Há um debate em curso por causa de um artigo de cinco economistas “críticos” no Público que foi por sua vez atacado por Vasco Pulido Valente no mesmo jornal. Os pormenores da coisa, para quem chegou tarde, podem encontrar-se nos Ladrões de Bicicletas e no blogue do Pedro Lains, que desenvolveram a controvérsia e lhe juntaram bons argumentos pró-“críticos” e pró-VPV, respectivamente.

A minha impressão, vista do exterior, é que um excelente debate corre risco de se tornar num debate ainda assim interessante mas estéril. A questão central dos economistas “críticos” era se a teoria económica dominante era boa ou não e se poderia ser melhorada, em particular agregando ao ensino da economia mais teorias de natureza diferente. Vasco Pulido Valente lateralizou esta questão defendendo com ardor que a economia não é nem nunca foi uma ciência e que só gente tão parva como cinco economistas parvos poderia estar nos dias de hoje preocupada com uma questão tão parva.

Como é habitual na técnica cronística, o ardor com que se ataca uma questão secundária é proporcional ao obscurecimento a que se deseja votar a questão principal dos adversários. Note-se que para a questão essencial dos economistas críticos é indiferente se consideramos a economia uma ciência ou não. A questão é se a economia (seja ela uma ciência ou não) está a ser bem estudada e bem ensinada e quais são as consequências públicas se ela estiver a ser mal estudada e mal ensinada. O texto era, no fim, uma defesa do pluralismo como forma de contornar estes problemas. Nenhum dos economistas proclama ter a resposta definitiva para os problemas da economia, mas em conjunto chamam a atenção para uma série de abordagens suplementares (institucionais, comportamentais, etc.) que permitiriam suavizar os defeitos mais evidentes da teoria dominante. Esta posição sensata e sensível foi, como é tristemente hábito, caricaturada por VPV como um disparate com que não vale a pena perder tempo.

João Rodrigues, no Ladrões de Bicicletas, junta-se ao debate notando que as definições de ciência explícitas e implícitas em VPV são redutoras. Pedro Lains, por seu lado, defende VPV notando como não vem particular mal ao mundo do facto de as ciências sociais não serem na verdade ciências e nem isso ser propriamente heresia (ambos desenvolvem outras linhas de argumentos, mas vou concentrar-me nestas). Nesta discussão eu estaria naturalmente com o Pedro Lains, até porque já a tive por diversas vezes com colegas historiadores e sempre me coloquei do lado da “história como disciplina das humanidades” e não da “história como ciência”. Para mim é até um motivo particular de orgulho perencer às humanidades, que são mais difíceis (e mais difíceis de fazer “bem”) do que as ciências. Mas os argumentos do João Rodrigues são bons também: se a ciência por excelência for apenas a Física, não estaremos a empobrecer desnecessáriamente o potencial da abordagem científica noutras áreas?

Esta discussão é a tal que é interessante mas — desculpem-me — estéril. No momento actual a defesa do pluralismo metodológico em economia é muito mais interessante (e importante) do que definir para todo o sempre o estatuto da economia no panteão das ciências.

Digo que é mais importante. Mas não o digo por razões de actualidade política/económica. Digo-o porque é “melhor”. A discussão da “economia como teoria ou teorias” é melhor do que a discussão da “economia como ciência ou não”.

Ao ler o texto dos economistas eu estava a aprender (como ao ler o João Rodrigues eu aprendo todos os dias, porque o estou a ver construir um pensamento). E ao ler VPV eu entendo que ele gosta mais de saber do que de aprender (ao contrário do Pedro Lains, que gosta mais de aprender do que de saber). Sim, o João Rodrigues e o Pedro Lains são gajos cheios de qualidades. Vê-los pensar é um prazer. VPV é um desmancha-prazeres, e nem nisso há grande prazer: usou uma coisa que julga saber (que a economia não é uma ciência) para matar um debate em que estávamos a aprender (que há mais abordagens para a economia do que aquela que é dominante).

