Os analistas que aplaudiram a escolha de Francisco Lopes pelo Comité Central do PCP parecem ter esquecido a lição de há cinco anos. O que interessa é se a candidatura tem condições para ter relevância para lá de um quadro partidário.

Há cinco anos, mais ou menos, a política portuguesa estava assim. Mário Soares tinha apresentado a sua candidatura à Presidência da República, instado por José Sócrates entre outros, e entre outras razões porque havia sondagens (algumas delas publicadas, as outras confidenciais) que o davam como vencedor das eleições e, se não isso, pelo menos o único candidato capaz de interromper um passeio tranquilo de Cavaco Silva até Belém.

Ato contínuo, o PCP e o BE apresentaram os seus candidatos, os mais fortes que tinham, mas que de certa forma se anulavam mutuamente: os líderes. As candidaturas de Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã foram o equivalente, em xadrez eleitoral, a uma troca de rainha por rainha. Um esforço de soma zero.

Qualquer destes três candidatos, de uma forma ou outra, se sacrificou pelo seu partido.

Entretanto, Manuel Alegre apresentou-se correndo por fora e acabou por ter o melhor resultado da esquerda. E Cavaco Silva foi eleito à primeira volta, sim, mas com a maioria mais reduzida de qualquer eleição presidencial da democracia. O passeio tranquilo esteve a pouco mais de meio ponto de se perder.

O que se passou? Para mim, erros de leitura de dois géneros, aliás já evidentes na altura.

O primeiro foi um erro na leitura das sondagens, especialmente visível no resultado de Mário Soares, muito pior do que o esperado.

O que uma leitura simplista das sondagens esquece é que quando colocadas perante hipóteses que consideram implausíveis, as pessoas permitem-se dar respostas igualmente implausíveis. Como ninguém acreditava que houvesse mesmo possibilidade de Soares querer ser de novo presidente, as pessoas tomavam a liberdade de dizer que era isso mesmo que prefeririam. (É o caso, quanto a mim, das sondagens em que um grande número de portugueses aparece dizendo que quer ser espanhol: a verdade é que ninguém considera que a hipótese esteja mesmo em cima da mesa.)

Mas os políticos que decidem com sondagens na mão, como era Sócrates na altura (e foi Guterres antes dele) cometem este erro crasso de acreditar mais no número do que em tentar interpretá-lo.

O segundo erro foi na leitura das próprias eleições presidenciais, que são eleições muito especiais onde se revela aquilo que eu considero (porventura isoladamente) um entranhado republicanismo dos portugueses, que afinal vivem numa República com cem anos, e uma das mais três mais antigas da Europa. Os portugueses não gostam de mais do que uma reeleição (Soares que o diga) tal como não gostam de dinastias políticas (João Soares que o diga) tal como não gostam de ver candidaturas “do partido” em eleições pessoais (o PCP e o BE que o digam).

Curiosamente, os analistas que aplaudiram a escolha de Francisco Lopes pelo Comité Central do PCP parecem ter esquecido esta lição de há cinco anos. O resultado pode ser pior o melhor, mas o que interessa é se a candidatura tem condições para ter relevância para lá de um quadro partidário. Caso não tenha, é uma candidatura para picar o ponto.

Estas eleições, contudo, não podem ser para picar o ponto. A crise económica e o impasse político fazem delas um momento essencial para definir o que vai ser o país na próxima década. Cavaco e Alegre têm mais diferenças entre si do que, por exemplo, Sócrates e Passos Coelho. Antes do debate entre eles começar, as sondagens de 2010 estão tão incompletas como as de há cinco anos.

2 thoughts to “Lições de há cinco anos

  • Ana Luísa

    E vão dois que acham que os Portugueses assimilaram perfeitamente no seu horizonte mental o ideal republicano. Muito pela via da igualdade democrática que nos legou o 25 de Abril, diga-se e ainda que só raramente ganhem consciência prática disso.

