Barack Obama: como candidato, a guerra do Iraque o fez nascer, a crise económica o consolidou. E não, não foi por ele ser negro.
Final do campeonato europeu de futebol, 2000. A poucos segundos de acabar o jogo, a Itália vence a França por 1-0. Com pressa para sair de casa e desejando felicitar o meu casal luso-italiano favorito, faço imediatamente uma chamada telefónica. Quando atenderam do outro lado ouço uma série de palavrões em italiano. A França acabara de empatar o jogo. No prolongamento em sistema de morte súbita, a França marcou mais um golo e sagrou-se campeã europeia.
O ocorrido consolidou a minha fama de optimista que dá azar, aquilo a que os brasileiros chamam “pé-frio”. A Valeria Pansini, uma doutorada em História da Ciência, acredita até hoje que a Itália perdeu a taça por minha culpa.
Neste contexto surpersticioso, tenho amigos que se arrepiaram sempre que eu aqui apostei na vitória de Barack Obama, — quando Hillary Clinton era a favorita ou McCain subia nas sondagens. Após o escândalo do reverendo Wright disseram-me na TV que Obama estava acabado. Quando McCain escolheu Sarah Palin como candidata a vice, a direita jornalística exultou com a jogada “brilhante” de usar uma mulher religiosa, bonita e popularucha para esvaziar o que era suposto ser o balão de ar intelectual e politicamente correcto de Obama. Hoje, Sarah Palin tem as reacções mais negativas nas sondagens aos americanos e é a razão mais citada por todos os jornais que dizem não poder apoiar McCain, mesmo os que sempre estiveram do lado republicano. Os nossos entusiastas assobiam para o lado na esperança de que ninguém note e ninguém se lembre.
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Porém: caso Obama ganhe, todos os comentadores que nos disseram que Mitt Romney (ou Hillary Clinton, ou John McCain) iria ser o próximo presidente dos EUA aqui estarão para nos explicar, como sempre fazem, qual é o verdadeiro significado da decisão dos americanos. Dir-nos-ão: a guinada à esquerda é na verdade uma vitória do centro. Dir-nos-ão: não devemos esperar grandes mudanças, quase não havia diferenças entre os dois candidatos. E sorrirão com o entusiasmo da esquerda europeia. Rui Ramos continuará à espera que a História venha a proclamar Bush um grande presidente (só que, ao contrário das gerações futuras, nós estivemos cá e vimos). Mas afinal, a esquerda europeia tem estado errada estes anos todos, — sobre o Iraque, Bush e a economia, não era? — portanto nada como esperar pelos senhores muito responsáveis e suas ajuizadas triangulações.
Contra-argumentação preventiva: primeiro, a razão que acima de todas as outras tornou Obama viável foi ele ter sido contra a Guerra do Iraque desde o seu início; segundo, a razão que acima de todas as outras tornou a vitória possível foi a posição neo-progressista de Obama contra a economia do “desenrasque-se quem puder”. Quando a crise pronunciou o seu veredicto, os factos encaixavam na grelha de leitura que Obama vinha propondo e deram-lhe credibilidade e potência. E com ele chegou à maturidade uma nova geração mais à esquerda, mais cosmopolita e pragmática, mas menos doutrinária.
Barack Obama: como candidato, a guerra do Iraque o fez nascer, a crise económica o consolidou. E não, não foi por ele ser negro, mas que sei eu? Perguntem antes a alguém que tenha apoiado a guerra do Iraque e vibrado com a criatividade do sistema financeiro.
[do Público]
3 thoughts to “O pé-frio”
“Porta sfiga” caro Rui, o anche “porta rogna” o “menagramo” o “porta iella” o “gufo” o “uccellaccio del malaugurio”, da cui il fantastico verbo “gufare”…e ce ne sarebbero ancora ma non me li ricordo!
Ave!
pansi
Muito bom.
ISSO NÃO SERÁ O INSTINTO A FALAR?
OU SERÁ QUE JÁ NÃO SE LEMBRA DE QUANDO A SUA OPINIÃO, ESCRITA NO PÚBLICO, ERA OUTRA?
“Obama e Edwards apresentam-se como vagamente anti-sistema e favoráveis a uma renovação política com referências implícitas a Kennedy (em Obama) e F.D. Roosevelt (em Edwards). Mas as estratégias são opostas: Obama diz aquilo que as pessoas gostariam que fosse verdade: que a mudança nasce com um discurso positivo e esperançoso. O que Edwards diz, por outro lado, é simplesmente a verdade: que a mudança é difícil, que encontrará muitas resistências e que só poderá acontecer através de uma atitude combativa.
Acho que Edwards seria o melhor candidato. Mas sintomaticamente para mim ou para os aparelhos partidários, parece que é o que tem menos hipóteses de ser escolhido.
Gosto de Obama, como quase toda a gente. Mas não gosto de apenas “gostar” de um político, menos ainda de um discurso feito das emoções e dos “instintos”, mesmo que os instintos de Obama sejam próximos dos meus. Simplesmente, não me parece boa política ou, se quiserem, boa pedagogia democrata: para decidir com o “instinto” já bastou Bush.”