A última edição do Expresso revelou que José Sócrates tentou formar um governo de coligação com o CDS/PP, chegando mesmo a oferecer a Paulo Portas o lugar de Ministro dos Negócios Estrangeiros. A ter acontecido, isto foi ao mesmo tempo que Sócrates recuperava o seu arsenal retórico contra o conservadorismo, e depois contra o neoliberalismo. Pouco depois começou a governar numa coligação tácita com o PSD de Pedro Passos Coelho, isto sem deixar — em simultâneo — de o atacar, e o outro a ele. Desde então José Sócrates e Pedro Passos Coelho têm desempenhado uma espécie de versão política de uma roda de capoeira: um finge que ataca, o outro finge que se esquiva. Os seus partidos juntam-se num círculo em torno deles e batem palmas disciplinadamente. Sócrates pode declarar-se progressista e querer governar com Paulo Portas, antineoliberal e negociar com Passos Coelho, keynesiano e não dar nenhuma abébia à esquerda. Já nada disto quer dizer nada.
A missão de José Sócrates é chegar ao dia de amanhã vivo e primeiro-ministro. O convite de hoje destina-se a resolver a contradição de ontem; o beco-sem-saída de amanhã ver-se-á depois como fazer. É angustiante e fascinante e até um tanto aterrador. É como a pessoa que paga as dívidas do cartão de crédito anterior com o novo cartão de crédito e começar a pensar pagar essas dívidas com o cartão seguinte. Uma parte considerável de vocês, segundo as estatísticas, saberá do que estou a falar.
Deve ser do calor; mas nem está assim tanto calor. A Ministra da Cultura regozija-se pela demissão do Diretor-Geral das Artes, acusando-o retrospetivamente (numa manifestação de irresponsabilidade hierárquica e falta de civismo) de ter causado mil e um problemas. Ao mesmo tempo diz que não o demitiu antes porque ele era indispensável.
O tribunal da Relação desagravou as penas a Isaltino Morais, até agora um dos casos mais conhecidos de corrupção autárquica no país. Absolveu-o também do crime de abuso de poder e, indo mais longe, o tribunal decidiu reabrir a audiência — basicamente voltando a dar como improvados os factos que já estavam investigados e dados como provados. Para o próximo passo, as apostas dividem-se: beatificação ou canonização?
Num evento do PSD, o economista Ernâni Lopes defende que os salários dos funcionários públicos deveriam ser cortados em quinze por cento, ou vinte por cento, ou trinta por cento e — sem parar para tomar fôlego — proclama que isso deve ser feito de um momento para o outro e “sem explicar”. Ou, vá lá, explicando que não há alternativa, ou não explicando a explicação.
A cabeça roda e a gente imagina um governo com Paulo Portas na rampa para a popularidade fácil, Passos Coelho ventriloquando os ditâmes de Ernâni Lopes, Isaltino Morais como Secretário de Estado da Reforma Administrativa, assessorando um ministro Ricardo Rodrigues. Ou mais prático ainda: uma calculadora decente e Medina Carreira bastariam para governar a coisa sem eleições ou parlamento. O povo só dá problemas.
Em tempos nós teríamos uma boa piada para fazer sobre isto. Mas eramos então um país mais legível. Agora que a confusão tomou conta, resta-nos depositar todas as nossas esperanças na geração do filho do Cristiano Ronaldo.
3 thoughts to “Deve ser do calor”
Saber, sabem, mas fingem que não sabem porque é grande o prazer de não saber o que deviam saber, segundo as estatísticas do Senhor Outro que tudo sabe, nada sabendo, porque dá jeito saber, o que se vai sabendo, sem se saber. Por mim, só sei o que nada sei.
Só pode ser mesmo o calor.
o polvo contra a humanidade; isto da “democracia” já näo dá, é ridículo e preocupante,quantas pessoas se sentem ainda representadas por aquelas personagens recicladas após permanentes ajustes que nunca saiem de um eterno provisório e com os bancos a dar conselhos por cima ? o que resta na democracia senäo o povo especado sem poder nem meios para resolver os seus problemas esperando que o estado os resolva? estado que alimenta o ego e os bolsos de muitos milagreiros?
urge um novo sistema,os politicos que sejam criativos:a novela democrática já fede