A diferença é fundamental. Vasco Pulido Valente, e com ele toda uma tendência do sentimento nacional, confunde o seu desinteresse pelas coisas com a falta de interesse das coisas. O que é pior, confunde o seu desinteresse pelas coisas com uma espécie de obrigação geral ao desinteresse. Ele não se confessa apenas desinteressado (porque isso valeria de pouco no debate público) ele ralha-nos se nos interessarmos por coisas parvas que não merecem o seu interesse (foi assim há pouco tempo com o Congresso do Marxismo — e digo isto enquanto anti-marxista — e agora com os economistas — e digo isto enquanto “humanista” e “não-cientista”).

Ora passa-se que as coisas têm mesmo interesse intrínseco. Não é apenas anti-pedagógico fornecer desculpas para o desinteresse geral. É sobretudo anti-prazer. É por isso que no meu papel habitual de anti-VPV eu exorto a substituir um debate com algum interesse por um regresso a outro com mais interesse ainda. Mais debate sobre pluralismo metodológico/epistemológico, por favor. Estou a gostar.

30 thoughts to “Como tirar interesse a um debate

  • João Vasco

    «Para mim é até um motivo particular de orgulho perencer às humanidades, que são mais difíceis (e mais difíceis de fazer “bem”) do que as ciências [naturais]»

    Onde é que o Rui foi buscar esta?
    Não creio nada que isto seja verdade – cá está outra discussão lateral, mas não podia deixar de notar isto.

    «No momento actual a defesa do pluralismo metodológico em economia é muito mais interessante (e importante) do que definir para todo o sempre o estatuto da economia no panteão das ciências.»

    Confesso que não conheço a discussão em detalhe, mas assim exposta parece não ter muito a discutir.
    A interdisciplinaridade tende a favorecer o campo de estudo que se pretende compreender, por isso é mero bom senso defender o “pluralismo metodológico”.

    A outra discussão parece mais engraçada porque ambas as posições são razoáveis (a minha é oposta à do Rui, por exemplo) e cada um pode dar os seus 5c. Há argumentos para todos os gostos, e entretenimento assegurado.

  • Pedro Lains

    Bingo! Como é que aqdivinhaste que gosto mais de aprender do que de saber? É isso mesmo (e nem isso eu sabia mas acabei de aprender!). Só gostava mesmo de saber porque é que me deu para aí…
    Abraço,
    P

  • tiago santos

    Concordo bastante com a análise acerca da discussão…
    Acho que a grande questão por parte do João Rodrigues prende-se no facto de VPV, que até é alguém do lado das humanidades, criticar a Economia por ser Economia e dizer que esta não pertence sequer à categoria das ciências. Normalmente seriam os cientistas físicos ou dos diversos cientistas naturais que criticam e escolhem quem pertence ou não ao restrito grupo das ciências.

    Assim a Economia pode ser considerada uma ciência se chegarmos ao nível de perceber que isso não quer dizer que as ciências dão respostas únicas e absolutas…não dão…nenhuma dá…até Einstein comparava o cientista com o artista.

    Acho sem dúvida que é redutor dar o foco do texto dos 5 economistas a este ponto…

    Parabéns Rui Tavares pelo blog e pelo texto…

  • Carlos Rocha

    Rui,

    Que estória é essa da “história como disciplina das humanidades?”
    A História não fala de 99% dos humanos que por aqui passaram!

  • Daniel

    Na minha opinião, o texto dos cinco economistas revela-se demasiado ambicioso nas conclusões para os poucos argumentos que apresenta. As teses apresentadas são pouco claras e fracamente sustentadas.

    A primeira dessas teses é que a crise financeira actual é em parte consequência das (únicas?) teorias que são ensinadas nas faculdades de economia. Porém, a tese é enunciada e aceite sem responder a questões tão elementares como: Que teorias são essas? Donde emana o seu poder ao ponto de determinarem o comportamento dos agentes? Em que medida foram as teorias refutadas com a actual crise? Parece-me que os autores misturam a ideologia subjacente ao mercado livre etc. (obviamente relacionada com a crise) com a capacidade explicativa da teoria e a adequabilidade da metodologia à descrição realidade económica.

    A segunda tese é que existem outras teorias ou abordagens metodológicas que
    descrevem melhor a realidade e cuja aplicação assegura um melhor desempenho do sistema económico. Convinha identificar essas teorias e, no mínimo, demonstrar em que aspectos elas se poderão demonstrar superiores às existentes. Acreditar que sim é insuficiente.

