Errei. A minha atual previsão é de que o tratado vai ser alterado mais cedo do que eu pensava.
Primeiro, um pouco de gabarolice. Há menos de um ano o Tratado de Lisboa entrou em vigor e toda a gente — com Barroso e Sócrates à cabeça — afirmou que este era “o tratado para uma geração”, não só por considerarem que ele era adequado como por ser quase impossível reformá-lo. Profetizei que o tratado iria ser alterado mais cedo do que eles pensavam.
Errei. A minha atual previsão é de que o tratado vai ser alterado mais cedo do que eu pensava.
Porque acontece isto? Em primeiro lugar: se os leitores desejarem ter uma visão do que será a União Europeia dentro de uma geração, não perguntem a Sócrates, Sarkozy ou Merkel — não perguntem a nenhum chefe de governo e se puderem fujam da opinião deles como da peste. O poder deles em cada uma das suas unidades territoriais depende de não entenderem a União e, até, de a entravarem. Por isso o Conselho — que reúne os governos — é neste momento a mais regressiva das instituições da União, atrás da Comissão e a anos-luz do Parlamento.
Mas também não peçam a resposta a Barroso, não porque ele não saiba, mas porque não vo-la dará. O poder dele depende dos outros 27.
E assim o Presidente da Comissão se viu ultrapassado na semana passada por uma conversa entre Sarkozy e Merkel, que querem rever um tratado com menos de um ano de vida para acomodar um capricho da Alemanha, ainda por cima perigoso — tirar direitos de voto aos países que tenham défices excessivos. Esta gente não entende nada de democracia e parece apostada em retirar qualquer sentido à palavra. Já imaginaram se fosse possível retirar o direito de voto a uma pessoa com dívidas? Se imaginam como se sentiria essa pessoa, querem pensar por um momento como seria isso se acontecesse com um país? Pois.
Na verdade, — e admitindo que a atual crise só se resolve à escala europeia, o que aliás torna grande parte do nosso debate caseiro irrelevante e pueril — vejo duas saídas decentes para a União Europeia. Ambas são institucionais, porque é aí que os nossos outros problemas — a começar pelo económico — não se resolvem primeiro e, atrofiando, acabam por se agravar. E ambas exigem, sim, de uma alteração dos tratados.
A primeira solução: eleger diretamente a Comissão Europeia. Se ela vai passar a ter visto prévio sobre os nossos orçamentos, e deseja até fazer prescrições qualitativas sobre a forma como eles devem ser diminuídos, isto só pode acontecer após ter sido legitimada democraticamente pelos 500 milhões de cidadãos europeus.
Para quem acha esta solução arriscada, há outra opção. Deixem a Comissão ficar como mera emanação dos governos, um executivo nomeado pelos estados-membro. Mas nesse caso, o poder legislativo integral deve passar para o Parlamento, que hoje só pode emendar a lei em co-decisão, mas não pode ainda — ao contrário do que acontece em qualquer parlamento nacional — criar lei por iniciativa própria.
A separação e a clareza dos poderes é fundamental. A Comissão pode ser executivo ou legislativo, mas não pode ser esta amálgama de todos os poderes que faria Montesquieu bolsar no caixão. E os cidadãos — ou o Parlamento — não podem admitir mais transferência de poder sem legimitidade democrática. Federalismo sem democracia não é federalismo, é usurpação.
E assim a reforma dos tratados passou, em menos de um ano, de impensável a impraticável a imprescindível. O único obstáculo é agora apenas a pergunta: “querem abrir a caixa de Pandora?” A resposta só pode ser um vigoroso e entusiasta “Sim”.
4 thoughts to “Abrir a caixa de Pandora”
aqui a conversa é irrelevante, tal como diz.Convite:Amanhã o Estrolabio não abordará os habituais temas – amanhã todo o espaço é para Lisboa. Começamos no primeiro minuto do dia 28 e acabaremos á meia.noite. Durante 24 horas, Lisboa será o nosso tema único,
Mais uma distribuição de cognomes por estes personagens da actualidade política europeia:
Durão Barroso, “o Irrelevante”
Angela Merkel, “a Pós-Comunista Ressabiada”: sim, alguém que vê em todos os mecanismos de discriminação positiva dos Estados do Sul uma ameaça aos pressupostos pretensamente igualitários do funcionamento da “mão invisível” do mercado…e em todas as políticas sociais o regresso do aparelho leviatânico do estalinismo… que epíteto poderia merecer?
Sarkozy: aqui apetece-me ser especialmente violenta, mas vou conter-me e, continuando na mesma senda, sugerir “o Pós-Colaboracionista Reciclado” (com jeitinho, se pertencesse a essa geração, ainda tinha sido responsável por negociar as eufemisticamente chamadas “evicções forçadas” de algumas minorias que Vichy patrocinou.)
Quanto a Sócrates… Sócrates… bem, vou evitar conspurcar, por efeito de contágio, o nome do grande filósofo.
Remeto-me ao silêncio.
Se todos os eurodeputados fossem como o Rui Tavares, eu até concordaria com a entrega do poder legislativo integral ao PE. Mas não é o caso; há muitos deputados “falcões” e, no plano económico, muitos convictos no pior do que o capitalismo tem.
Acho os cognomes propostos por esta “comentadora” muito bons! O post contém uma boa dose de humor negro, mas era bem feito que o baptismo pegasse, em especial no caso do Presidente francês!
eu quero saber se alguem encontrou a caixa de Pandora.E o que realmente aconteceu com ela.