Alguém pode citar grandes realizações das nossas elites nacionais que facilmente aguentassem a comparação com aquilo que de melhor se faz no mundo? É difícil.
Elite quer dizer, essencialmente, distância. Uma elite distancia-se de duas formas diferentes: no primeiro caso, fá-lo pelas suas realizações; no segundo caso, fá-lo empurrando o resto da sociedade para trás. A distância entre elite e o resto da sociedade está lá; mas foi atingida de duas formas completamente diferentes.
Não é difícil imaginar qual das duas formas é mais benéfica para a sociedade como um todo. Feliz a sociedade na qual a elite precisa, para se manter elite, de lutar sempre por realizações novas e constantes, de estudar e trabalhar mais, em suma, de fazer tanto quanto se faz de melhor pelo mundo fora em cada área. Em muitas outras sociedades, contudo, a elite segura o seu lugar deixando o resto da sociedade na desigualdade de acesso à riqueza e ao conhecimento. A distância é a mesma; as sociedades são radicalmente diferentes e tendem a aumentar as suas diferenças.
Não é difícil, também, adivinhar em qual dos casos se encontrou Portugal em grande parte do século XX e, para dizer verdade, em grande parte da sua história. Alguém pode citar grandes realizações das nossas elites nacionais que facilmente aguentassem a comparação com aquilo que de melhor se faz no mundo? É difícil. Por contraste, o único português vivo que detém um Prémio Nobel é um homem nascido no Ribatejo pobre e a quem a ditadura nunca garantiu o acesso ao ensino superior. Quantos josés saramagos se perderam durante o século XX português? Quantos possíveis Prémios Nobel noutras áreas poderíamos ter tido? Nunca o saberemos, evidentemente. Mas sabemos perfeitamente que a nossa elite nacional lá se foi aguentando, mediocremente, com a sua distância em relação ao resto da sociedade sempre mantida da forma mais preguiçosa, e menos produtiva para a sociedade como um todo.
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Com a urbanização e a industrialização do país, alguma pressão foi colocada sobre as elites nacionais. Cada português ganhou alguma oportunidade de acesso ao conhecimento e de mobilidade social. E a sociedade ganhou com os efeitos acumulados — com as “externalidades positivas”, diriam os economistas — desse processo.
Mas a ruptura política do 25 de Abril foi um momento crucial nesta história, e não é por acaso: este é um problema político. Se quiserem, este é um problema do consenso político que a sociedade tem sobre si mesma. Saber, por exemplo, se a rigidez social do país deve ser aceite um facto da natureza — ou saber, por outro lado, se os filhos das classes baixas devem ter acesso à Universidade — foi provavelmente uma das grandes questões para que os portugueses queriam resposta a seguir à revolução. Isto é política, como já tinha sido na Iª República ou no início do Liberalismo monárquico. A questão de saber se a elite nacional teria dever a ganhar a sua distância com trabalho, ou se teria direito a mantê-la sem ele, — eles são distintos ou têm de distinguir-se? — esteve sempre presente na política nacional.
Hoje há dois elementos a acrescentar a esta história. Um deles é a “precariedade”; o outro é a “sociedade do conhecimento” — para dizer a verdade, são os dois mesmíssimos elementos que já conhecíamos, mas com novos nomes. E a questão fundamental continua a ter de ser respondida. Quando através da precariedade se desperdiça a capacidade das novas gerações, ou através das propinas altas o acesso ao conhecimento volta a ser socialmente condicionado, o Estado vai estar do lado de quem?
8 thoughts to “Distinção e distância”
Rui Tavares é um daqueles homens a quem se vislumbra nos olhos simplicidade e bondade.
Porque bondoso é o homem que arrepia caminho das pseudo elites que tem estiolado o país.
O problema é, hoje, no entanto, complexo. As elites do privilégio amedrontam-se com a crise e temem para si o pior. O que será dos seus filhos, interrogam-se, face a esta estranha globalização e massificação do conhecimento que poderá colocar os seus mais que tudo num patamar inferior, aos seus pais, na escala social.