    O terceiro aspecto com o qual discordo refere-se ao diagnóstico da falta de pluralismo no ensino da economia – mais uma vez postulado mas pouco fundamentado. (Fui aluno de economia e, sinceramente, não consigo perceber exactamente ao que se referem.) Por outro lado, seria interessante saber quais as propostas de alteração curricular defendidas pelos autores (que teorias/ metodologias alternativas deveriam ser leccionadas? Que disciplinas seriam excluídas para dar lugar aquelas?).

    Por último, o diagnóstico da falta de pluralismo constrasta com um desenvolvimento impressionante da disciplina em áreas que questionam as hipóteses-base do modelo microeconómico (economia experimental e comportamental, escolha pública) e as suas implicações normativas (escolha social e análise económica do direito). Por que razão são as teorias defendidas pelos autores pouco difundidas na academia?

  • Eu por acaso acho que a discussão sobre o ensino da economia tem que estar completamente intercalada com a discussão epistemológica à volta da economia enquanto ciência ou não porque ela é fundamental na forma como se ensina hoje a economia nas escolas (eu estudo numa).

    Apesar de ter imenso para dizer por ser um debate interessantíssimo lançado pelos “cinco” e baralhado pelo VPV e pelo Pedro Lains (para surpresa minha), prefiro reservar para mim a opinião sobre este debate e acrescentar o meu ponto sobre o comportamento esquizofrénico da grande maioria dos professores que eu conheço e que dão convictamente aulas de economia neo-clássica e neo-liberal:

    Segundo eles, a economia institucional e a política não têm lugar na Economia porque não são ciência “a sério” (pois trabalham sobre “valores” e não “normas”). No entanto quando se questiona porque tão escandalosamente falham os modelos ensinados e o porquê do desfasamento absurdo entre a teoria aprendida e a realidade, refugiam-se com a sua epistemologia (nem) de bolso, afirmando categoricamente que a Economia é uma ciência social que não obedece ao método científico, que é não-exacta porque é não-experimental…
    Na minha opinião seria mais coerente se a Economia nas escolas se chamasse Engenharia Económica.

    Por um lado aquilo que confere o direito de entrada da Economia no campo das ciências sociais é deixado de parte (pela ortodoxia dominante e que impõem o seu modelo de ensinar economia) porque não interessa que a economia ensinada promova o pensamento crítico (e justifica-se com o mesmo tipo de argumentos muito velhos com que se tentava provar a superioridade das ciências naturais sobre as sociais) e também porque os cursos das áreas das ciências económicas e de gestão tendem a ser dos que mais construídos são em função do mercado de trabalho e das empresas e são, portanto, cursos muito técnicos e muito pouco teóricos (simplificando); por outro lado é exactamente nessa qualidade de ciência social (completamente perdida) que se tentam refugiar para justificar porque falham tudo o que dizem: não defendem a legitimidade do conhecimento produzido pelas ciências sociais perante as naturais mas optam pela atitude oposta de relevar as fragilidades e os limites das ciências sociais para conhecer a realidade.

    É desprezível intelectualmente e é por isso que eu acho que aprendi mais com os “Ladrões” do que no meu curso, até agora. Acrescento ainda que hoje em dia, na minha faculdade (Universidade Católica) é normalmente escolhido para dar aulas quem teve sucesso no mercado, portanto: não dá aulas quem sabe mais de economia mas quem ganha mais dinheiro.
    Obrigada Rui e contínua o bom trabalho, tão elogiado que foi hoje pelo senhor das barbas brancas.

  • Só acrescentar porque acho não fui muito claro:

    Os liberais privilegiam a ciência, em vez da parte política, no ensino da teoria económica porque uma parte é mais séria que a outra (transformando a economia quase numa matemática), mas quando é necessário justificar o falhanço dos modelos a Economia já é uma ciência social e portanto não exacta.

