As ideias, mesmo as mais elementares, têm consequências. Em política, sobretudo as mais elementares têm consequências, pela facilidade com que se convertem em narrativas e se cristalizam no espaço público.

As ideias dominantes dos últimas trinta anos têm sido estas: o mercado tende “naturalmente” para o equilíbro, o sector privado é sempre mais eficiente do que o público, a concorrência produz transparência, o governo só serve para atrapalhar, a prosperidade “pinga” do alto se diminuirmos os impostos aos mais ricos, etc. Todas, sem excepção, nos eram dadas como evidentes. Todas, sem excepção, estão hoje em dúvida, seja quando empresas privadas coleccionam (e perdem) dados privados de milhões de indivíduos, seja quando o estado gasta no salvamento de grandes bancos o dinheiro que não havia para a comunidade.

Em momentos assim, mudam as marés. Com as marés mudam as ideias e as histórias que as acompanham. Em plena Grande Depressão, Franklin Delano Roosevelt fez em 1932 o seu discurso do “Homem Esquecido”, que partia de uma ideia simples. Era também uma história: a desgraça de Napoleão, dizia ele, foi preocupar-se apenas com a cavalaria, que dava mais rendimento, e desprezar a infantaria — os homens comuns que o seguiam a pé e que eram, no fundo, o seu exército. Muita gente vai dizer coisas destas nos próximos tempos. A semana passada, Obama disse que a economia não se resumia às empresas da Fortune 500 (a cavalaria) mas que era o conjunto de todas as casas e todas as pessoas comuns (a infantaria). Um dos espectadores chamados ao palco, um desempregado de sessenta anos chamado Barney Smith, disse “preciso de um governo que ponha o Barney Smith à frente do Smith Barney”. O “Smith Barney” é um grande banco de investimentos: foi o maior aplauso da noite.

Será isto o regresso do intervencionismo, do socialismo, e de outras palavras assustadoras? Não há regressos. Ninguém vai voltar a acreditar na indústria pesada, no desenvolvimentismo estatal ou nos planos quinquenais. O mundo não parou à espera do Estado.

Para os problemas de hoje, a sociedade tem os recursos de que precisa: inteligência, criatividade, redes de conhecimento. Do que necessitamos, enquanto comunidade politicamente organizada, é de aproveitar essas fontes e orientá-las. Um exemplo dado por Obama: oferecer isenção de propinas na Universidade contra trabalho comunitário. Ninguém é obrigado a participar, mas o benefício mútuo é evidente, excepto talvez para os bancos que vivem de endividar estudantes. Os intelectuais em torno de Obama dizem que o estado não precisa de intervir quando basta dar um “empurrão” (“nudge”, em inglês) no sentido pretendido. Referem-se a isto como “paternalismo libertário”. Parece paradoxal, e não é por acaso; nos valores de esquerda, a fraternidade sempre foi mais difícil de definir do que a liberdade ou a igualdade.

Por que dou tanta atenção a Obama e tão pouca a McCain? A carreira de McCain tem aspectos louváveis (a oposição à tortura) e traços francamente assustadores (o belicismo). Mas a sua campanha pauta-se pela falta de seriedade. Já era patente na sua reacção imatura à popularidade e talento do seu adversário, atacando-o como uma “celebridade elitista”. Mas atingiu o cume com a sua candidata a vice-presidente, uma figura sem opiniões ou pensamento sobre nada, nomeada pelos exclusivos factos de ser mulher e religiosa. Houve imensa gente a aplaudir o “arrojo” e a “imaginação” da jogada. Escapou-lhes que foi uma aposta desesperada que pode destruir a campanha republicana.

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