Agora que um novo dia começa é preciso que se entenda que a nossa retração às fronteiras “originais” implica um esforço de aprendizagem que os nossos governos nunca souberam fazer. Quanto mais pequeno é um país, menos paroquial pode ele dar-se ao luxo de ser.
Há quatrocentos Portugal estava na sua primeira experiência de integração política europeia. Hoje chamamos-lhe o “tempo dos Filipes” e ele evoca-nos só a Espanha, mas é por ignorância. Os Filipes pertenciam a uma família do centro da Europa — os Habsburgos — e politicamente uniam-nos a regiões europeias tão distintas como os Países Baixos, a Lombardia, o Franco-condado e a Sicília.
Essa experiência europeia foi para nós muito mais exceção do que regra. Aconteceu há quatrocentos anos, e só se repetiu agora. No resto da sua vida, a inserção de Portugal foi mais intercontinental do que europeia.
Se o milénio passado fosse condensado num dia, o Condado Portucalense teria reaparecido por volta das duas da madrugada (“reaparecido”, porque o Condado Portucalense anterior, dito de “Vímara Peres”, é de antes do ano mil) e o reino de Portugal teria nascido às 03:30. O retângulo continental teria surgido às seis da manhã com a conquista do Algarve, e o território atual, contando com Madeira e Açores, surgiria pouco depois das dez da manhã — mas nessa altura já a coroa portuguesa tinha possessões no “Algarve d’Além-Mar”, ou seja, em África. A chegada à Índia foi no mesmo no fim da manhã e o achamento do Brasil deu-se no pino do meio-dia, em 1500.
O império português durou desde o meio da manhã até quase à meia-noite e isto não é coisa sem consequências, que vão da cultura à economia. A ditadura salazarista e marcelista usava África como fonte de matérias-primas, mercado para produtos nacionais e espaço de migração — tentando manter o império através de uma guerra perdida. A descolonização começou aogra mesmo, às 23:30; e a integração europeia apenas às 23:45 (não conto com Macau, que foi devolvida à China às 23:59, ou a descolonização formal de Timor-Leste, que começou uns segundos antes da meia-noite).
Agora que um novo dia começa é preciso que se entenda que a nossa retração às fronteiras “originais” implica um esforço de aprendizagem que, na voragem do tempo, os nossos governos nunca souberam fazer. Quanto mais pequeno é um país, menos paroquial pode ele dar-se ao luxo de ser.
A nossa pequenez faz-nos mais expostos ao contexto internacional. Para que permita desenhar um plano plausível para o futuro, o debate doméstico tem de ser um debate cosmopolita — não por capricho, mas porque essa é a condição da nossa sobrevivência.
A turbulência com que chegamos ao período eleitoral é disso demonstração. Estranha-se então que não se ouçam discutidas estas questões de base:
1) agora que acabou a integração europeia dos “fundos e subsídios”, qual é o projeto que Portugal deseja para a Europa?
2) fora da Europa, quais são os projetos geopolíticos em que Portugal se deve empenhar? que ideias práticas tem para propôr à CPLP?
3) Portugal deve crescer para poder ser mais igual e digno para os seus cidadãos, ou deve ser primeiro mais justo para criar condições de crescimento depois?
4)  qual é a estratégia de crescimento adequada a um país pequeno (médio relativamente à escala europeia) e periférico (mas no meio do hemisfério ocidental)? Dizer “competitividade” e “produtividade” não basta, é preciso saber escolher competitividade em quê e produtividade como?
Nos anos de Sócrates passámos de uma prioridade que era “Espanha, Espanha, Espanha”, para uma fase de enamoramento com ditadores e demagogos da Líbia à Venezuela, para no fim implorarmos por ajuda ao Brasil antes de morrermos uma morte europeia. Esse percurso errático (e por fim falhado) é prova de que para dar frutos o debate nacional tem de ser bastante mais amplo, em tempo e em espaço.

2 thoughts to “Os últimos 400 anos e os próximos 4

  • Saturnino Estrada

    Olá.

    Gostaria de saber como você fez aqueles botões redondos no canto superior esquerdo da página.

    Grato.

  • JgMenos

    O problema é paroquial antes de ser de outra natureza.
    Alargar a visão é privilégio de quem não anda a esgravatar no lixo da intriga e a catar as migalhas do orçamento para alimentar clientelas.

    Sempre foi obra de poucos.
    Esperemos que apareçam quanto antes.

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