  • Tiago Santos

    Caro Zé…como estudante de economia gostei de ver que existem mais estudantes neste país que têm um espírito crítico em relação à hegemonia actual nas faculdades do mundo inteiro…so assim por acaso…se quiseres dizer alguma coisa…o meu mail é tpsantos@hotmail.com

    é sempre bom ter alguém p’ra debater os pontos de vista…

    obrigado…um abraço…

  • Megashira

    O Rui Tavares exorta ao debate, mas depois quando tem a oportunidade para o fazer, como por exemplo aqui nesta caixa, foge!! Ou pelo menos não aparece. Ora, desta forma, as palavras do RUI soam ocas.

  • Carlos Rocha

    Mega,

    Mas não é o que acontece com a maioria dos bloquistas?! E não é o que acontece com os “ladrões?”
    Quando chegar a altura do rebuçado, eles poem-se em casa a filosofar Keynes e Friedman.

  • Carlos Rocha: se tens alguma coisa para dizer aos Ladrões vai aos debates em que eles participam. Eles anunciam sempre no blogue e oportunidades não tem faltado nos últimos meses e regra geral são debates abertos a outras interveções e contributos da audiencia e não palestras.

  • tiago santos

    Mais uma vez concordo com o zé…ate porque eu eu já assisti a debates e conferencias com alguns dos ladrões nos ultimos tempos…e não me pareceu que fugissem a alguma questão…pelo contrário…

  • CN

    O Miguel Madeira abriu um debate no seu VentoSueste.blogspot.com (a que eu vou dar resposta) sobre a Teoria “austriaca” dos ciclos económicos, por sinal, não ensinada nas faculdades, apesar de estar associada a liberais, mas na verdade mais “libertarians” e muitos “anarchists” e por sinal bastante hostis por exemplo a Chicago e à sua epistemologia (empirismo).

    Os “Austriacos” vêm a economia como a ciência da acção humana, cujas leis são deduzidas. Temos assim o irreconciliável apriorismo versus empirismo.

    Seja como for a teoria é bem simples:

    O actual sistema monetário é artificial (natural seria a moeda ser assunto de escolha livre) porque permite conceder crédito por pura criação de moeda em vez de captação/intermediação de poupança prévia e voluntária.

    Assim, o investimento assim suportado não fica realmente suportado em poupança necessária, a taxa de juro é artificialmente mais baixa do que seria, induzindo a expansões não sustentadas que criam bolhas e depois as recessões, com crises bancárias, cuja falência só é evitada por mais injecções dos bancos centrais.

    O poder de criar crédito/moeda advém da moeda não ser um activo real (como ouro,prata/cobre/etc) e representa um benefício (o complexo financeiro-industrial) para quem primeiro recebe as novas quantidades de dinheiro e o gasta na economia sem que os preços tenham ainda subido. Prejudicados quem fica em última na fila.

    È a tal desconfiança mal articulado pela esquerda pelo mundo financeiro.

    O mal, como disse, está na capacidade de criar moeda para conceder crédito.

    CN

  • João Vasco

    Que engraçado!
    É a tese que vi num filme chamado “Money as Debt”.
    O filme apresentava alguns erros flagrantes, mas o mais curioso era ter uma conotação tão anti-capitalista quando na verdade estava a apresentar um conjunto de ideias geralmente propostas pelos liberais mais extremistas. Na verdade parecia realmente como se as ideias de um “Libertarian” estivessem a ser defendidas afincadamente por um Anarquista anti-capitalista – muito peculiar.

  • CN

    o “Money as Debt” é um documentário popular.

    A Teoria Austriaca dos Ciclos Económicos remonta a Mises 1913 (Theory of money and Credit) e depois aos desenvolvimento por Hayek, Murray N.- Rothbard, e a sua “casa” natural e toda a produção acumulda neste tempoi pode ser consultada em http://www.mises.org (de facto, a casa académica dos chamados “austrian-libertarians”).

    Quanto à tese, não é bem um atese, é mais uma realidade.

  • CN

    Para quem tiver interessado em algo realmente interessante e novo(embora assente em algo antigo: a reflexão e filosofia como método): a prova do apriorismo contra o empirismo (de Chicago, Keynesianismo) no estudo da economia (como disse, visto como o estudo da acção humana).

