A guerra do Afeganistão é agora pior do que uma guerra perdida: é uma guerra que não quer acabar.

Quando 90 mil documentos secretos sobre a guerra do Afeganistão são revelados, que ficamos a saber? Que os militares ocidentais matam mais civis inocentes do que revelam; que as chefias militares comandam esquadrões da morte; que as alianças no terreno são ambivalentes e hipócritas. Sim, é verdade: ficamos a saber aquilo que já sabíamos.

Mas não é por isso que estas revelações deixam de ser históricas. Aqueles que agora as desprezam como sendo triviais são os mesmo que antes se recusavam a admiti-las. Dizer que a verdade é trivial é apenas a nova forma que encontram de continuar a recusá-la.

Estranhamente, esta resposta tornou-se também opinião convencional entre os jornalistas. “Isto é verdade”, dizem, “mas não é novidade”. E então? Ao escolher a novidade contra a verdade, os jornalistas prestam um favor ao comando de guerra e um mau serviço à sociedade. A guerra do Afeganistão é agora pior do que uma guerra perdida: é uma guerra que não quer acabar.

Um exemplo: os ataques aéreos feitos por drones (ou seja: pequenos aviões telecomandados e não tripulados). Para a opinião pública dos EUA, os drones eram ovos de Colombo. Os “nossos” pilotos não estão lá nem pode ser abatidos; só os “maus” é que morrem. Genial!

Mas os documentos secretos revelados pela Wikileaks demonstram que estes drones matam muitos inocentes e que, quando caem, dão origem a custosas e violentas operações de resgate para que a tecnologia não caia em mãos inimigas. Os militares sempre souberam disso, e ocultaram-no.

E nós sempre pudemos saber — sem acesso a documentos secretos — que todas as novas armas de guerra têm um retorno. Tal como nas minas anti-pessoais, o problema não é o inimigo deter a tecnologia: é o conceito ter sido legitimado aos olhos da sua população-alvo. Quando um grupo terrorista telecomandar um drone sobre uma cidade ocidental, descobriremos que esta é uma arma cobarde. Toda a gente o dirá, — e se esquecerá de quem foram os primeiros a utilizá-la.

Desvalorizar a verdade como trivial só nos fará pagá-la mais cara.

Outra linha de ataque às revelações é comparativa. Diz-se nas redações: “o caso wikileaks não é como os papéis do pentágono, revelados em 1971, nem como o escândalo Watergate, que o Washington Post noticiou em 1972”. E aqui os jornalistas estão simplesmente equivocados. Deixaram que a memória os traísse e não fizeram trabalho de arquivo.

Como lembra corretamente Frank Rich, colunista do New York Times, é verdade que os documentos da wikileaks tiveram de partilhar as primeiras páginas com o casamento de Chelsea Clinton. Mas a revelação dos “pentagon papers” também partilhou a primeira página do mesmo jornal com o casamento da filha de Nixon. O trivial e o fundamental sempre partilharam as primeiras páginas.

E quem viu Os Homens do Presidente — filme de 1976 sobre Watergate — sabe como ele acaba, já depois do escândalo revelado (quem não viu o filme talvez queira saltar este parágrafo): os dois jornalistas trabalham noite adentro enquanto as televisões dão a notícia da vitória esmagadora de Richard Nixon na sua segunda eleição.

No filme, os ruídos do telex e o fato de veludo castanho de Robert Redford estão para os anos 70 como os documentos secretos gravados em CDs da Lady Gaga e a figura de Julian Assange, fundador da wikileaks, estarão para a nossa época. Seremos coloridos pelo trivial e definidos pelo fundamental. É que a verdade pode não ser novidade, e pode até não ser notícia. Mas não deixa de ser história.

One thought to “E se a verdade não for novidade?”

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