A pouco e pouco, este blogue ainda há-de regressar à regularidade. Esta semana em princípio voltarei a pôr aqui as crónicas do Público. O problema é que entretanto houve várias dessas crónicas que ficaram por blogar, e por vezes houve gente que deixou aqui comentários interessantes a essas crónicas (mais ou menos onde podiam, ou seja, nos posts que estavam visíveis) e que correm o risco de se perder. Um deles é o comentário de Henrique Neto sobre as minhas críticas ao manifesto dos 28. Pela seriedade com que visivelmente foi escrito e pelo interesse do conteúdo aqui fica na íntegra:

Sou leitor regular das crónicas de Rui Tavares e concordo na generalidade com aquilo que escreve. Não é o que acontece com o texto de hoje no Público, “Livres para escolher”. Sou um dos signatários do documento dos 28, mas não sou economista, nem sou de direita e não olhop para a questão das grandes obras públicas numa óptica partidária. Mais, diferentemente de muita gente não falo de cor, estudei os projectos em detalhe e fiz um Parecer sobre o assunto que terei muito gosto em disponibilizar. A razão principal porque não concordo com muitas das obras previstas ´é por serem mais obra pública desligadas de qualquer estratégia integrada de desenvolvimento. Pior, desligadas entre si, planeadas e justificadas de forma avulsa. Por exemplo,para que são precisas mais autoestradas quando em presença dos custos energéticos e ambientais tudo aponta para o transporte ferroviário como o transporte de futuro. Para quê a ligação a Madrid pelo Sul em direcção a Badajoz, servindo apenas o mercado de Leiria a Setúbal, quando a ligação pelo Entroncamento em direcção a Cáceres servia todo o mercado de Vigo a Setúbal? Qual a solução para reduzir a dependência do transporte rodoviário de mercadorias a favor do transporte ferroviário se nós insistimos na bitola ibérica na Linha do Norte e os espanhóis estão a mudar as suas vias para bitola europeia? Para que servem mais pontes rodoviárias de e para Lisboa, em vez de mais transporte público entre as duas margens do Tejo, na medida em que mais carros são mais custos energéticos, mais poluição e mais engarrafamentos? Para quê mais contentores em Alcântara em vez de mais paquetes de turismo, quando sabemos que os grandes navios portacontentores do futuro não poderão entrar em Lisboa, que em qualquer caso Lisboa deverá ser uma capital de serviços e não de infraestruturas pesadas?
Poderia escrever muito mais, mas se tiverem interesse envio o Parecer que fiz e que explica melhor tudo isto. Uma palavra final para dizer que sem estudo dos problemas, no mínimo do ponto de vista do modelo, as opiniões são sempre legítimas, mas frequentemente inúteis.

Cumprimentos

Henrique Neto

Resta agradecer o trabalho de Henrique Neto para escrever este comentário. E quero dizer que, sim, efectivamente gostaria muito de receber toda a informação sobre estes assuntos. Também em breve terei aqui uma caixa de correio permanente para envio de documentação, até para facilitar o trabalho europarlamentar que se avizinha.

6 thoughts to “Um comentário de Henrique Neto

  • Augusto Küttner de Magalhães

    Convenhamos que este comentário de Henriqe Neto, mesmo o que aqui se lê, justifica e muito bem a sua posição!