É que hoje o problema está disfarçado pelas guerras ideológicas e pelas assunções dos espaços partidários.
Mas propinas e precariedade farão o favor de repor a desigualdade. Bem como o, para breve, controlo da blogoesfera e de todos os canais que promovam igualdade de conhecimento e participação. Porque em Portugal não se é, nem nunca se será, pelo mérito ou pelo conhecimento, mas pelo nome e pelo poder do … papá!
Estamos a necessitar “todos” de mudar a forma tão “formatada” como para tudo olhamos. Tendo “todos” sempre o convencimento que estamos certos de tudo! Temos “todos” que ser mais abrangentes em ideias, em acções, e efectiva e necessariamente dar uma volta nesta embri«ulhada em que estamos. Talvez começando por nós proprios, e não estando sempre e só a dar cabo do vizinho, não poucas vezes nem nos importando com o que diz ou faz, mas com a pessoa!!!
Confesso que elites e elitismo são palavras que sempre me causaram uma certa urticária…
Você tem uma classe que é uma coisa impressionante, caro Rui.
“Quando através da precariedade se desperdiça a capacidade das novas gerações, ou através das propinas altas o acesso ao conhecimento volta a ser socialmente condicionado, o Estado vai estar do lado de quem?”
O texto teria obviamente de culminar numa inversão dos termos para servir um imperativo categórico populista.
A precariedade e as propinas elevadas não são resultado de um congeminação entre as “elites” para se manterem enquanto tal.
Se pode provar isso que disse, prove-o, mas creio que não. No mundo fantasista dos discursos ideologicamente motivados, as pessoas agem como autómatos que servem um propósito grosseiro último que é, invariavelmente, determinado por quem elabora o discurso, nada mais do que isso. Este também se configura como um discurso atractivo a todo o tipo de teorias (mirabolantes) de conspiração.
Uma análise minimamente realista rejeita este tipo de discursos e asserções por se basearem em tantas hipóteses não-provadas e não-justificadas e, para além disso, dependerem de uma conspiração pouco razoável de levar a cabo sem que esta deixa rastro em redes sociais e serem, por conseguinte, desmontáveis e desmontadas. Em suma, é tudo o que não se quer.
Uma teoria mais razoável, por assentar em menos hipóteses não-provadas e não-justificadas e não depender de um “fine-tuning” de parâmetros (conspiração entre elementos) é esta:
1. As propinas são elevadas por estes factores (concorrentes):
a) há quem queira fazer dinheiro
b) há quem queira viver razoavelmente como funcionário da universidade
c) a esmagadora maioria dos estudantes ao longo de um curso não gera valor para sociedade (pelo menos nenhum valor que a sociedade reconheça, esteja disposta a reconhecer, ou os estudantes não sabem impor-se enquanto valor legítimo para a sociedade, etc.). Por outro lado, quem quiser aprender dispõe hoje em dia de tudo o que precisa sem necessitar de universidade(s), excepto:
c.1) um professor que faça a selecção, gestão programática e parcial digestão dos conteúdos para consumo.
c.2) uma bateria de testes/exames etc. que atestem da real (?) capacidade do aprendiz nas diferentes matérias.
Ora, sendo o c.1) operacionalmente importante, o c.2) não tem importância operacional no “aprender” per si. O c.2) só existe exactamente para instituir valor/reconhecimento social ao aprendiz, deste face à sociedade, aos empregadores e, em geral, como recurso humano.
Conclusão: nas universidades é preciso pagar para ter o canudo. Isto percebe-se ainda melhor se notarmos que o que 90% (número-figura-de-estilo, mas parece-me razoável) dos estudantes universitários pretende é o canudo e não o de desenvolver competências intelectuais.
d) os universitários sabem fazer coisas da categoria X. Na sociedade há apenas 0.05% de pessoas a dar valor às coisas da categoria X, porém, 99.95% da sociedade dá valor a coisas da categoria Y, que são produzidas por não-universitários. O que tem mais valor? Um não-universitário.