    “Economic Science and the Austrian Method”, Hoppe
    http://mises.org/esandtam/pes1.asp

  • João Vasco

    CN:

    Que é a realidade é uma opinião – tua e de outros – que pode ser verdadeira. Ou falsa. Uns acharão uma coisa, outros acharão outra, e ambos os lados da disputa terão razões fortes.

    Que é uma tese é um facto indisputável. Mesmo que seja uma tese verdadeira não deixa de ser uma tese.

  • CN

    Bom , sim, mas:

    O uso da expressão “realidade” aplica-se a:

    – no nosso sistema monetário, o crédito (ou se quisermos, o aumento do crédito) é concedido por criação de moeda (isto é u8m facto, não uma tese).

    – como tal, determinado investimento tem lugar sem a mobilização de poupança prévia e voluntária.

    – e como tal…

    Bem, é o tal apriorismo.

    CN

  • João Vasco

    E como tal… isso é mau ou bom?

    Aí já não existe uma resposta consensual

  • CN

    Suponho que não existe consenso se não for possível existir consenso de como definir bem ou mal.

    Mas podemos começar por arriscar que as relações humanas devem ser voluntárias e a cooperação deve ser voluntária.

    O actual sistema monetário que torna possível que os bancos fabriquem dinheiro para dar crédito em vez de terem de convencer poupança prévia a ser mobilizada contra uma taxa de juro:

    – beneficia os primeiros recebedores de dinheiro que o gastam na economia sem que os preços ainda tenham adaptado (existe aqui uma transferência de rendimento de todos para alguns). Os tais especuladores, o tal “Wall Street”.

    – gera expansões que conduzem a recessões (a doença é a falsa expansão, a recessão é a cura.. ).

    – o sistema em si é artificial e imposto, para ter tido lugar , todos os Estados tiveram que nacionalizar todo o ouro da população e proibir o seu uso como moeda, precisamente para ganharem o poder de conceder crédito sem ter que captar poupança (ouro/prata/etc que não pode ser fabricado out-of-thin-air).

    Digamos que parece muito claro que é “mau”.

    CN

  • João Vasco

    Pois, mas isso é uma tese.

    Vamos supor um estado que começa a criar moeda em vez de cobrar impostos. No equilíbbrio, isso é indiferente, visto que a inflacção vai provocar uma perda de poder de compra equivalente à tributação.

    Mas até atingir o equilíbrio existe um “lag”, um atraso, no qual as coisas não acontecem assim. Se antes a espectativa era de preços constantes, existe aqui um período em que os preços ainda não se adaptaram à quantidade de moeda existente no mercado. Isto cria um incentivo ao investimento artificial, que na prática funciona como um “empréstimo ao futuro”.

    Esse empréstimo seria pago se o estado fizesse desaparecer o dinheiro antes criado. Mas se o estado não fizer desaparecer esse dinheiro, o empréstimo vai sendo automaticamente renovado.

    Quais os juros? Se a inflacção for elevada, temos o chamado “desgaste de solas de sapatos”. Se a inflacção for moderada, não existem “juros” significativos.

    Então a sociedade tem acesso a uma quantidade adicional de poupanças – as futuras – sem juros relevantes. As vantagens disto são evidentes: durante o “lag” em que o sistema ainda não se adaptou ao equilíbrio existe um crescimento adiocional, e depois é teoricamente possível que a situação fique estável. Ou seja, se tivermos duas sociedades em tudo iguais, aquela que usar esta estratégia vai ser mais próspera que a outra.

    Outra vantagem deste sistema é a que a “inflacção” é um imposto sobre a propriedade sem fuga possível, o que evita algum tipo de injustiças.

    Agora o CN pode discordar e refutar estes argumentos, ou reconhecê-los como válidos mas considerar que as potenciais vantagens de criar dinheiro artificial não justificam os riscos e males que daí advêm.
    Tudo bem.

    O que não pode é dizer que não há discussão possível. Espero que com este texto o tenha convencido do contrário. Não que não tem razão, mas que a discussão é possível, que a sua posição é uma tese, que pode até estar certa, mas que para evitar discussão o melhor é mesmo chamar-lhe uma tese.

