá mesmo muito jeito, evita visitas desnecessárias ao banco e ajuda as pessoas — não consigo pensar em mais nenhuma inovação finaceira de que se possa dizer o mesmo”.

Noutra ocasião, Paul Volcker disse que não entendia como funcionavam os derivados financeiros como os “credit default swaps”. Alguém respondeu: se calhar devíamos ter uma “regra de Volcker” — “se o Volcker não entende, não podes vender”. Vários prémios Nobel da economia, de diversas correntes políticas e doutrinárias, idolatram a inteligência e o conhecimento de Paul Volcker. A implicação daquela “Regra de Volcker” é a de que se nem ele entende um determinado produto financeiro, muito menos o consumidor o conseguirá entender, e em consequência, a venda desse produto representa um risco social maior do que as suas vantagens.

Noutra versão, a Regra de Volcker refere-se aos bancos “demasiado grandes para deixar falir”, mas por detrás encontra-se um raciocínio análogo: se a existência de bancos enormes representa um risco maior do que as suas vantagens, ela deve ser limitada.

A administração Obama tentou implementar esta versão da Regra de Volcker num pacote legislativo que mereceu, é claro, a oposição dos bancos, e bastante adulteração no Congresso. Ainda não desceu à Terra uma utopia simples em que bancos pequenos e sérios se dedicam a fazer boas caixas multibanco, aceitar depósitos, conceder empréstimos responsáveis, e não levar à falência os países onde se encontram sediados.

Jean-Claude Juncker, presidente do Eurogrupo e primeiro-ministro do Luxemburgo, e deve ser — salvo engano meu — o chefe de governo há mais tempo em funções na União. É também dos mais velhos, e lembra-se bem da Europa do pós-guerra. Várias fontes confirmam que, na escalada para a Guerra do Iraque, foi dos poucos capazes de dizer a Blair, Aznar e Barroso que estes não sabiam a insanidade que era a guerra (Chirac, é claro, lembrava-se da guerra propriamente dita).

Numa entrevista recente, Juncker confessa: “eu não percebo — sem dúvida sou demasiado ingénuo — esta perversidade europeia que exige à Grécia co-financiamento” em programas estruturais. Avisa que ninguém se lembra de “dar esperança aos gregos”. Acrescenta que “estamos a brincar com o fogo” e que vários países europeus, incluindo a Itália, a Bélgica e a Espanha, sofrem risco de contágio na atual crise grega. Depois disto, nota o evidente: que a UE, ao não resolver e agravar os problemas, pode criar uma nova geração de eurocéticos. E conclui, lembrando que “após a crise financeira, seguida por uma crise da economia real, arriscamo-nos a ter uma crise social e, ao fim e ao cabo, uma crise do sistema”.

Acho que precisamos, aqui na Europa, de uma Regra de Juncker. Quando o presidente do Eurogrupo não percebe o que a União anda a fazer, ou percebe bem demais e sabe que isso leva ao desastre, é porque rebentou a bolha.

O tempo está a esgotar-se para uma política feita de remendos. A partir de agora temos como opções a refundação ou a fragmentação.

7 thoughts to “A regra de Juncker

  • Miguel

    Gostei!

  • Sara Duarte

    Peço desculpa por este comentário estar fora de contexto relactivamente a “A regra de Juncker”.

    No entanto, foi com entusiasmo que tomei conhecimento da existência da bolsa pessoal por si facultada e gostaria de saber quando será disponibilizado o formulário para as inscrições de 2011.

    Atenciosamente,

    Sara Duarte, saracordeiroduarte@gmail.com

  • António Eloy

    Caro,
    não descobri o teu mail, pelo venho referir-te o que já tinha dito à muito ao Miguel, e agora novamente. O grupo europeu do Bloco é totalmente errado, e uma mostra de tudo o resto…
    Felicito-te pela coragem da roptura e solidário com os motivos,
    Abraço
    António Eloy

  • Marco Martins

    Caro Rui, tenho respeito e consideração por si e pelas suas ideias.
    Entristece-me portanto que a esquerda se esteja a abater depois da derrota eleitoral. Não compreendo o comportamento de Louçã para consigo e de Luis Fazenda para com Daniel Oliveira. Foram episódios de “raivinhas” primárias que estes não conseguiram conter, depois das críticas que vocês (Rui e o Daniel) lhes fizeram.
    Não compreendo também porque você, eleito que foi nas listas do BE, não se demite da posição de deputado europeu e decide manter o lugar como independente.
    Seja coerente, demita-se. Abandone o parlamento. Senão pairará sobre si o fantasma de “estar agarrado ao tacho”. Mesmo que isso seja uma tremenda mentira.

  • JPAfonso

    Não percebo bem o enunciado desta regra. Por analogia com Volker, não deveria ser “Se Juncker não entende, não o faças?”. Eu sei que rematar com a “bolha” tem um sabor a um saboroso “sucker punch”, mas ainda assim…

  • Jose Partido

    Essa “regra de Juncker” anda a jogar ping pong na minha cabeça há já algum tempo. Custa-me perceber quais os objectivos dos países centrais, não apenas para si próprios, mas também a ideia e o projecto que têm para os países periféricos. Nestas últimas semanas tenho apanhado umas pistas, mas ainda sem conseguir deslindar o culpado e a víctima de tudo isto, estilo C.S.I….

    Pista I: Guerra monetária. Se os mercados andam a olhar para a Europa, a realidade é que o real perigo vem dos EUA. Não só têm os mesmos problemas que nós – alguns deles mais graves ainda – como também lidam com a sua moeda em baixa e consequentes pressões inflacionistas. Mesmo em caso de default da Grécia, serão os EUA que, por deterem a grande fatia dos seguros dos investimentos feitos pelos bancos europeus na dívida daquele país, acabarão por ficar no mesmo pé que nós, ou num ainda pior. Logo, a Europa, com a política monetária que mantém, procura assegurar a médio-longo prazo uma posição dominante do euro no panorama internacional, já que o dólar tem a sua morte cada vez menos “anunciada” e cada vez mais “acontecida”.

    Pista II: futuros desenvolvimentos da guerra entre sectores: Se a presente crise é uma guerra entre sectores da economia (financeiro vs industrial….), vislumbra-se cada vez mais que, apesar dos primeiros rounds estarem a ser ganhos pela finança mundial, o buraco que estão a cavar na economia real terá de (antes cedo do que tarde)virar-se contra ele mesmo. Logo, é preciso continuar o esforço para que se compreenda a mudança, ganhando o poder para “mudar a mudança” no sentido de um mundo diferente, para melhor.

    Como não sou economista, pedia que, caso encontrem incoerências no que escrevi, as indicassem. Continuo à procura de pistas…

    Abraço

  • Jose Partido

    Nota: As pistas que deixei são de índole económica. E é nessa base que consigo perceber a actuação da União Europeia. Porque do ponto de vista social e político, também se começam a vislumbrar mortes anunciadas. São essas que, a meu ver, irão decidir o sucesso da actual política europeia. Num segundo momento, espero que as tendências nacionalistas hoje postas em movimento, se retraiam e se volte a apostar numa Europa solidária e de “vistas largas”…

    É verdade, hoje estou optimista!

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