  • José Martins

    O que está errado no manifesto dos 28 é ele partir da ideia de que se devem parar TODOS os investimentos públicos. Mas é também claro que não se devem fazer investimentos públicos SÓ para resolver o problema do desemprego. Antes, todos eles devem ser assentes em estudos técnicos integrados, sérios e independentes dos lobbies das grandes construtoras.
    Ou seja, os investimentos públicos são necessários mas não devem obedecer simplesmente à lógica das parcerias público-privadas, que agora têm o eixo no PS, mas que provavelmente depois terão o eixo no PSD, fazendo com que, também provavelmente, esses mesmos 28 mudem então radicalmente de opinião.
    Mas Henrique Neto tem toda a razão quando defende que se deve dar primazia ao transporte ferroviário e à sua integração na rede europeia (com a correspondente bitola), em detrimento das auto-estradas. O transporte ferroviário representa o futuro (até Barack Obama pretende importar o conceito do TGV para os EUA). Por isso, a renovação da nossa apodrecida rede ferroviária seria a melhor herança que poderíamos deixar às nossas gerações futuras.
    Quanto ao novo aeroporto de Lisboa, deve ser construído rapidamente, mas não pela principal razão por que o PS pretende construí-lo, que é a disponibilização dos terrenos do aeroporto actual para uma desenfreada especulação imobiliária. Londres tem CINCO aeroportos, um dos quais em plena cidade. Com tantos melhoramentos feitos recentemente no aeroporto da Portela, seria estúpido tudo destruir só para satisfazer a ganância dos abutres do imobiliário.
    João Miranda escreveu há tempos no DN:
    «A construção de um aeroporto complementar com instalações modestas e baratas para companhias de baixo custo não prejudicaria a rentabilidade da utilização da Portela para o tráfego tradicional. A decisão de encerrar definitivamente a Portela pode assim ser adiada por várias décadas. Esta solução permite manter todas as opções em aberto, lidar adequadamente com a incerteza, adiar a desactivação da Portela com o consequente aproveitamento do que lá foi investido, manter um aeroporto no centro da cidade, colocar Lisboa na rota das companhias de baixo custo e poupar dinheiro por adequação do investimento à procura».
    Eu subscrevo.

  • António Dias da Cunha

    Desta vez bravíssimo, “O que fez antes do doente morrer?” é brilhante. Aos economistas estrangeiros que citou, julgo que se podem acrescentar Amartya Sen, Stiglitz e Krugman.
    Termino desejando-lhe a maior força para continuar (não sei é se o “JMF” o vai deixar tranquilo).
    Cumprimentos amigos,
    António Dias da Cunha

  • Nuno Ferreira

    Compreendo as reticências sobre este grupo dos 28 por parte do Rui Tavares, porque aquilo é uma misturada de pessoas, com diversas razões e propósitos muito díspares.
    Estou cansado do corta a direito, do não se faz nada, ou se faz tudo, tudo sempre na lógica do proveito próprio ou de grupos de pressão, ou porque se existe na Europa deverá ser replicado por terras lusas.
    Acho que a opinião do sr. Henrique Neto é louvável e acertada, mas assinando um Manifesto do Contra, parece-me que fica numa posição no mínimo ambígua.
    Concordo que seja discutida uma estratégia do que se pretende fazer em obras públicas, e sugiro que se comece a visualizar o país que temos.
    Na minha ótpica deve ser discutido o Portugal que queremos daqui a 50 anos, e para mim passa por desenvolver e descentralizar os investimentos, os fluxos migratórios para as terras do interior. O país não pode continuar a ser apenas Lisboa, Porto e o litoral, não podemos continuar a remendar problemas que derivam do excesso de população concentrado no litoral e que se vão agravar, não podemos continuar a ser um país de serviços, temos que apostar nos capazes e combater o desemprego e especialmente o forte nepotismo e corrupção que grassam em Portugal.
    A discussão deverá ser supra-partidária e deverá ter uma duração, e após essa discussão terminar, definir estratégias e começar a trabalhar, melhorando e transformando o país com e para as pessoas, e tentar incluir todos, todos são importantes.
    Esta é a minha visão para um futuro melhor do que o presente.

  • José M. Sousa

    Concordo com o Henrique Neto, nas objecções que faz a certo tipo de obra pública. Pelas mesmas razões sou contra o novo aeroporto. Todos os grandes “investimentos” que apostem numa mobilidade energético-intensiva estão em contradição com as perspectivas de crise energética que se avolumam no horizonte. O fenómeno recente e passageiro das companhias aéreas de “low-cost” não pode, de modo algum, servir de justificação para construir um novo aeroporto. Em contrapartida, deveria ser modernizada toda a linha ferroviária convencional, promovendo, por exemplo, a sua electrificação. Isto sim seria estratégico a médio prazo.

  • Megashira

    O comentário de Henrique Neto é pertinente. O estranho da questão é ele não perceber que os seus colegas de Manifesto estão totalmente em desacordo com o que Henrique Neto aqui escreve. Pergunto: como é que o Henrique não se importa de assinar um Manifesto com pessoas que discordam totalmente dele? Estranho!

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