Quero falar-vos das bolsas que anunciei pela primeira vez numa crónica destas, e tenho uma boa e uma má notícia. E uma ideia nova.
A boa notícia é que o valor das bolsas duplicou, graças a três amigos cujos nomes são Ricardo, Miguel e Zé Diogo — e aos quais agradeço terem aceitado descredibilizar-se com um gajo que agora é “político”. Graças a esse pequeno sacrifício, durante o próximo ano teremos 3000 euros para bolsas todos os meses (em vez dos 1500 inicialmente previstos).
A má notícia é que, mesmo assim, não conseguimos apoiar todos as candidaturas que são interessantes e/ou necessárias. Nem sequer metade delas.
É aqui que entra a ideia nova, que por sua vez nasce desta pergunta: o que fazer para juntar os dois lados desta equação, ou seja, projetos que merecem ser apoiados e pessoas dispostas a apoiar esses projetos? A resposta poderia ser a criação de uma “plataforma inter-bolsas”, sediada na internet, e na qual poderiam ser consultadas as candidaturas e recebidas as disponibilidades de apoio. Há aqui potencial para um tipo novo de mutualismo, mais direto e pessoal, que não substitui as bolsas estatais e institucionais — antes nos torna mais exigentes perante elas.
Daqui a um ano, a segunda edição das bolsas tentará encontrar uma forma de concretizar esta ideia. Vão acompanhando.
Há umas semanas arrumei em casa seis grossos arquivadores com as mais de setenta candidaturas às bolsas e preguei a uma cortiça três painéis com o resumo dos projetos e respetivos calendários e orçamentos. Sem contar com os anexos: artigos científicos, CDs com música ou DVDs com filmagens para documentários, linques para sítios na internet onde me esperavam fotos ou pranchas de banda desenhada.
Não foi fácil chegar ali. Paradoxalmente, as críticas pesaram-me mais do que o costume. Desde aquelas que me fizeram pensar duas vezes — pessoas que eu respeito, e sei que é recíproco, preocupadas com o possível populismo do gesto (“é demagogia mas não é barata”, respondia eu, plagiando um jornalista). Até às que já me fizeram pensar dezenas de vezes sem ainda ter entendido, como o bloguer que me acusa de “exercício anti-parlamentar de matriz totalitária” (empresto-lhe uma destas crónicas se me conseguir explicar isto).
Ler aquele material deu, porém, significado a toda esta trajetória. Acabou por ser um trabalho de equipa com os meus assistentes, e discussões profundas (apoiar quem precisa ou quem tem projetos? concentrar ou dispersar? reagir emotiva ou formalmente?). Havia candidaturas artísticas, científicas, políticas e das humanidades. Queríamos apoiar pelo menos um projeto em cada uma destas áreas, o que a duplicação dos fundos permitiu.
Ora, Portugal em 2010 é um lugar difícil. Há gente a abandonar os estudos. Há talentos desperdiçados em call-centers. Há oportunidades a menos. Não se faz o suficiente para contrariar isto.
Mas depois de recorrente hesitação e não pouca luta, tínhamos finalmente uma seleção: uma tese de doutoramento em oncologia que precisava de uma extensão de financiamento para ser acabada; uma investigação antropológica em Cabo Verde que tem uma dimensão de desenvolvimento local; uma biografia muito pormenorizada de Fernando Pessoa — em banda desenhada — que faz lembrar o que Robert Crumb fez com Kafka; um estudo sobre candidaturas independentes na política portuguesa; um estágio no Museu dos Uffizzi, em Florença, para uma historiadora da arte; um apoio para um trabalho de campo doutoral em Angola; e, finalmente, um apoio a um mestrando em genética molecular que investiga uma doença que afeta gado em países mediterrânicos. Os candidatos e bolseiros receberam os resultados esta madrugada (podem ver mais detalhes em ruitavares.net).
Já valeu a pena, e ainda agora começou.
7 thoughts to “Já valeu a pena”
Excelente iniciativa, se uma ala política o criticar por populismo que lhes responda com um “mas então mas vocês contra a iniciativa privada?” para nisso ficarem a matutar. Infelizmente em Portugal não existe a cultura do investimento no capital humano, que é sempre visto como um custo e não como um gerador de benefícios.
A ideia de uma plataforma portuguesa que una investigadores e investidores com base na internet é excelente- a plataforma Kickstarter é algo bastante semelhante e que tem tido bastante sucesso, basta uma vista de olhos para nos apercebermos de que não faltam boas ideias a precisar de um empurrão por esse mundo fora e nosso país certamente não será diferente:
http://www.kickstarter.com/
Caro Rui,
Tenho acompanhado o seu trabalho e empenho em contribuir civicamente para melhorar e potenciar o talento que temos em Portugal. Obrigado por isso. Não sei se sabe, mas por cá temos parlamentares que não sabem como vão viver com os cortes nos salários.
