Aquilo que dei por mim a pensar é que se “um imenso Portugal” é o outro nome para o Brasil, qual é então o outro nome de Portugal? Uma nação já de si tão inventada que sabe as suas falas de cor?

Diz Evaldo Cabral de Mello que só os portugueses são mais piegas do que os brasileiros. A prova, assinala, encontra-se à vista em qualquer aeroporto: para cada brasileiro que viaja, há outros cinco que se despedem, chorando. Quem tiver visto a despedida de Lula da Silva e a tomada de posse de Dilma Rousseff sabe que é assim: Lula chorou, Dilma chorou, e o povo na esplanada dos ministérios chorou também.

Eu não vi, mas sei que foi assim.

Evaldo Cabral de Mello é um dos maiores historiadores de língua portuguesa, não só em profundidade como em abrangência. A erudição, nos seus livros, é uma filigrana resistente; por detrás está uma alma ágil de ensaísta. Brasileiro de Pernambuco, é o representante e herdeiro de uma geração de ouro de intelectuais a que está ligado até familiarmente — Gylberto Freire e Manuel Bandeira eram seus primos, e João Cabral de Mello Neto seu irmão. Em Portugal recebeu um prémio pelo livro A Fronda dos Mazombos, de 1995, mas nem por isso é muito conhecido. No Brasil a presença deste velho diplomata, que não andou pelos departamentos universitários, é também discreta.

O livro de Evaldo Cabral de Mello para que eu gostaria de chamar a atenção hoje é uma coleção de trinta e seis artigos e ensaios sobre história e historiografia publicado em 2002. A editora é a 34, de São Paulo, mas creio que se encontra nas livrarias portuguesas. Francamente, se pelo menos um de vós decidir comprar e ler esse livro, a primeira crónica do ano está ganha.

O título é Um Imenso Portugal, evidentemente inspirado nos versos da célebre música de Chico Buarque (cuja letra foi escrita por Ruy Guerra, um luso-moçambicano) tão bela quanto difícil de engolir, à esquerda ou à direita, por brasileiros e portugueses.

Um imenso Portugal é, no fundo, outro nome para o Brasil. O paradoxo inicial de Evaldo Cabral de Mello é que “o Brasil não se tornou independente porque fosse nacionalista mas fez-se nacionalista por haver-se tornado independente”. Em 1822, quando o Brasil se torna independente, “não havia sentimento nacionalista na América portuguesa — àquela altura, os nacionalistas não éramos nós mas os portugueses de Portugal que, dentro e fora das Cortes de Lisboa, clamavam contra o que lhes parecia a escandalosa inversão de papéis pela qual o Brasil transformara-se no centro da monarquia lusitana, relegando a metrópole à posição de colónia”. A independência brasileira acabou ter de ser uma invenção constante; a de criar um império onde não havia um país.

O que Cabral de Mello nota é como essa invenção que se prolonga até hoje tinha raízes no passado — as comparações entre o Brasil e a China que ele cita, feitas por portugueses nos séculos XVII e XVIII são tão deliciosas quanto fascinante.

Por que faz tanto sentido — pelo menos para mim — fazer esta leitura do lado de cá? Aquilo que dei por mim a pensar é que se “um imenso Portugal” é o outro nome para o Brasil, qual é então o outro nome de Portugal? Uma nação já de si tão inventada que sabe as suas falas de cor?

Durante o ano passado, ouvindo os debates circulares sobre a dívida e a austeridade e as minudências da coreografia de alta retórica e baixo significado entre os dois maiores partidos do país, confesso que foi isso que pensei. Um país tão desatento quanto repetitivo, recusando-se a ver até a sua normalidade, quanto mais a olhar para lá dela. Um ínfimo Portugal, numa descrição mais política do que geográfica.

Pode ser que seja só pieguice. Nisso os portugueses, remata Evaldo Cabral de Mello, são ainda piores que os brasileiros: choram ao apanhar o barco de Lisboa para Cacilhas.

One thought to “Um ínfimo Portugal?”

  • Ana Luísa

    Obrigada pela dica (panglossiana quanto às livrarias portuguesas, contudo…)

    Pela amostra de “Fabricando a Nação”, – que já consegui ler online -suspeito que vou parar de citar as “Imagined Communities” do Benedict Anderson e substituí-lo pelo Evaldo.

    E neste tempo que é de BRICs em ascensão, também pressinto que me vou deliciar com as tais comparações entre o Brasil e a China…

    Bem-haja!

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