2. Se a precariedade desperdiça a capacidade das novas gerações, então aproveite-as, ensinando aos outros, “os que as deviam aproveitar e não aproveitam”, como se faz. Os motivos para a precariedade são vários, entre os quais o da própria definição:
a) Porquê precariedade?
b) Um ET (observador independente e não viciado historicamente) chega à terra e pretende avaliar se o trabalho é precário, como o faz?
c) Laxismo e preguiça.
Por exemplo, ser deputado europeu tem valor social nulo. Mas as instituições (elites, poder, repressão) submetem-se às pessoas, extorquindo, daí o ordenado bastante acima da média que estes auferem.
mais um:
Existem várias asneiras, e grosseiras, no comentário que teceu.
Por não ter tempo de esclarecer os vários erros, e refutar as várias falácias, destaco esta passagem:
« os universitários sabem fazer coisas da categoria X. Na sociedade há apenas 0.05% de pessoas a dar valor às coisas da categoria X, porém, 99.95% da sociedade dá valor a coisas da categoria Y, que são produzidas por não-universitários. O que tem mais valor? Um não-universitário.»
Destaco pois trata-se da repetição de um erro comum. Tão comum quanto distante da realidade.
Por essa razão exorto as várias pessoas que repetem este disparate ou outros semelhantes a conhecer um pouco a realidade antes de “disparatar”.
Convido-os assim a ler este texto em que destaco alguns resultados de um estudo feito a este propósito:
http://esquerda-republicana.blogspot.com/search?q=universidade+rematado+disparate
Sendo eu um doutorando, estarei distante da realidade?
Não percebeste o argumento porque és um moralista e, como tal, pretendes utilizar o estado como veículo do valor que atribuis às coisas.
Embora seja indiscutível que a formação superior, quando proveitosa, pode ser bastante benéfica na sua transposição para a sociedade, o ponto relevante aqui é “quando proveitosa”. Isto é, cursos que não de índole puramente científica e/ou científico-tecnológica não têm qualquer valor.
Sobre a porcaria de estudo que referes: eu não te vou explicar porque razão o salário que um licenciado aufere pouco ou nada diz sobre o valor que este desempenha na sociedade. Diz algo, isto sim, sobre o valor que este consegue sorver da sociedade. São coisas diferentes e, tanto pior, quando temos um estado a desequilibrar o valor das coisas, sendo em geral composto por um grupo de sujeitos moralistas como tu que resolvem arbitrar o que tem ou não tem valor por via da repressão fiscal e subsequente investimento público.
Portanto, antes de chamar grosserias ou asneiras ao que eu escrevo, mete a mão na testa. Rapaz, eu penso melhor que tu, sempre. Que nota tiveste nesse curso miserável de física? Conta lá à gente. És um campeão mas só na lida da banha da cobra tipo worm em caixa de comentários.
«Sendo eu um doutorando, estarei distante da realidade?»
Peço desculpa.
Por momentos esqueci-me que os doutorados são infalíveis.
O argumento que deu para mostrar que tem razão na crítica que apontei é infalível: sem mais, agitou o canudo. Face a isto que resposta poderei dar?
«Não percebeste o argumento porque és um moralista e, como tal, pretendes utilizar o estado como veículo do valor que atribuis às coisas.»
Isso é invenção sua.
«Sobre a porcaria de estudo que referes: eu não te vou explicar porque razão o salário que um licenciado aufere pouco ou nada diz sobre o valor que este desempenha na sociedade.»
Pois, como o estudo apresenta conclusões inconvenientes, menos compatíveis com a sua forma de ver o mundo, torna-se uma “porcaria”. Curioso…
«Diz algo, isto sim, sobre o valor que este consegue sorver da sociedade. São coisas diferentes e, tanto pior, quando temos um estado a desequilibrar o valor das coisas»
O argumento morre pelo facto do sector privado não distinguir menos entre licenciados e não licenciados que o sector público.
«Rapaz, eu penso melhor que tu, sempre. »
Sim, já sei. É doutorado e tudo!
Mas eu prefiro não fazer desta conversa uma comparação de canudos para ver qual é maior.
Na verdade devo confessar que isso me parece um pouco pedante.