Uma notícia mal amanhada bastou para acordar os jornalistas nacionais para o populismo anti-político. Já agora, mantenham-se acordados para as coisas sérias também.
Declaração de interesses: toda a crónica de hoje é uma longa declaração de interesses, às vezes mais interesseira, e talvez sem interesse nenhum. Mas dê-se o devido desconto.
Anda um tipo a esfolar-se durante meses para preparar dois relatórios do Parlamento Europeu, no caso sobre refugiados (um relatório é o documento que pode, entre outras coisas, alterar a lei europeia). Este trabalho incluiu dezenas de reuniões e consultas, incluindo visitas a campos de refugiados. Se for bem feito, permite dar uma vida nova a milhares de pessoas das mais vulneráveis do mundo. Os dois relatórios foram aprovados com mais de 500 votos, dos comunistas aos conservadores.
Não só sou eu. A minha vizinha e amiga do BE, Marisa Matias, fez um relatório sobre medicamentos falsificados que, sem exagero, se pretende que salve vidas. Bons colegas de outros partidos têm feito relatórios importantes. Carlos Coelho (PSD) sobre política de fronteiras e vistos. João Ferreira (PCP) sobre catástrofes naturais. Luís Paulo Alves (PS) sobre agricultura nas regiões periféricas. E deve haver outros, mas eu não sei deles.
Não sei, porque os jornalistas portugueses não noticiam. Tal como não noticiaram a recusa do acordo SWIFT com os EUA. Vejam bem: o parlamento chumba um acordo sobre anti-terrorismo com a super-potência global, protegendo assim os dados de milhões de cidadãos europeus, incluindo os meus e os seus. O assunto é primeira página na Alemanha, e destaque em França, no Reino Unido e nos EUA. Três deputados portugueses trabalharam sobre o assunto: eu, o Carlos Coelho, a Ana Gomes. Em Portugal, saiu quase nada.
O meu dilema até ontem era duvidar que fosse legítimo eu escrever sobre o assunto. Até que recebi um telefonema, e depois outro, e mais um email, que me fizeram sair do sério.
A imprensa portuguesa tinha finalmente acordado para o Parlamento Europeu e queria falar comigo. Mas apenas porque tinha aparecido uma estúpida notícia segundo a qual o Parlamento iria gastar 4,3 milhões de euros a comprar o novo aparelho da Apple — o iPad — para oferecer um a cada deputado.
A minha resposta foi imediata: os eurodeputados ganham dinheiro suficiente para comprar os seus próprios iPads. Eu mesmo o fiz, nas primeiras horas depois de sair a versão 3G. Se acharem que é uma boa ferramenta de trabalho, aproveitem e comprem para os seus assistentes (é o que estou a pensar fazer). Mas não pensem — principalmente aqueles que estão sempre a exigir sacrifícios aos outros, aos trabalhadores, aos desempregados — aumentar a despesa para dar presentes a si mesmos.
Há que dizer, contudo, que a notícia era estranha. Para começar, surgiu num dia em que o Parlamento estava fechado (era feriado na Bélgica) e não poderia ter feito qualquer anúncio. Em segundo lugar, alegava saber a opinião de um alto-funcionário do Parlamento que não é deputado nem pode decidir tais coisas. Para falar a verdade, ninguém era citado diretamente, nem eu conheço qualquer deputado a favor disto. O porta-voz do Parlamento negou haver qualquer iniciativa neste sentido. Os valores citados eram disparatados (736 iPads custam cem vezes menos). E ainda menos do que isso custa fazer um programa para avisar os deputados (e cidadãos) das ordens de trabalho, votações e relatórios do Parlamento, algo que defendo desde que lá cheguei.
Uma notícia mal amanhada bastou para acordar os jornalistas nacionais para o populismo anti-político. Já agora, mantenham-se acordados para as coisas sérias também.
9 thoughts to “Abram os olhinhos, pá”
Não acordam não, porque o que o senhor editor/editor-chefe/director manda mesmo é que se sigam as “pistas” que possam surgir, para, imagine-se!, descongestionar as páginas…
Obrigado Rui por nos manteres informado do que se vai passando por aí.
Dou por bem empregue o meu voto 🙂
diga isso ao seu patrão no publico 🙂
Percebo a indignação. Gostava de conhecer melhor o seu trabalho e o dos restantes eurodeputados (principalmente os portugueses). Só acho o tom inicial um pouco exagerado.
Cumps.
do stopogm.net:
http://stopogm.net/webfm_send/195
“Tudo indica, de acordo com a imprensa, que a Comissão Europeia trabalhou directa e intimamente com a indústria com vista a facilitar a aprovação de transgénicos na União. Em reuniões de que só agora se tem conhecimento, mas que arrancaram na sequência de um pedido confidencial de 2006 feito pela indústria a Durão Barroso, a Comissão e a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (AESA) discutiram e trabalharam com representantes da Monsanto, BASF, etc. O intuito, obviamente, foi de encontrar o melhor caminho para a introdução de transgénicos apesar da lei e da opinião pública.
