Durão Barroso, em quem deveríamos todos votar por dever patriótico, não tem aparecido, isto enquanto o seu país vai pelo cano.
Washington. – Kissinger pediu uma vez que lhe encontrassem qual era o número de telefone que ele deveria usar se precisasse de ligar para a Europa. O antigo secretário de Estado americano era um homem famoso e esta foi provavelmente a sua frase mais famosa. Ficou na cabeça dos europeus durante décadas. Finalmente, saíram-se com uma resposta, contida no Tratado de Lisboa. É ela…
Quatro números de telefone. Pelo menos. Barroso, Van Rompuy, Ashton e a presidência espanhola. Daqui a uns meses será a presidência belga, se até lá este país tiver voltado a ter governo (agora não tem e a última vez que isto aconteceu ficou assim sete meses – a propósito: um país sem governo, deficit alto e uma dívida pública acima dos 100% do PIB, maior do que a nossa, não terá direito a ser despromovido nas agências de notação ou será que possui atestado de bom comportamento por razões geográficas?).
Os americanos podem também experimentar ligar a Angela Merkel, mas ela não atende o telefone. Até às eleições numa província alemã, a Europa e o Mundo que se lixem.
Que lindo serviço. Que magnífica, estupidificante, irrefutável e, acima de tudo, perfeitamente previsível trapalhada.
Mas durante todo este tempo toda a gente nos disse que estava tudo bem. Que passássemos o Tratado de Lisboa e estava tudo bem. Tenho debates todos os meses com os meus colegas eurodeputados e eles continuam a achar que está tudo bem. Paulo Rangel diz que está tudo bem. Vital Moreira diz que está tudo bem. Durão Barroso, em quem deveríamos todos votar por dever patriótico, não tem aparecido, isto enquanto o seu país vai pelo cano – mas um dia voltará para o elegermos Presidente da República, suponho.
Há na história muitas épocas em que a opinião convencional, supostamente respeitável e responsável, se revelou desastrosa. Os anos 10 e os anos 30 do século passado saltam à memória como períodos em que se andou a brincar com coisas sérias até ao momento em que já era tarde.
Entretanto, estamos aqui nos EUA em três delegações diferentes do Parlamento Europeu – e nas próximas oito semanas vêm mais quatro. A minha delegação segue-se ao chumbo, no início de Fevereiro, de um acordo com os Estados Unidos para transferência de dados bancários dos cidadãos europeus, para poderem ser investigados no âmbito da luta contra o terrorismo. Esse antigo acordo (conhecido por SWIFT ou TFTP) tinha sido negociado praticamente em segredo entre os Governos europeus e a administração norte-americana, e assinado às pressas 24 horas antes de o Tratado de Lisboa entrar em vigor.
Coube ao Parlamento Europeu dizer sim ou não ao acordo. Para nós, o debate acabou por ser resumido numa frase simples: se o Congresso dos EUA tivesse de votar sobre a transferência, em bloco, de dados bancários de cidadãos norte-americanos para solo de uma potência estrangeira, diria sim ou não? A resposta era evidente, chumbámos o acordo.
Está agora a ser negociado um novo acordo, no qual se prevê que os dados das transferências bancárias intra-europeias sejam movidos, em bloco, para os EUA. Sim, leu bem. É o mesmo que antes. A Comissão Europeia esqueceu-se de avisar os americanos ou os americanos esqueceram-se de ouvir. A presidência espanhola quer ter tudo terminado até Junho. E lá chegados, sim, vamos todos chorar.
One thought to “Vamos todos chorar?”
Venho assim confirmar que vale a pena ter pluralismo em todos os sectores, especialmente na política para evitar estes absurdos (leia-se atentados à informação pessoal e confidencial).
Cumprimentos e um voto de confiança para quem, nesta matéria, tem a coragem de dar a face e mostrar o que se faz nos “entre-meios”.
Bruno Pimenta