    Um exemplo de situações em que o nosso Republicanismo se revela?

    Considere-se a frequência de estudos pós-graduados numa das Universidades do “tandem” Oxbridge: há duas alternativas de socialização e legitimação no meio académico e intelectual dos “colleges” (e também, mais prosaicamente, duas formas de almoçar à borla com frequência). Uma, consiste em obter A+ (a classificação máxima) em todos os ensaios; a segunda, chocantemente nos antípodas da primeira, consiste em ter “sangue azul” (alegadamente), o que normalmente também significa pagar propinas exorbitantes e contribuir com legados familiares de vinho do Porto para as lendárias caves da Universidade…
    O carácter não-meritocrático da última repugna a todas as esforçadas almas lusas que por ali passam e que, com métodos de trabalho mais ou menos stakhanovistas, logram praticar a primeira, sem ficar imunes à “copofonia” geral.

    Considere-se, agora, a hipótese, de umas férias na Ilha de Mull, na Escócia… Durante uma visita guiada por um jovem “mestre” em História de Arte, de sotaque cerrado e preferência gastronómica por arenque “deep fried”, a “genuflexão mental” às dinastias de MacDougals, MacLains, MacNamaras… e ao destino social das suas proles é tão evidente que chegamos a aventar assacá-la à mal-afamada “mentalidade de ilhéu”. Mas não, trata-se simplesmente dos clãs que acedem à corte de Sua Majestade que, na Escócia, não chefia a Igreja Anglicana, mas antes a Presbiteriana… (Ah! Ah! Um aparte: que belo “arranjinho” político para evitar a desagregação…)

    Última hipótese: conversa com um civilizadíssimo e pós-moderno professor, por exemplo, da Universidade de Utrecht, na Holanda, esse “farol” das monarquias constitucionais. Depois de uma tirada mais provocadora de uma interlocutora republicana: “o princípio da sucessão dinástica é incompatível com o princípio democrático”, o Professor lá acaba por admitir, mas muito a contragosto, que isso é, teoricamente – mas só teoricamente – verdade…

    Pois é… Enfim, o que lhes vale é, de facto, o princípio anglo-saxónico que os nossos últimos reis souberam praticar como ninguém, de acordo com o qual “um Monarca deve reinar, abstendo-se, contudo, sempre de governar”.

    Dos tempos das dinastias reinantes, tenho, porém, confesso, saudade dos cognomes…. Por isso, aqui fica o meu alvitre para um baptismo do mesmo calibre aos Chefes-de-Estado do Portugal democrático:

    Ramalho Eanes, “o Militar-Civil”

    Aquele General que devolveu o poder aos “civis”, aceitando autolimitar-se, através da Revisão Constitucional de 82, lembram-se? Título tanto mais justo quanto, numa perspectiva política comparada, recordamos os “generais” que acedem ao poder por esse mundo fora, do Chile de Pinochet, à Birmânia de Than Shew.

    Mário Soares, D. Mário I, claro… e D. Mário II, também…

    Este dispensa glosa.

    Jorge Sampaio, o Constitucional

    Sempre justo, sempre equilibrado, sempre respeitador do sistema de “checks and balances” da Constituição. Pena que isso o tenha levado a, para ser fiel às suas premissas de guardião do texto constitucional, dar posse como PM a… Santana Lopes!!!

    E, por fim, Cavaco Silva, o Neo-Marcelista

    Sim, isso mesmo, do Marcelismo, do Marcelo Caetano do primeiro lustro da década de 70 do século XX…
    Marcelista na “forma”: lembram-se da “gaffe” do “dia da raça”? E de a “primeira-dama” ter participado nos chás das senhoras que se opõem à despenalização da interrupção voluntária da gravidez?
    Marcelista na “substância”: veto à primeira versão da lei das “quotas” nos partidos políticos, promulgação contrafeita da lei das uniões de facto, promulgação ainda mais contrafeita da lei do casamento homossexual…

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