  • João Vasco

    «Ou seja, se tivermos duas sociedades em tudo iguais, aquela que usar esta estratégia vai ser mais próspera que a outra.»

    De onde vem a prosperidade adicional? De um sistema que facilita a cooperação em situações em que esta não existiria.
    Se eu consumo com o dinheiro que tenho posso fazer certa quantidade de transacções e criar determinada riqueza. Se eu consumo com o dinheiro que tenho e parte do que terei, posso fazer HOJE transacções que de outra forma não poderia. Se tenho acesso a esta parte sem juros relevantes, tenho vantagem face ao que teria sem esse acesso.
    É daí que vem a prosperidade adicional. A moeda por si, como é óbvio, não cria riqueza.

  • Megashira

    O João Vasco pressupõe erradamente que todo o consumo/investimento é benéfico. O problema é que não é bem assim. Há investimento que é um autêntico desperdício, e quando assim é, nem um juro baixo o torna reprodutivo. A grande questão é, e sempre foi, a qualidade dos investimentos.

  • João Vasco

    Eu não pressuponho erradamente nada, porque para isso era preciso pressupor algo.
    Ora a única coisa que eu afirmo é que essa questão é discutível. Ora da forma como põe as coisas parece óbvio que a questão é discutível: até que ponto os investimentos são de qualidade? Qual a taxa de investimentos reprodutivos consoante as circustâncias? Quais as possíveis motivações para investimentos disparatados, etc…

    Por acaso não defendi A nem B. Defendi que B é uma tese, que pode ser verdadeira, mas que não existem provas definitivas de que assim seja.

  • Megashira

    “Por acaso não defendi A nem B. Defendi que B é uma tese, que pode ser verdadeira, mas que não existem provas definitivas de que assim seja.”

    Totalmente de acordo. Fiz uma interpretação demasiado apressada. Peço desculpa.

  • CN

    O juro resulta da preferência inerente por poder consumir hoje em vez de amanhã.

    Assim, o juro é prémio recebido para abdicar de ter o poder aquisitivo hoje.

    A inflação de quantidade de moeda não cria riqueza e não interessa a ninguém a não ser a quem beneficia com ela.

    Os bancos que podem conceder crédito sem captar poupança. Os grandes credores que beneficiam das novas quantidades de dinheiro e compram activos ou investem a preços que não reflectem a nova quantidade – é isso que faz o sistema imoral.

    Depois é anti-económico porque cria fases de expansão falsas, bolhas, etc porque as taxas de juro não reflectem o encontro entre a poupança prévia necessária a sustentar um dado investimento – ou seja, com criação monetária pura a taxa de juro vai então ser artificialmente baixa dando a ideia que muitos projectos são rentáveis quando não são.

    Além disso esse efeito diminui o incentivo à poupança. E assim aparecem as bolhas iludidas com crédito fácil por expansão monetária e com deficiência de poupança. No final da bolha descobre-se é que não existe a poupança necessária
    e que muita coisa tem de ser liquidada , sendo que esse crescimento foi uma ilusão e resultava em parte de consumo de capital anterior, caminho para o empobrecimento.

    A moeda é um meio de troca, a sua quantidade total é irrelevante. O que conta é a estabilidade da sua quantidade total. Daí o ouro/prata/cobre ter sido usado por todas as culturas em todas as regiões. Nunca teria deixado de ser usado não fosse a sua nacionalização e proibição permitindo a sua pura fabricação, que como bem diz, não trás bem estar a ninguém a não ser de forma imoral para quem beneficia da sua posse antes dos outros.

  • João Vasco

    CN:

    Eu não vou discutir a maior parte do seu comentário. Porque ele prova aquilo que era a minha afirmação inicial: que esse assunto era discutível. É a sua tese, não pretendi discutir se estava certa, apenas demonstrar que o assunto era – lá está – discutível.

    Assim vou apenas comentar uma pequena parte do seu comentário, que denuncia um erro na sua análise. Não digo que compromete todo o seu raciocínio, mas apenas que deve ter isto em consideração:

    «Assim, o juro é prémio recebido para abdicar de ter o poder aquisitivo hoje.»

