Não esperem que os monárquicos belisquem o simbolismo republicano; para isso está cá o Presidente da República.
Ainda não faz dois meses, um grupo de jovens “guerrilheiros simbólicos” subiu à varanda da Câmara Municipal de Lisboa para aí substituir a bandeira da República pela monárquica. Na altura, argumentei numa destas crónicas que eles se tinham limitado a prestar uma involuntária vassalagem ao simbolismo da República. O que os jovens monárquicos tinham feito era ritualizar — ou seja, repetir os gestos — da proclamação da República; e a ritualização é uma forma de homenagem.
Chegado o dia do 99º aniversário da República Portuguesa, eis que a pior machadada contra este simbolismo foi desferida — nem mais nem menos — pelo Presidente da dita República.
(É sempre assim, não é? E aqui está um pensamento perturbador: não há piores inimigo de um sistema do que os seus principais agentes. Não esperem que os monárquicos belisquem o simbolismo republicano; para isso está cá o Presidente da República. Não peçam aos comunistas para destruir o capitalismo; os banqueiros dão cabo dele muito mais depressa.)
Que fez Cavaco Silva? Ao retirar o seu discurso dos Paços do Concelho de Lisboa, onde a República foi proclamada e é tradição os presidentes discursarem, demonstrou menos respeito pelo simbolismo republicano do que os jovens monárquicos que é suposto combaterem-no. Ao mudar esse discurso para o Palácio de Belém, levou a República a prestar-lhe vassalagem a ele no dia em que era suposto ser ele a prestar homenagem à República — prestar homenagem à história da República que começou ali e de que ele é apenas uma parte. Como disseram vários blogues, o que Cavaco Silva fez foi transformar o Dia da República em Dia da Presidência. Nada que espante em alguém que nunca teve grande sensibilidade interpretativa que, em sentido lato, é sensibilidade cultural.
***
Isto já seria suficientemente mau. Receio que pior ainda seja a razão apresentada. Por causa da proximidade com as eleições autárquicas, alega-se, Cavaco Silva considerou que discursar da varanda de uma Câmara Municipal o colocaria numa situação de parcialidade indesejável.
Ora, daquela varanda foi proclamada (e não por acaso) a República que naquele dia se comemorava. Na sua ânsia de se afastar de tudo e de todos, com medo sabe-se lá de que contágio, Cavaco Silva acabou por perder a melhor das oportunidades para fazer pedagogia democrática, enaltecendo o valor das eleições autárquicas.
Falando aos portugueses a partir da varanda, Cavaco Silva lembraria que a República começou numa Câmara Municipal. E diria, por exemplo, que embora ela faça 99 anos no país, naquela Câmara Municipal era já tem mais de cem anos.
Sim, notaria ele, a primeira vitória dos republicanos, ainda antes de haver República no país, foi nas eleições para a Vereação de Lisboa que se realizou pouco mais de um ano antes do 5 de Outubro de 1910. E — para que ficasse claro que falava para todo o país e não só para a capital — explicaria que as eleições locais são cruciais porque as cidades — e as vilas, e as aldeias — são os primeiros laboratórios da política.
E poderia terminar dizendo que, após um ano de três eleições, desejaria que os portugueses não se revelassem cansados de política. Porque a política começa e acaba sempre perto de nós. E porque, como vemos, na varanda de uma qualquer Câmara Municipal do país pode caber desde a resolução do problema mais prosaico à proclamação do mais alto idealismo.
3 thoughts to “Da varanda”
Mais um óptimo artigo de opinião que desta vez daria um Óptimo discurso para comemorar os 99 anos nossa república que tanto e tão vilmente tem sido atacada e injuriada pelos seus mais altos responsáveis.
Rui Tavares a Presidente!
….mas haverá alguém a defender a República?
A memória aqui escasseia.
Primeiro não foi o PR Cavaco o primeiro a iniciar o “pudor partidário” que tudo branqueia…até a data fundadora da República…já o Sr Sampaio tinha tiques semelhantes, os quais dão pelo nome de “partidarite” (o prefixo -ite significa em medicina infecção aguda, o que cai que nem uma luva à generalidade dos ocupantes de Belém)
Segundo, não são os “próprios agentes” o pior inimigo da Republica pois a moça (a Republica) só tem apoiantes no seio da classe politica…tal é repartição e distribuição de riqueza pelos seus “legitimos” representantes.
O pior inimigo da Republica é mesmo a qualidade intelectual daqueles que fizeram da representação da menina do barrete uma profissão
Terceiro, o episódio de 10 de Agosto não foi qualquer vassalagem à republica, nem tão pouco uma cópia de manifestações republicanas….foi mesmo pór a bandeira monárquica no principal símbolo da Republica!…debaixo do nariz do vice Presidente da autarquia lisboeta…lol
O qual não reconheceu o erro, o que é normal no “modus operandi” republicano
Quarto…não deixa de ser curioso que um fervoroso pseudo-apoiante da República ataque o seu principal simbolo só porque este trocou de varanda para dizer as mesmas generalidades que todos disseram até hoje…mas percebe-se que de republicano a situacionista a diferença seja pouca , ainda para mais quando se está dentro do sistema do “deixa andar”.O que interessa, tal como no sec. XIX é dizer mal, mesmo quando não se diz nada e pouca vontade há para o fazer.
O que doi nos “republicanos” actuais é haver
….ainda quem tenha “fruta” para fazer aquilo que muitos apenas leram nos manuais escolares…arriscar sair à rua para defender algo que o sistema combate.
Isso sim é dificil e faz dos monárquicos a mais genuína força vital desta nação, aquela que só tem a perder com as convicções que defende, que o faz porque acredita e não por um cargo ou posto, a mesma que em 1640 correu com os parasitas do Poder e Restaurou aquilo que de mais representativo existe no povo e cultura portuguesas
O REI
VIVA O REI!