Há uns anos, a revista The Economist decidiu publicar um texto só com palavras curtas, porque Winston Churchill tinha dito uma vez que as palavras curtas eram as melhores. O autor ou autores, anónimos como sempre naquela revista, pareciam orgulhosos pelo seu feito, e convencidos de que tinham produzido um escrito pragmático, sucinto, preto-no-branco, claro, concreto e totalmente isento de toda a conversa fiada.
Estavam errados. O texto era ilegível, o que até a mim surpreendeu. Aquela sucessão de palavras estreitas, na matraqueação das suas quase sempre duas sílabas, era o equivalente literário do ruído da electricidade estática e fazia da folha impressa uma paisagem de cagadelas de mosca. Sem palavras compridas, difíceis ou rebuscadas, não havia nada a que o cérebro se pudesse agarrar, nada que o intrigasse ou o forçasse a perder tempo, nada que segurasse a sua atenção. O texto declaradamente mais objectivo e anti-elitista era na verdade o mais arrogante e pseudo-intelectual dos manifestos. Assim é; e assim é também com a ideia equivocada, dominante no jornalismo literário, de que um bom texto deve ser feito de frases curtas.
O texto escrito precisa de palavras curtas e palavras compridas, precisa de frases breves e de frases longas, precisa de linguagem concreta e de linguagem metafórica. O texto precisa de ritmo e esse ritmo só se consegue pela utilização de elementos diferenciados; mas o ritmo de um texto literário não é como um ritmo musical — ele não obedece sempre ao mesmo tempo, não cai em compassos, não é metronímico — e tem de ir sendo calibrado à mão em cada parágrafo, uns mais lentos, outros mais rápidos, outros que se desdobram em subordinadas. E também: frases sem verbos. O ritmo do texto não é tão regular nem sincopado como o da peça musical porque a sua busca é a da fluência. Fluência como a das melodias não musicais nas suas modulações sucessivas — como nos cursos de água, na brisa e no vento, nas chuvadas.
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A doutrina que defende as palavras e as frases curtas é a mesma que nos diz tantas vezes: não uses adjectivos. E acrescenta: não há nada que tenhas para dizer que não possa ser dito com verbos e substantivos. Vamos supor que fosse verdade (não é). Por que raio serem supérfluos os adjectivos nos deveria privar do uso deles? Por franciscanismo literário? Não pode ser. São Francisco de Assis era um exímio utilizador de adjectivos; as mais contemplativas das palavras, nascidas de uma espécie humana amadurecida que se libertou da pura acção e aprendeu a observar as qualidades das coisas. Será então por calvinismo literário.
O último objectivo do calvinismo literário é acabar com os pontos de exclamação. Que são desnecessários (mais uma vez) e ferem a vista e são apanágio de maus escritores. Mesmo que tudo fosse verdade seria errado. Sim, os maus escritores abusam dos pontos de exclamação; mas querer proibi-los pode fazer de nós escritores medíocres.
Eu também sonho às vezes com uma escrita que fosse só palavras, sem convenções gráficas. Mas a escrita é toda ela convenção; e logo vejo que há sinais gráficos a menos e não a mais. Eu por mim inventaria mais quatro ou cinco: para a falsa exclamação, para a pergunta interrompida, para a dúvida afirmativa, para a frase incompleta —
[do Público]
5 thoughts to “Bom! Bonito! Barato!”
Calvinismo? Não sei como escreveu o próprio Calvin, mas acho que, por exemplo, o Calvinista John Milton usou os adjectivos e frases compridas muito bem, e não há falta destas coisas na literatura escocês.
Estou inteiramente de acordo. Mas há um mas… Não há sempre? Infelizmente, conheço demasiados estudantes de doutoramento que não sabem escrever uma frase, simples ou complicada. E ai’ as frases “sofisticadas” parecem muito piores. Mas é verdade, é um problema de escrita em geral, não de frases curtas ou longas.
Cumprimentos.
Os preconceitos são sempre patéticos.
O que o Rui escreve é poesia. Parabéns!
Pois eu cá gosto de pontos de exclamação, de interrogação, de reticências… de palavras compridas, curtas ou inventadas, porque às vezes as que temos não servem e o que interessa realmente é a precisão com que usando-as nos exprimimos.