Quando não temos conhecimento perfeito sobre os resultados possíveis de uma nossa acção, decidimos com base em probabilidades e riscos. Altas probabilidades de baixos riscos, por exemplo, tornam a inacção apetecível. Altíssimos riscos, mesmo em baixas probabilidades, urgem-nos à acção.
Existe pouca gente, no debate sobre as alterações climáticas, que pode alegar ter conhecimento perfeito — até porque conhecimento perfeito não há. Entre quem estuda o clima a sério e sabe sobre o assunto, parece haver uma quase unanimidade em dois pontos. São eles: primeiro, o clima está a mudar; segundo, a mudança tem origem na acção humana e em particular na poluição atmosférica.
Do outro lado, há também gente que estuda o assunto — em geral são não-cientistas, ou cientistas de áreas que pouco têm a ver com o assunto — e que proclama ter a certeza absoluta contrária, ou dúvidas quase absolutas sobre qualquer dos dois pontos acima. Para alguns destes opositores, não há alterações climáticas; para outros, há alterações mas que não foram provocadas pela nossa opção; para outros ainda, há alterações, foram provocadas por nós, mas não há nada que possamos ou devamos fazer.
O que uns e outros — especialmente os cépticos — parecem não ter em conta é como devem ser formuladas escolhas políticas numa situação de conhecimento imperfeito.
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Seria óptimo – óptimo – que os cientistas estivessem errados e que os cépticos, na sua maior parte amadores, acabassem por ter acertado. No imediato, isso daria uma grande história. A longo prazo, as alterações climáticas seriam esquecidas como uma moda do tempo e acabariam por ser arrumadas ao lado de outros medos dos tempos passados.
Na pratica, este é um exemplo clássico de como altíssimos riscos nos devem levar a agir de forma decisiva. Os efeitos de um aumento das temperaturas medias no planeta seriam desastrosos. E muito provavelmente serão irreversíveis. Ora acontece que só temos um planeta para gastar. Se dermos cabo dele nos próximos tempos, acabou-se a brincadeira.
Teríamos razoes suficientes para agir mesmo que fossem baixas as probabilidades de um alto risco. Mas quando a maioria dos especialistas está de acordo, teremos de admitir que sao altas probabilidades de alto risco.
O que os cientistas, ambientalistas e políticos minimamente sérios têm para nos oferecer é muito: uma hipótese de salvar o planeta e, de caminho, construirmos uma industria menos poluente, uma economia ambientalmente relançada e uma nova relação entre ciência e escolhas publicas.
E que tem para nos oferecer os cépticos? Propriamente nada. Dizem apenas: confiem em nós. Não se passa nada. Continuem a poluir como até agora.
Se os cientistas estiverem certos, safamo-nos e construímos uma economia melhor. Se estiverem errados, safamo-nos de certeza – essa e a boa notícia – e construímos na mesma uma economia melhor – essa é a segunda boa noticia.
Se os cépticos estiverem certos, continuamos com uma industria poluente e sem incentivos para a mudar. E se os cépticos estiverem errados? – aí, lixamo-nos de vez.
O espirito de Copenhaga, para quem não tem conhecimento perfeito, só pode ser este: mesmo que se alimente a secreta esperança de os cientistas estarem errados, dar tudo por tudo para salvar o planeta como se eles estiverem – e provavelmente estão – certos.
[do Público]
8 thoughts to “Uma aposta simples”
Já tinha publicado este comentário lá mais abaixo.
Venho agora colocá-lo no lugar certo, embora a discussão possa continuar lá mais a baixo.
Ou saltar para aqui, como quiserem.
Foram propostas muitas provas da existência de Deus. Blaise Pascal propôs uma das mais originais, de natureza probabilistica: Que perdemos se acreditarmos em Deus, e Deus não existir? Nada! Que perdemos se não acreditarmos e ele existir? Tudo! Na dúvida, é mais seguro acreditar em Deus.
Rui Tavares repetiu o argumento de Pascal a propósito da questão das mudanças climáticas. Reconhece que há dúvidas sobre a sua existência, ou sobre o facto de serem provocadas pela industrialização. Que perdemos se os críticos tiverem razão? Nada! Se eles estiverem errados? Tudo! Será mesmo assim? Nem pouco mais ou menos. Rui Tavares comete o erro de confundir as mudanças provocadas pelo clima com o problema global do ambiente. Se quase todos os nosso recursos forem usados para resolver um pseudo problema, como vamos resolver todos os outros problemas do ambiente: chuvas ácidas, poluição das águas, acumulação de lixo e metais pesados nos ocenos, destruição das florestas equatoriais. Precisamos simultaneamente de mais recursos e de restringir o crescimento. Escolher a frente de combate errada é um erro que não nos podemos dar ao luxo de cometer.