    Um preço é acordado entre o vendedor e o comprador. Assumindo uma transacção voluntária em que nenhuma das partes foi enganada, o preço é sempre superior aquilo que o vendedor teve de abdicar, e inferior àquilo que o comprador estaria disposto a dar.

    O abdicar do poder aquisitivo hoje corresponde àquilo que o vendedor de crédito tem de abdicar. O juro entre duas partes voluntárias em que nenhuma delas é enganada nem age irracionalmente está balizado entre este valor e aquele que o comprador de crédito estaria disposto a oferecer pelo acesso ao dinheiro.

    Isto quer dizer que se o comprador de crédito estivesse, por exemplo, disposto a oferecer 0.5%, e o vendedor de crédito não estivesse disposto a receber menos de 2% (o tal prémio que referiu), a transacção entre ambos não se realizaria.
    Mas se existisse a possibilidade de emprestar dinheiro a juro nulo por parte de um terceiro agente, neste caso em particular haveria um ganho de eficiência em permitir essa possibilidade – os tais 0.5%.

    Seria justo? Seria estável? Levaria a um investimento tão mau – porque os agentes não são completamente racionais – que todos ficariam a perder?
    Não pretendo responder a estas perguntas. Apenas mostrar que o assunto é mais complexo do que o pinta.

  • CN

    Mas isso tem resposta clara.

    Qualquer pessoa pode decidir emprestar a o%. Seria algo parvo mas isso não alteraria nada dado que não seria suficiente para alterar o preço de quem procura crédito.

    Agora, quando fala de um agente aparece a emprestar abaixo da taxa de mercado, subentende-se já que fala de alguém com capacidade de fabricar moeda.

    Mas o poder de fabricar moeda é que deve ser posto em causa. Não tem nada de legal em si. Seria impossível sobre um regime livre, que as pessoas usassem algo como moeda que um agente a seu belo prazer poderia fabricar para seu proveito a custo 0. Impossível.

    Mas vamos aceitar o presente regime, tirando as minhas considerações éticas e falando dos resultados ou Utilidade:

    É precisamente esse acto de fabricar moeda para conceder crédito que está na origem das expansões falsas porque esse investimento que resulta não está baseado em poupança prévia, e a poupança prévia é sempre necessária. A ilusão mantém-se durante uns tempos acompanhada da cultura fácil do crédito porque todo o sistema bancário está a expandir o crédito por pura criação de moeda.

    Essa taxa de juro “baixa” ainda por cima, como já disse, desencoraja a poupança.

    E depois… a bolha rebenta, é preciso liquidar activos e processos de investimentos e produtivo. Os Bancos como criaram crédito por criação de DO, perdem o lado do activo como credito mal parado mas os DO continuam como responsabilidades o que leva a situações de falência ou antes disso um corrida aos bancos.

    E assim temos as depressões.

    A doença é corromper a relação entre investimento e poupança na fase de expansão.

    A recessão é a cura. Não tenho nenhum prazer nisso, se a situação é dramática só deve incentivar a tentativa de compreensão das suas causas. O crédito fácil só tem lugar porque pode ser criado do nada.

    CN

  • CN

    Já agora, ao mesmo tempo tenho estado em discussão sobre a epistemologia da escola austríaca – apriorismo, nos comentários de um post do Joaqum no Portugal Contemporâneo.

    http://portugalcontemporaneo.blogspot.com/2008/12/confuso-mental.html

  • João Vasco

    CN:

    Eu já lhe disse que não estava interessado em discutir a sua posição ou mostrar que era falsa. Apenas aponteu um erro que cometeu, o que o levou a justificar o raciocínio inicial de outra forma.
    Agora nada daquilo que escreveu é indiscutível. Se eu quisesse disptar o que escreveu tinha mais de uma dezena de maneiras de o fazer. Se não acredita, eu demonstro. Depois o CN disputaria as minhas afirmações, eu disputaria as suas, e por aí fora… E nessa discussão toda eu nem estaria necessariamente a defender a minha posição, mas sim uma posição que me parece tão defensável como a sua.

    Por isso, creio ter provado aquilo que disse inicialmente – a sua posição é uma tese, que até pode ser verdadeira, mas isso não está mostrado inequivocamente.

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