Dito isto gostaria de partilha este endereço http://www.thersa.org/fellowship
Talvez já conheça. Caso não conheça espero que ajude a iluminar o seu caminho e dar expressão ao seu desejo. Se quiser poderei ajudar.
Com os melhores cumprimentos,
Tiago Almeida
Esses parlamentares tivessem os ordenados minimos, não saiam da cama só com medo do próprio ar. Cumprimentos
Primeiramente, aproveito para congratular os eleitos desta extraordinária iniciativa.
Acredito que este foi um pequeno (grande) passo para um projecto que ficará célebre além fronteiras, inclusive.
Ficou patente, caso dúvidas restassem, que Portugal tem gente de valor e pessoas que pretendem apoiar esses valores.
Confesso que, aquando da divulgação desta ideia sui generis, fui perpassado por um sentimento de alegria.
Por momentos acreditei que alguém poderia acreditar em mim e dar-me uma oportunidade.
Acreditei que outras pessoas, que porventura partilham os mesmos sonhos e frustrações, tenham sentido o mesmo e desde cedo empenhei-me na projecção de um plano.
Um plano que nascera nos confins da minha infância, aquando das primeiras imagens que surgiam lá longe numa terra chamada Palestina…
Ao ler os requisitos deste programa soltei um grito de espanto:”isto é a minha cara!”.
Nunca, até então, me tinham dado, sequer, a possibilidade de tornar este sonho em objectivo.
Sempre me confirmei a ser catalogado como um sonhador…
Rui Tavares logrou consegui-lo…
Ao invés da tristeza que brotou nos primeiros instantes da divulgação dos resultados, o sentimento final foi bem mais positivo!
Para o ano, quiçá, a minha estrela brilhará, mas entretanto sei que outrém poderá fazer brilhar a sua.
Quanto a mim, apesar de ser obrigado a encerrar o meu projecto, embora temporariamente (assim espero), não cairei no erro de fechar a sete chaves o sonho que me comanda a vida.
Batalharei como nos tempos em que combatia nas mais recônditas montanhas contra o inimigo fogo.
Daí se forjou um carácter que não se esmorece e se felicita com o bem comum.
Quanto aos vencedores, quero deixar-vos estas singelas palavras: Aproveitem, vivam, partilhem, sonhem e lutem, porque a vida não vale pelos anos que duramos mas pelas causas nas quais nos empenhamos.
A toda a equipa do RT e aos novos mecenas, dou um enorme e sentido abraço!
Eu vim aqui de propósito dar os parabéns a RUI TAVARES pela excelente iniciativa.
Pacheco Pereira também merece que eu me lembre DELE aqui e agora, mas por motivo oposto…
Parabéns pela iniciativa e entendo os desafios do que poderá ser uma segunda edição.
Projectos como este podem ser mais do que a boa vontade de amigos.
Hoje, mais que nunca, é necessário que as pessoas entendam que não é o Estado, ou os outros, que têm de investir em projectos dos seus conterrâneos.
Idealmente deveria ser assim… mas penso que todos os que pensam em que é preciso fazer alguma coisa o devem fazer.
Nos EUA há um projecto chamado Kickstarter ( http://www.kickstarter.com ), não é um projecto completamente filantrópico, pois a “empresa” cobra uma percentagem, no caso do projecto obter o financiamento desejado.
No entanto, e se se pensar na base de outras iniciativas, como o Micro-crédito, é possível que vários cidadãos possam financiar com o que podem, mesmo que não seja muito, novos projectos que venham a candidatar-se aos fundos entretanto juntos.
Só assim se poderá marcar a diferença dando a oportunidade para que todos possam originar novas oportunidades. Estas não devem ser apenas programas de um Governo, mas de todos os que sentem que podem fazer mais pelos seus conterrâneos. Dar a mão a outros é ajudar a criar um movimento, que poderá originar novas oportunidades e contribui para uma cidadania em pleno.
A sociedade egoísta baseada em transacções financeiras em nada promove as pessoas e a sociedade são pessoas.
Desde já os meus parabéns e deixo aqui a minha disponibilidade.
Grande, muito grande iniciativa, por mais palavras que se possam escrever, ficamos com a certeza que grandes são os actos. Se pudesse podem ter a certeza que também contribuía. Muito Obrigado pela iniciativa e continuem.