Em cada crise há sempre uma boa dose de experimentação, que nem sempre é honestamente assumida pelos políticos

 

Se o meu optimismo dá assim tanto azar, talvez eu seja a última esperança de McCain ganhar as eleições. Alguma direita deve ter achado que, pelo menos, não custa tentar. Vai daí, fui convidado no outro dia para um debate com Jaime Nogueira Pinto e Bernardo Pires de Lima (são duas pessoas diferentes, é claro, e não uma pessoa de direita com seis nomes) que de forma astuciosamente simpática tentaram levar-me a dizer as coisas mais entusiastas sobre Obama. Perguntaram-me uma vez sobre “a paixão da esquerda europeia por Obama”. Perguntaram-me uma segunda vez. Antes que me perguntassem uma terceira vez, percebi: a direita europeia está com ciúmes.

 

A pista reveladora veio quando Jaime Nogueira Pinto resumiu bem que “a atitude da esquerda europeia é assim: se não ganhamos em lado nenhum na Europa, ao mesmo ganhamos nos Estados Unidos”. É a pura verdade. Mas não é “ao menos” ganhamos nos Estados Unidos. Ganhar nos EUA é sempre “ao mais”. Ganhar nos EUA, com um candidato mais à esquerda do que é hábito, quando duas guerras e uma crise deixaram de rastos as teses contrárias, é mais do que esperávamos.

 

A direita europeia também teve o seu enamoramento há tempos, quando Sarkozy ganhou em França. Como ocorre muitas vezes, não lhes saiu tudo como esperavam. Mas vemos esta coisa notável: quem era pró-americano e anti-francês no início da guerra do Iraque é hoje provavelmente mais pró-Sarkozy e anti-Obama. A polaridade ideológica do planeta inverteu-se, mas os dois líderes do hemisfério Norte para os próximos tempos estão encontrados.

 

***

 

Quando uma crise ocorre, nada é tão importante como saber em que grelha de leitura encaixam os factos. A primeira pergunta que as pessoas fazem é “quem sabe explicar isto?”, porque acreditam que quem sabe explicar saberá o que fazer. O segundo passo, muitas vezes, é entregar muito poder às pessoas que sabem explicar melhor a crise.

 

Porém, há um grave risco nesta atitude. Por exemplo: depois do 11 de Setembro, com razão ou sem ela, a grelha de leitura mais eficaz parecia ser a dos neo-conservadores. No entanto, o plano neo-conservador foi uma calamidade que aprofundou a crise, e que deixou pelo caminho um rasto de abusos e arbitrariedades.

 

Isto acontece porque em cada crise há sempre uma boa dose de experimentação, que nem sempre é honestamente assumida pelos políticos. Um bom diagnóstico, por si só, não é garantia de uma boa execução. Precisamos não só de políticos que tenham uma boa grelha de leitura da crise, mas que tenham bons princípios ideológicos. Essa é apesar de tudo uma pista para o comportamento que eles terão no futuro.

 

Não sou imparcial, mas olhando para Obama e Sarkozy vejo esta diferença. Ambos parecem saber explicar a crise. Ambos dão uma ideia incompleta do que se deve fazer, o que de momento é compreensível. Mas os princípios ideológicos de Sarkozy não me dão confiança. A sua utilização oportunista dos sentimentos anti-imigração, num momento em que a Europa envelhece, é apenas um exemplo crucial.

 

A crise está para durar e, na Europa, temos muito caminho pela frente. O próximo passo é, em cada campo, deixar claro quais são os princípios que levamos connosco. Saber explicar é bom, mas não chega.

 

[do Público]

One thought to “Saber explicar não chega”

  • josé pedro

    O SEU OPTMISMO NÃO ERA ANTES PARTIDÀRIO DE EDWARDS E NÃO DE OBAMA?
    LEMBRA-SE DO QUE ESCREVEU NO PÚBLICO HÁ UNS MESES?

    “Obama e Edwards apresentam-se como vagamente anti-sistema e favoráveis a uma renovação política com referências implícitas a Kennedy (em Obama) e F.D. Roosevelt (em Edwards). Mas as estratégias são opostas: Obama diz aquilo que as pessoas gostariam que fosse verdade: que a mudança nasce com um discurso positivo e esperançoso. O que Edwards diz, por outro lado, é simplesmente a verdade: que a mudança é difícil, que encontrará muitas resistências e que só poderá acontecer através de uma atitude combativa.
    Acho que Edwards seria o melhor candidato. Mas sintomaticamente para mim ou para os aparelhos partidários, parece que é o que tem menos hipóteses de ser escolhido.
    Gosto de Obama, como quase toda a gente. Mas não gosto de apenas “gostar” de um político, menos ainda de um discurso feito das emoções e dos “instintos”, mesmo que os instintos de Obama sejam próximos dos meus. Simplesmente, não me parece boa política ou, se quiserem, boa pedagogia democrata: para decidir com o “instinto” já bastou Bush.”

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