Rui Tavares dia também que os cientistas acreditam na realidade do aquecimento global e quem se opõe são os leigos. Está mal informado. Há muita gente a tentar-nos convencer disso. Há mecanismos que contribuem para que muitos cientistas se calem. Há muitas verbas para investigar o aquecimento global. Quem falar publicamente contra fica excluido dessas verbas. Isso vai afectar a carreira do whistleblower e dos seus colaboradores. Os cientistas não são nem mais nem menos corajosos do que as outras pessoas. Não é por acaso que a pessoa que mais tem falado sobre o assunto em Portugal, o Professor Delgado Domingues, é reformado.
De facto: Ora acontece que só temos um planeta para gastar. Se dermos cabo dele nos próximos tempos, acabou-se a brincadeira.
“Salvar o planeta” é o tipo de frases que como Biólogo me irritam profundamente, principalmente porque é completamente errada!
Nem o planeta nem sequer a vida na Terra precisa do Homem para nada! Certo é: se esgotarmos todos os nossos recursos, se poluírmos a atmosfera ao máximo possível, se acabarmos de todo com a água potável e se todos os glaciares derreterem o problema é única e exclusivamente nosso e de provavelmente alguns animais e plantas, que não constituem sequer 1% dos organismos que habitam o Planeta! “Salvar o planeta” nos termos em que é usado não significa mais do que salvar a nossa pele e por isso são tão importantes as preocupações ecológicas. Se alguém estiver preocupado com a vida na terra pode ficar descansado, que se nós dermos cabos de nós mesmos outros organismos ficaram mais do que contentes em ocupar o nosso espaço. Assim tem sido a história da vida na Terra e, se quisermos continuar a existir, é o próprio ciclo natural que teremos de quebrar ou seremos apenas mais uma das espécies que se extinguio!
O Rui Tavares põe a questão duma forma muito simples e clara e, na dúvida, parece ser mais inteligente alterarmos comportamentos (cortar na poluição e nas emissões de CO2 para a atmosfera, apostarmos nas energias não poluentes e na poupança de recursos, nomeadamente água potável) em vez de continuarmos com o mesmo modelo de crescimento esperando que os tais cientistas não tenham razão.
Reparem que em Portugal, sem grande estardalhaço, temos uma interessante (e crescente) percentagem da energia consumida proveniente de fontes limpas, com particular destaque para a eólica.
Quanto ao comentador Pedro, ainda não perceber que quando se fala em salvar o planeta fala-se, obviamente, em salvá-lo enquanto veículo adequado à vida humana.~Não será obvio?!
Em polémica (também) consigo. Não podia deixar de o avisar.
http://5dias.net/2009/12/11/no-hopenhaga-1-2/
Saudações e continuação de boas vibrações.
Caros comentadores, a idéia foi transmitida de maneira louvável! Se não entenderem, por favor releiam as frases acima, percebendo que não se trata de “salvar” o planeta porque o planeta não precisa do homem pra nada e etc ou se é mais seguro acreditar em Deus… Se trata de algo que é mesmo grave e a menos que vocês entendam e muito bem sobre meio ambiente e sobre ciência, por favor se reservem no direito de ficarem calados. Rui Tavares lançou-nos uma reflexão e esta reflexão é muito válida, levando em consideração a responsabilidade com o futuro que guardamos. Nós deixaremos um mundo para as gerações futuras, assim como “pegamos” um mundo construído pelas gerações passadas (que nos jogaram literalmente no fogo globalizado)e graças ao bom Deus temos a capacidade de pensar e agir a tempo de degradarmos ainda mais o meio ambiente e continuarmos o trabalho que tiveram os seres humanos que existiram antes de nós.
Uma coisa é certa, entendem bem o significado da palavra morte? Entendem bem o que é não poderem respirar e nem sentir? Conhecem o ditado do “Templo de Diana” – nós ossos que aqui estamos, esperamos pelos vossos” – perceberam? A nossa cabeça actual, antes de sermos enterrados a sete palmos do chão e nos transformarmos assim em mais um elemento químico do meio ambiente, traçará a “qualidade” da terra que nos acolherá e que acolherá os nossos descendentes.
“Teríamos razoes suficientes para agir mesmo que fossem baixas as probabilidades de um alto risco. Mas quando a maioria dos especialistas está de acordo, teremos de admitir que sao altas probabilidades de alto risco.” – Rui Tavares percebe o ditado do “Templo de Diana”.
«Se quase todos os nosso recursos forem usados para resolver um pseudo problema»
Se as emissões forem taxadas tendo em conta o prejuízo marginal ponderado pela respectiva probabilidade, temos a solução mais eficiente para alocar os recursos que dispomos.
Taxar menos que isso (zero, como acontece agora) é que corresponde a um gasto de recursos (devido à alocação menos eficiente dos mesmos).
Isto é economia clássica. Externalidades.
Lutar contra as alterações climáticas, no estado da situação actual, não corresponde a um gasto de recursos; corresponde a um ganho de recursos.
Uma perspectiva interessante. Ficcional, mas interessante:
http://criticanarede.com/html/ark.html