O que eu gostaria de provar — não nesta crónica, mas praticamente em todas, e na minha ação política europeia — é que a democracia é mais do que o princípio de base.

Será a democracia importante?

Na última crónica escrevi que seria necessário refazer o projeto europeu sobre sólidos alicerces democráticos. Esta é daquelas opiniões com que toda a gente concorda e ninguém concorda. Perfeitamente segura de escrever numa crónica, é muito mais difícil de provar que ela seja verdadeiramente importante. A democracia é importante, diz o leitor, e ninguém o negará em abstrato. Parabéns ao cronista pelos bons sentimentos.

E no entanto, no entanto, ninguém dá um tostão pela democracia europeia. Temos problemas maiores para resolver — ou não? O Euro está nos paroxismos de uma crise. As pessoas estão a perder o emprego. Países estão à bancarrota. Quem se vai preocupar com a democracia nesta altura do campeonato?

Alguns puristas, é claro, protestam por não se respeitarem os procedimentos democráticos — e o meu coração está com eles. Mas todos os outros — os tecnocratas, os burocratas, os eurocratas, os governantes e até o povo — querem é ver o problema resolvido. Da maneira, qualquer maneira, que o resolver.

O que eu gostaria de provar — não nesta crónica, mas praticamente em todas, e na minha ação política europeia — é que a democracia é mais do que o princípio de base.

Porque não se resolve a crise do euro? Não é, certamente, por falta de soluções técnicas. O euro nasceu à sombra de soluções técnicas e, desde que entrou em crise, as soluções que têm sido propostas são impecavelmente técnicas. E não funcionam. Não têm tração. Porquê?

A resposta do tecnocrata é dizer que falta encontrar a solução certa e que, até isso acontecer, é um absurdo tentar justificar democraticamente o que se vai fazendo. Já viu se a cada momento tivéssemos de ir perguntar ao povo?

Esta resposta tem, no entanto, um grave defeito. Toma a economia como algo que acontece em abstrato, absolutamente extraído do mundo dos cidadãos, das motivações das pessoas comuns.

Mas acontece que a economia acontece no reino das pessoas, das suas motivações, e da clareza com que vêem o caminho à sua frente. E, nas sociedades democráticas, a motivação das pessoas e a legibilidade da ação coletiva aumenta muitíssimo quando as escolhas são claras e as pessoas sentem que participaram nelas. A externalidade económica positiva de uma política feita com as preocupações das pessoas em mente, e trazendo o contributo delas desde o início, é inestimável.

Podem dizer-me que a China não é democrática e que tem uma economia de sucesso. Pois é, mas a Europa nem sequer tem uma economia de sucesso, pelo que a motivação das pessoas não passará por aí — e também não passará pela política, onde as pessoas não são sequer ouvidas.

Podem dizer-me que ao nível nacional temos democracia. Pois é, mas ao nível nacional não resolvemos problema económico nenhum.

A escala onde se cruza o problema e a solução é a europeia, mas a União Europeia é um clube de democracias — não uma democracia. Num clube, as obsessões de dois ou três dos membros mais poderosos levam a melhor sobre os interesses dos outros membros. Numa democracia, o estímulo dado por 500 milhões, legitimando uma política, lançaria a recuperação.

[A propósito destas reflexões: fundei um blogue chamado The Lisboners, com colegas verdes, socialistas e liberais do Parlamento Europeu. Parece incrível, mas é o primeiro fórum multipartidário e pan-europeu na internet, para um público internacional. Espero que gostem e participem em www.thelisboners.eu]

5 thoughts to “Será a democracia importante?

  • Giulia

    Caro Amigo/Amig@,

    Livros existem para aventurarem-se de mão em mão, enchendo olhos e mentes, traspassando mundos vários, continentes distantes, até mesmo galáxias perdidas deste infinito Universo, sem respeitar nem mesmo as fronteiras do senhor Tempo.

    É com base neste espírito que Lisboa acaba de ganhar um novo Alfarrábio on-line. É o http://www.livrilusao.com, que vende livros usados e novos.

    No entanto, não queremos ser apenas um alfarrábio a mais. Para além de comprarmos, vendermos e trocarmos livros, buscamos também interagir com todos que queiram trocar ideias connosco sobre livros, artes em geral e tudo o mais relacionado com Cultura.

    Convidamos-te a visitar a nossa página e, se achar interessante, ajudar a divulgá-la, repassando esta mensagem para a sua lista de emails.
    Vamos dar continuidade à aventura dos livros!

    José Silva,
    Livrilusão

  • Ativo

    a união europeia é uma manta de retalhos democrática. os eua já se aperceberam bem dessa fragilidade e estão a usá-la para enfraquecer a economia. esperemos que seja um alerta.

  • João

    Lendo o Público de hoje (Sarkozy x Merkel) pergunto ao Rui se participa na escolha de imagens que ilustram as crónicas.

  • O Exilado

    Sobrestimar as capacidades do dito povo pode fazer maravilhas pelo ego colectivo e dar uns votos mas pouco mais adianta. As pessoas podem ter opiniões mas daí a serem justificadas vai uma diferença.

    Isto para não falar que a UE não é um clube de democracias propriamente. Pode existir esse requisito formal mas o esforço que é despendido para assegurar essa realidade é zero. E é zero porque na realidade não é esse o objectivo. A UE é um bloco comercial que começa a ser vergado aos interesses da Europa Central como aliás parece ter sido sempre o objectivo. Os estados à volta servem várias funções: zona tampão, campo de experimentação, mercados escancarados, sítios para passar férias, etc. Nunca existiu igualdade de facto entre os estados membros nem vai jamais existir à medida que o tal centro europeu está a destruir os seus próprios aliados.

  • Rui Tavares

    Não, caro João, não sou eu que escolho as fotos, e a maior parte das vezes nem as chego a ver porque não leio a edição em papel.

    Abraço,

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