À distância vejo que uma questão continua a pipocar de quando em vez na corrida sobre a liderança do PSD. Segundo o debate entre Pedro Passos Coelho e Paulo Rangel, continua em jogo saber se o discurso deste último no Parlamento Europeu sobre o caso PT/TVI, faz agora cerca de um mês. Afinal, de que se tratou? Foi uma corajosa defesa da liberdade de imprensa, como sugerem os apoiantes de Paulo Rangel, alertando a Europa para o que se estava a passar em Portugal? Ou foi uma irresponsabilidade, como insinua Pedro Passos Coelho e o PS, fazer tal discurso quando Portugal estava sob o olhar das agências de rating, colocando assim em risco a nossa economia? Pessoas que sabem que estou no Parlamento Europeu perguntam-me isto.
A minha resposta é: nem uma coisa nem outra.
Tanto quanto sei, a intervenção de Paulo Rangel foi aquilo que se chama de “discursos de um minuto”, normalmente apresentados na segunda feira da sessão de Estrasburgo.
Para vos dar alguns exemplos, aqui estão outros “discursos de um minuto” recolhidos ao vivo: uma deputada galesa fala sobre endometriose; um deputado cipriota fala sobre obesidade; um deputado britânico fala sobre as estradas no País de Gales; um outro deputado fala sobre a mistura entre a cafeína e o álcool (e por que não deve ser proibida pelo estado). Será um pouco o equivalente ao “período de antes da ordem do dia” na Assembleia da República, mas com a diferença de que cada deputado costuma falar sobre um assunto muito específico do seu país ou da sua região, principalmente para deixar em ata que falou.
Ficou então a Europa alertada para o facto de que Portugal já não era um “estado de direito”? Tanto quanto ficou para a endometriose, mas talvez com menos realismo. Terá então sido uma irresponsabilidade que colocou o nosso país à beira do colapso? Nem pensar.
Sem desprimor — enquanto escrevo estas linhas, eu mesmo espero que me chamem para o meu “discurso de um minuto” (sobre crise grega, economias do Sul e solidariedade). Serve para alinhar ideias, deixá-las registadas, e isso é bom. Mas não tem consequências práticas.
Para isso, Paulo Rangel deveria ter trabalhado por uma “questão oral à Comissão” (que é obrigada a informar-se ou até agir em caso de aprovação) ou um “debate com resolução”. Foi o que tentámos fazer para lidar com o problema — gravíssimo — do domínio da TV e da imprensa italiana por Berlusconi. Paulo Rangel, a propósito, votou contra.
***
Como todas as outras instituições, o Parlamento Europeu tem as suas regras e hábitos, e é de esperar que cidadãos supostamente informados, como Pedro Passos Coelho, tenham ao menos uma vaga ideia delas. Principalmente quando a instituição tem poderes a valer.
Na mesma semana do mês passado, o Parlamento Europeu chumbou um acordo entre os EUA e a UE para partilhar as informações de transações bancárias no âmbito da luta contra o terrorismo. Foi a primeira vez que aconteceu, porque o acordo era mau, desigual, e negociado nas nossas costas. Isto foi assunto de primeira página na imprensa da Alemanha, de destaque na dos EUA, e seguido com atenção na imprensa financeira. Com razão, porque se tratava de biliões (com b) de informações por ano sobre gente como você e eu.
A imprensa portuguesa quase não falou disto. Os correspondentes lá vão tentando. E os deputados com coluna na imprensa não podem (francamente) ir fazendo dela o seu boletim parlamentar.
Resta que os leitores entendam, e vão exigindo saber.
Rui Tavares
3 thoughts to “Boletim de Estrasburgo”
Caro Rui Tavares
Achei de imensa oportunidade este seu texto, dado que me ensonou algo que não sabia!
Obrigado
abraço
a.Küttner
Olá. É só para indicar a existência de um blog novo:
olhequenao.wordpress.com
Abraço. JG
Como é que o Rangel podia saber…está no PE há pouco tempo…mas é de reconhecer que já ultrapassou laragamente Deus Pinheiro no seu regresso à Casa da Democracia.
Rangel não terá grande motivação para aprender as regras de procedimento do PE, visto que pretende abandoná-lo… aliás não sei se nas últimas semanas terá aparecido em Estraburgo.
Talvez o Rui Tavares me consiga esclarecer este ponto. Quanto a não se poderem formular opiniões, por estas eventualmente poderem prejudicar a imagem de Portugal,é uma ideia extremamente perniciosa para a liberdade de expressão. Liberdade de expressão é isso mesmo: poder dizer coisas desagradáveis e incómodas para um país e seus dirigentes. Os tiranos só mandavam abater os portadores de más notícias…