Passámos os últimos anos a discutir O Grande Tema — que foi o controle do deficit — e a escolher criteriosamente se um aeroporto deveria ir para a Ota ou para o Seixal. E quem nos dá os últimos dez anos de volta?
O momento em que nos apercebermos de que tudo o que foi dito nos últimos anos foi tornado irrelevante (ou como se diz em português corrente: “que passámos os últimos anos a falar para nada”) será talvez o grande momento de viragem desta crise. Quanto mais adiarmos esse momento, pior será. Mas ninguém gosta de encarar o facto de que os últimos anos de debate público serviram para muito pouco ou quase nada e por isso nos vamos entretendo com distracções.
Isto é especialmente notório em Portugal. De que falámos durante os últimos anos? De reformas, da necessidade das reformas, das reformas todas em simultâneo, sem grau de prioridade ou importância, como se um país que deseja reformar tudo levasse alguma reforma a sério. Pois bem: boa parte dessas reformas serviram para tornar a sociedade mais vulnerável à crise que temos agora, outra parte das reformas parece estar ainda a meio do caminho. As coisas que se concluíram — e bem — parecem ser diminutas para a vastidão do que nos espera, e o único grande sector que toda a gente concorda que teria de ser reconstruído — a Justiça — parece simplesmente irreformável.
Passámos os últimos anos a discutir O Grande Tema — que foi o controle do deficit — e a escolher criteriosamente se um aeroporto deveria ir para a Ota ou para o Seixal. A crise varreu simplesmente o limite de três por cento para o deficit e o buraco nos bancos que o Estado terá de salvar pode custar tanto como um aeroporto. E quem nos dá os últimos dez anos de volta?
Na Europa a coisa não é melhor. Os últimos anos foram passados a fixar trabalhosamente uma discussão juridico-constitucional e ainda há quem não desista. Mas já toda a gente sabe — mesmo os que não o admitem — que o Tratado de Lisboa, o estatuto do Banco Central Europeu e tudo o resto não passam de textos a.C. — de Antes da Crise — quando precisamos é de nos reconstruirmos d.C. — durante a Crise — para obtermos uma sociedade minimamente justa e decente depois da Crise.
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O Banco Central Europeu andou a desprezar o emprego e a combater a inflação quando o problema já era a contração da economia e a deflação. Em Portugal andámos a discutir o “não há dinheiro para nada” quando era evidente que o Estado teria de intervir para evitar uma catástrofe pior.
Agora a grande discussão entre governo e líder da oposição é se o Estado deve intervir através dos grande projectos ou do apoio às pequenas e médias empresas. Infelizmente, a distinção também é pouco mais do que irrelevante. Num momento em que a produção industrial já caiu quase vinte por cento — um quinto do total em apenas um ano — aquilo de que precisamos é de um plano de emergência em grande escala. Mas para ser rápido e eficaz, esse grande plano deve concretizar-se em muitíssimos pequenos projectos: adaptação de edifícios para deficientes, recuperação de centros urbanos, prevenção social nos subúrbios, transportes públicos, o que for. Só isto dará trabalho rápido a calceteiros e engenheiros, assistentes sociais e pequenas e médias empresas.
Além de nos ajudar durante a crise, um plano destes faria de nós um país mais justo e decente depois da crise. Mas que interessa isso, se o Magalhães tem erros de ortografia e um deputado disse um palavrão no Parlamento?
[do Público]
2 thoughts to “A grande pequena escala”
Rui 100% Contigo! Falas-te apenas da mais importante medida/proposta para responder ao problema da Crise.
É mesmo disto que precisamos, uma resposta à altura, por este caminho vais até Bruxelas! Espero bem que sim, se bem que n é trigo limpo…
Esta posta diz umas coisas certas e outras bastante disparatadas.
Vamos só às três mais disparatadas e as outras ficam por diferença:
1-
“…boa parte dessas reformas serviram para tornar a sociedade mais vulnerável à crise que temos agora…”
A frase é gira e fica bem.
Agora, a malta agradecia que Rui desse uns exemplos. Porque se não o faz, a malta fica a pensar que ele está a mandar umas postas de pescada ao ar e não sabe bem do que está a falar.
Que reformas afinal nos tornaram mais vulenráveis? Sou todo ouvidos.
2-
“…Passámos os últimos anos a discutir (…) o controle do deficit (…)a crise varreu simplesmente o limite de três por cento para o deficit e o buraco nos bancos que o Estado terá de salvar pode custar tanto como um aeroporto…”
Aqui dois disparates um implícito, o outro explícito.
Parece que o debate sobre o controlo do défice foi inútil. Falso. Não tivesse Portugal reduzido o défice público e a crise, e o impacte da crise sobre as finanças públicas, e sobre a capacidade de lhe dar resposta seria muito, muito, muito mais grave. Rui é inteligente e deve saber isto, mas na sua posta quis esquecer-se.
Sobre os buracos dos bancos e o aeroporto: comparar as duas coisas pode dar uma ideia das grandezas, mas só mesmo para isso. O que Rui deveria tentar comparar era o que custa para o estado salvar os bancos, e o que nos custaria se o estado decidisse não o fazer, ou se o não conseguisse fazer (fosse o défice maior).
3-
“…O Banco Central Europeu andou a desprezar o emprego e a combater a inflação …”
Aqui é pura treta e ignorância disfarçada de economia. Uma inflação alta nunca, jamais, em tempo algum ajudou a aumentar o emprego. (Porventura o Zimbabué é o país com mais emprego já que é o país que tem a mais alta inflação? OK esta foi demagógica).
Pode Rui dar um exemplo, um só que seja, em que o aumento da inflação tenha contribuído para o emprego.