Com este tipo de familiariedade – que sempre foi vedado às associações e representantes da sociedade – a Comissão mostra que não pretende manter qualquer aparência de independência, justiça, ou mesmo ética. Ainda mais grave pode considerar-se o papel da AESA, que é suposta ser uma entidade completamente fora da esfera do lóbi político e focalizada na verdade e rigor científicos.”
Também não temos ouvido falar disto nos jornais…
Bom dia
Artigo muito oportuno. Entretanto pergunto; onde posso obter os emials de todos os deputados portugueses no Parlamento Europeu?
Obrigado
Vítor
Desculpa Rui, mas esta espécie de manifesto só mostra aquilo a que já nos habituaste… um cri de coeur umbiguista, pequenino, tal como a pequenez que pretendes denunciar. Verdade, os jornais portugueses praticam uma versão deficiente do que se chama jornalismo. Mas daí a terem de noticiar os teus belos achievements… E essa tua defesa do iPad… “Eu mesmo o fiz, nas primeiras horas depois de sair a versão 3G. Se acharem que é uma boa ferramenta de trabalho, aproveitem e comprem para os seus assistentes (é o que estou a pensar fazer).” Obrigado por informação irrelevante (iPad + assistentes), depois de um começo exagerado: enfraquece o teu texto, e pronto.
Apetece dizer como já dizia o outro… vai mas é trabalhar! Parece que és bom a escrever relatórios. Tu próprio o implicas, embora aparentemente dê trabalho (mas o que é que não dá?). Então vá lá, vai “mudar a Europa”… não é para isso que estás aí?
Caro Rui Tavares,
este “post” vem mesmo a propósito.
Concordo consigo no que diz respeito à falta de atenção dos órgãos de informação que, por excelência, a deviam fazer circular. As edições on-line dos jornais portugueses são bastante fracas e procuro regularmente informações, opiniões e artigos, directamente nos websites dos partidos, ONGs, blogs e outras organizações.
Ao contrário do que acontece em alguns websites de partidos portugueses com representação no Parlamento Europeu, a homepage do website do Bloco de Esquerda não têm nenhum link (pelo menos que eu visse) para uma página dedicada aos deputados do BE no PE. Como não encontrei nenhum link escrevi um email a perguntar onde, se é que tal sitio existe, se pode acompanhar o trabalho dos deputados do BE no PE. Ainda não tive resposta. No dia seguinte acabei por encontrar parte do que procurava, embora o caminho não tenha sido muito óbvio.
Foi no Esquerda.net, “um portal de informação alternativa”, que encontrei um link que diz “Parlamento Europeu”. Este link liga a uma página chamada BEinternacional. À primeira vista, pensei que tinha escolhido o link errado porque, a primeira coisa que aparece são notícias que não têm directamente a ver com os deputados. Nesta página, o link “Uniao Europeia” liga a uma página também de notícias. Em cima e na “barra” do lado direito há um link “The Week” e “GUE/NGL” – que, diga-se de passagem, poucos cidadãos saberão o que é. E, aí sim: eis os deputados do BE no PE. Nas páginas “A voz dos deputados”, “Opinião”, “Temas e Documentos” encontrei parte do que procurava. Digo parte, porque a página “Quem Somos” foi actualizada pela última vez a 14 de Dezembro de 2009 e, comparativamente com a página do grupo parlamentar do BE na Assembleia da República, o site The Week/GUE/NGL, deixa algo a desejar.
Desconfio que este emaranhado de páginas e links, não seja a maneira mais clara e directa de fazer chegar a terceiros, informação relativa aos esforços dos deputados do BE no PE. Salvaguardo a hipótese, de haver uma boa razão para esta informação estar assim organizada, mas de momento não imagino qual possa ser. Era tão mais fácil se na homepage do site do BE houvesse um link directo e claro para a página do seus deputados no Parlamento Europeu, à semelhança do que acontece com o grupo parlamentar na Assembleia da República.
Não estou de forma alguma a culpabilizar o BE e a ilibar a imprensa das suas falhas. Mas um partido com a estrutura do BE podia gerir melhor este tipo de inconsistências.
Para lá de toda a polémica bloquista e de Tudo, penso que será mais do que ético colocar o seu lugar do P.E.à disposição do Partido que lhe permitiu ter uma experiência a que poucos mortais têm acesso: deputado do PARLAMENTO EUROPEU – ganhar 10.000 euros por mês, para além de outras regalias de não menor importância.
Aguardo que a diferença que a esquerda reivindica um dia se cumpra!!!!!!!!!!!!!!!
Os meus cumprimentos e uma longa e ética ao serviço do ideal democracia sempre e para todos.